“O meu sonho é concluir os estudos com sucesso, dar aulas de violino e trabalhar numa orquestra e coro”, diz a violinista Júlia Nunes

Correio dos Açores: Antes de seguires a formação em música, tinhas em mente alguma outra profissão?
Júlia Nunes: Acho que quando somos crianças, queremos ser muitas coisas. Quando me perguntavam o que queria ser quando fosse grande, dizia: Cabeleireira e professora de violino; veterinária e professora de violino; bailarina e professora de violino; entre outros…No final de contas, sempre tive em mente uma profissão comum durante a minha infância e é a que pretendo exercer quando terminar os meus estudos.
Como te deste conta do teu talento?
Sempre gostei muito de música e de assistir a concertos na televisão desde pequenina. Nunca tive um exemplo a seguir e só entrei no conservatório por causa da professora de música, Ana Margarida Gaipo, que na altura dava aulas no colégio “Externato a Passarada” e notou a minha facilidade na aprendizagem.

Porque te apaixonaste pelo violino?
Apesar de ter começado em piano aos 5 anos, não estava “de coração cheio”. Andava pelos corredores do conservatório e ficava fascinada quando olhava e ouvia alguém a tocar violino. Não consigo explicar como começou esta paixão, talvez tenha sido “amor à primeira vista”.

A formação oferecida cá não era suficiente?
Tudo o que sou e a minha entrada em algumas universidades do país, foi graças à formação que adquiri no Conservatório Regional de Ponta Delgada, Sinfonietta de Ponta Delgada e Coral de São José. No entanto, foi uma necessidade ter de me deslocar dos Açores, visto que queria prosseguir os meus estudos num curso universitário que não há cá.

O ambiente aí é muito competitivo?
Há muita competitividade, umas mais saudáveis que outras, mas procuro dar sempre o melhor de mim, ajudar e ser ajudada, pois a música não faz sentido se a vivermos de forma individual.

Quem são as tuas referências musicais?
De violinistas, aprecio muito o trabalho de David Oistrakh, Isaac Perlman, Janine Jansen, Hilary Hahn, Julia Fischer…

Desde quando estás ligada à música?
Desde os meus 4 anos, ao integrar o coro infantil do Conservatório. Desde então, faço vida da música.

Como é a tua agenda de trabalho, quando preparas um espetáculo? Como divides o teu tempo?
Tenho um plano de estudo no meu dia-a-dia. Quando se aproxima um concerto, arranjo maneira de conciliar o meu estudo individual por parte da universidade, com os novos ensaios e obras. Começo por ouvir várias interpretações com as partituras à minha frente e tomo as notas que acho necessárias e que me vão ajudar quando for fazer leitura, como a indicação do tempo no metrónomo, secções com passagens mais exigentes, etc. Depois, faço exercícios técnicos durante um tempo determinado para servir de aquecimento. De seguida, faço exercícios com as tais passagens que seleccionei e depois de as trabalhar, começo a fazer uma leitura geral.
Que tipo de repertório te dá mais satisfação fazer?
Sem dúvida, períodos clássico e romântico, apesar de ser muito flexível a nível de repertórios.

Quais são os teus compositores preferidos?
Não tenho propriamente compositores preferidos, mas sim obras de destaque em alguns compositores como, por exemplo: Concerto em Ré maior para violino de P. I. Tchaikovski; Concerto em Ré Menor para violino de J. Sibelius; Siciliana da 1º sonata para violino de J. S. Bach; Ópera “Don Giovanni” de W. A. Mozart; “Missa Solemnis” de l. V. Beethoven; Romance para violino de D. Schostakovich; entre muitas outras óperas, sinfonias, concertos, etc.

Quais os aspectos mais desafiantes da tua carreira musical?
Acho que o desafio maior é não ter medo de falhar. Tudo se resume no momento da execução, no qual dedico muito tempo de trabalho. Errar é normal, ninguém é perfeito e erra de propósito, mas mais vale errar com uma atitude confiante do que acertar e transmitir receio, nervosismo e insegurança.

Que experiências colheste enquanto regente do coro sacro das Capelas?
A minha experiência tem sido incrível! Para além de ser na “minha terra” e trabalhar com gente amiga, sempre mostraram respeito, dedicação e empenho. 
Desde que me lembro que me dedico às actividades da paróquia por parte do coro, onde comecei por cantar e mais tarde a tocar violino. Em 2019, assumi a direcção de um dos grupos corais, pois estava a tirar uma disciplina de direcção no Conservatório e o coro foi um elemento de avaliação. 
A partir daí, mesmo tendo concluído a disciplina de direcção, continuei a dirigir o coro até hoje, que mesmo estando no Continente, continuo a vir animar as missas de festa sempre que seja possível. 
Graças ao coro, evoluí a minha concentração e foco nas vozes, trabalhei o ouvido a nível de afinação, técnica de direcção, entre outras coisas.

Como classificas o Festival Música no Colégio?
Uma excelente iniciativa. Já participo neste Festival há alguns anos, tanto como coralista do Coral de São José, como violinista na Sinfonietta de Ponta Delgada. Este Festival, impulsionado pelo Coral de São José, é uma mais-valia para a nossa Região. Devo muito a este coro, por me proporcionar concertos de alta qualidade e momentos lindos dos quais pude participar. Este, dá a oportunidade de desenvolver o canto a muitos jovens e adultos que provavelmente não acreditavam na sua capacidade vocal. É de louvar o trabalho feito por este coral! Tenho muito orgulho de fazer parte desta “família”
Qual o papel da Sinfonietta de Ponta Delgada, no desenvolvimento musical dos Açores?
Enquanto músico da Sinfonietta de Ponta Delgada há alguns anos, ganhei muita experiência e currículo a nível de obras tocadas e músicos com quem trabalhei, devido a esta incrível orquestra. Esta, dá a oportunidade, tanto a músicos e público residente e não residente, de usufruírem de concertos magníficos, com profissionalismo e com muita diversidade a nível de repertório. Os Açores não seriam tão “harmoniosos” sem esta bela orquestra.
Que grandes mitos o público ainda tem acerca da música clássica?
Penso que um dos mitos maiores é o público achar que assistir a uma ópera baseia-se numa orquestra com um solista de canto lírico. Na verdade, parte deste princípio, mas há muito mais! É um espectáculo de música e teatro que representa uma história, à base de situações do quotidiano, muitas vezes terminando com uma lição de vida.

O que fazes antes de entrar em cena?
Antes de entrar em cena, costumo fazer um aquecimento, manter a concentração e tentar travar o nervosismo com exercícios de relaxamento.

Que conselhos darias a uma jovem que quer seguir esta carreira?
Primeiro diria que estava cá para o que precisasse e a ajudava com base na minha opinião e com conselhos que funcionaram comigo. Tentava incentivar para participar em estágios, aulas abertas, master classes, etc. Mas acima de tudo, dizia para não se deixar influenciar pelos outros, ter empenho e dedicação, humildade e acima de tudo, gosto no que faz.

Como defines a tua vida em Évora? É uma cidade boa para viver? Fala-nos como foi a tua integração.
Évora foi uma grande aventura na minha vida. É uma cidade linda e muito acolhedora. Rapidamente senti-me integrada. A primeira semana, em que eu não conhecia ninguém nem a cidade, e longe da minha família, foi uma semana de muita emoção. Assim que começaram as aulas, foi tudo tão simples e genuíno. Agora, a cidade e os meus colegas são a minha segunda família. Posso dizer que sou muito feliz e sortuda.

Qual a tua maior paixão: coralista ou violinista?
Apesar de ter optado por fazer carreira como violinista, ser soprano está no mesmo grau de importância e, quem sabe, talvez tire estudos em canto. Sou as duas coisas, e não sou capaz de abdicar de uma delas.

Como correu o estágio Boston Violin Intensivo?
O estágio em Boston foi uma experiência única! Senti orgulho no meu trabalho quando fui seleccionada e enquanto estive no estágio. Tive a oportunidade de trabalhar com músicos de referência e conheci salas de espectáculo deslumbrantes. Aprendi técnicas novas e métodos de estudo e, no final do estágio, realizou-se um magnífico concerto com todos os intervenientes em solo e em grupo.

Como correu o “Via-sacra em Concer-to”?
Outra excelente iniciativa! É tão bonito como a música une pessoas e, neste caso, enriqueceu a Páscoa e um ato religioso de uma forma que nunca tinha visto.

Qual o teu sonho nesta carreira?
O meu sonho nesta carreira é conseguir ultrapassar certas dificuldades que ainda tenho, concluir os meus estudos com sucesso, dar aulas de violino e trabalhar numa orquestra e coro.

Quando estás fora, tens saudades dos Açores?
Muitas, muitas saudades! Para além da minha família, que é o meu porto seguro, senti muita falta da minha casa, do mar e do “verde”. Deste ar puro e paisagens lindas! Sempre que volto a São Miguel, fico de alma cheia.
António Pedro Costa

Print
Autor: CA

Categorias: Regional

Tags:

Theme picker