Correio dos Açores - O que o levou a participar no documentário A Ilha dos Gigantes?
Jorge Fontes (Investigador científico UAC) - Havia sobretudo um interesse científico. Considerávamos importante ver esclarecidas várias perguntas e, do ponto de vista científico, conhecer melhor a ecologia deste animal que ainda é pouco conhecido, sobretudo os animais adultos que se agregam em ilhas oceânicas. Além de que participar no documentário tem todo o interesse, pois conseguimos, de forma eficaz, dar a conhecer ao público, e à sociedade em geral, aquilo que fazemos na investigação, para que as pessoas possam valorizar não só o trabalho que se faz, como também os animais e os ecossistemas que estudamos.
De onde vêm e para onde vão os tubarões-baleia?
Na verdade, conseguimos saber para onde vão, porque fazemos a marcação na Região e até já temos alguma informação de regresso de alguns tubarões. O ano passado, fizemos também um trabalho de fotoidentificação, com um estudante de mestrado. Existe um padrão de manchas e de coloração no lado esquerdo que é único para cada animal, sendo uma espécie de impressão digital. Basicamente, comparou-se várias centenas de animais vistos nos Açores com uma base de dados internacional, de vários milhares de indivíduos e o resultado foi muito interessante: não foi encontrado nenhum match, ou seja, nenhuma coincidência com essa base de dados, mesmo em animais registados em outras regiões do Atlântico, onde são bem documentados, como é o caso do Golfo do México, indicando-nos que esta população poderá ser uma população distinta. Além disso, verificámos, com os transmissores de satélite que colocámos de longa duração, que os animais quando saem dos Açores rumam para Sul, sobretudo para o lado Oeste do Atlântico Tropical, e houve também um que migrou para Leste, para o Golfo do México.
Porque procuram os Açores, especialmente Santa Maria?
De facto, este era um dos enigmas que deu origem a toda a linha de investigação. Compreender porque é que estes animais migram milhares de quilómetros até ao limite Norte da sua distribuição conhecida, para se agregar, não só mas sobretudo, à volta da ilha de Santa Maria. O principal resultado do estudo prende-se com a evidência encontrada de que os tubarões-baleia migram em conjunto com os atuns, pois utilizam os atuns para se conseguirem alimentar de peixe, ao contrário da teoria conhecida, de que são animais filtradores que se alimentam de plâncton. Nos Açores, estão a alimentar-se de peixe. Conseguimos, através das câmaras que colocámos nos animais, desvendar o mistério e descrever esta relação entre os tubarões-baleia e os atuns.
A primeira aglomeração dos tubarões-baleia regista-se na ilha de Santa Maria em 2008. Porquê este ano?
Sempre foram vistos tubarões-baleia nos Açores, mas em números muito baixos. Eram avistamentos raros, de um a dois destes colossos do mar por ano. Em 2008, houve várias centenas, cerca de 300 e tal avistamentos, aquando do POPA – Programa de Observação para as Pescas dos Açores, o que marcou o início de um ciclo de grande abundância, com elevados números de tubarões-baleia, que se registou até 2014, embora com variações. Fizemos uma análise destes dados e verificámos que essa abundância ocorre normalmente nos anos mais quentes, em que a temperatura da água está acima da média. Portanto, parece haver uma relação com a temperatura da água, mas esta pode não ser directa, podendo simplesmente indicar que há condições favoráveis à ocorrência das suas presas, dos atuns, entre outros. No período compreendido entre 2014 e 2018, deixámos de ter tubarões-baleia, sendo que estes só regressaram em 2018, mantendo-se em 2019, 2020 e 2021.
Este ano temos tubarões-baleia nos Açores?
Este ano temos vários registos, embora não se assemelhem aos números de 2008, sobretudo ao largo da ilha de Santa Maria. Tivemos igualmente alguns avistamentos no Grupo Central, nomeadamente no barco Princesa Alice, e junto à ilha do Pico, também houve relatos de um avistamento ou outro. Pode-se afirmar que este é um ano de alguma abundância de tubarões-baleia, sobretudo à volta da ilha de Santa Maria.
De que forma a sua presença afecta o tecido económico de Santa Maria, tendo em conta que houve um aumento significativo das actividades de mergulho?
Esta exposição, sobretudo com o documentário A Ilha dos Gigantes, teve um impacto muito grande, despoletando um interesse acrescido, segundo o que me vão reportando, especialmente pela ilha de Santa Maria. Mas, acaba por ter um efeito de contágio a toda a Região, ajudando a colocar os Açores no mapa da biodiversidade na Europa, particularmente com os animais oceânicos, pelágicos, como o caso dos tubarões-baleia, dos tubarões-azuis, das jamantas, entre outros. Na verdade, esse efeito de contágio contribui para afirmar os Açores como destino de natureza, de mergulho de excelência na Europa e não só. O crescimento acarreta maior cuidado na gestão dos recursos, o que inclui os recursos económicos. Naturalmente, tem um impacto grande na economia.
Houve alguma história marcante com esses gigantes do mar que queira partilhar?
Em 2020, estávamos a trabalhar em Santa Maria e havia bastantes tubarões-baleia até que veio uma tempestade grande que alterou as condições oceanográficas. Ao fim de dois dias de tempestade, o atum desapareceu todo, assim como alguns tubarões-baleia que poderão ter seguido os atuns, todavia alguns ficaram. Aqueles que se mantiveram, passaram a concentrar-se, sobretudo, à volta da Baixa do Ambrósio, uma área marinha protegida, onde se agregam também as jamantas e muitos predadores como lírios, bicudas, anchovas, entre outros, na expectativa de recrutar os lírios, que são residentes, como substitutos dos atuns, com o objectivo de os ajudar a reunir os cardumes de isca, nomeadamente os peixes-pau, os chicharros, entre outros, dos quais os tubarões-baleia e atuns se alimentam. Neste caso, os tubarões-baleia tiveram a capacidade de procurar recrutar outros parceiros para substituir os atuns que tinham desaparecido. Foi um momento de descoberta espectacular.
A espécie dos tubarões-baleia encontra-se em perigo. A que causas isto se atribui?
Esta é uma espécie ameaçada globalmente e há uma combinação de causas que o justificam. Por um lado, sobretudo na Ásia, há pesca dirigida a esta espécie para o mercado da barbatana de tubarão. Existem, ainda, problemas relacionados com a poluição do seu habitat e incidentes, como o abalroamento de navios. Cada vez há mais tráfego marítimo, embarcações maiores e mais rápidas, e os tubarões-baleia são vulneráveis a este tipo de acidentes. As alterações climáticas também serão absolutamente importantes. Portanto, é uma combinação de factores.
Há algo mais que queira acrescentar?
Em relação ao episódio que referi, que está relatado também no documentário, em que os tubarões-baleia procuram substituir os atuns com os lírios, importa referir que é uma lição importante para todos nós, pois mostra que nenhum animal ou ecossistema no oceano está isolado, estando sobretudo interligado. Quando fazemos um bom trabalho a gerir todo o ecossistema, neste caso específico, a proteger os lírios da Baixa do Ambrósio ou de outros sítios como as Formigas, estamos também a contribuir para preservar o tubarão-baleia, embora a ligação pudesse não ser tão óbvia antes de conhecermos este comportamento. É importante ter um ecossistema saudável em todas as suas dimensões, para podermos continuar a ter tubarões-baleia, jamantas, tubarões-azuis, etc., os grandes predadores mais icónicos que atraem grande parte dos turistas que vêm aos Açores.
Carlota Pimentel