Correio dos Açores: Embora estejamos ainda no início de Setembro, que balanço faz dos últimos meses no que diz respeito ao turismo nos Açores e que problemas continuam presentes?
Cláudia Chaves (Presidente da Delegação da AHRESP dos Açores): O Verão está a ser muito positivo, não só para os estabelecimentos de alojamento turístico, como também para os estabelecimentos da restauração. Todos estão cheios mas não podemos esquecer a subsistência das empresas e os seus postos de trabalho que têm que ser garantidos o ano todo, não apenas na época alta.
(…) Não se trata de os funcionários não terem um vínculo seguro com as empresas, porque neste momento o que os empresários querem é contratar pessoas para ficarem ligadas à empresa, além disso, o facto de haver sazonalidade no trabalho sempre foi constante, há sempre trabalho para a época alta que não é fixo, mas a questão é que, neste momento, faltam pessoas para o imprescindível, para a continuidade dos serviços na restauração. A juntar a esta situação da falta de mão-de-obra, a restauração não consegue garantir horários alargados – porque tem que dar folga aos trabalhadores que estão na empresa –, o que prejudica de alguma forma o atendimento ao turismo, a qualidade do serviço e do atendimento de que queremos que os Açores sejam portadores. Mas este é um problema transversal no país inteiro e a várias actividades.
Também a subida das taxas de juro faz com que o investimento não seja favorável, ou seja, as empresas pensam bem antes de investir, porque sabem que as taxas de juro estão a aumentar e a inflação também, o que faz com que as margens que a restauração e a hotelaria estão a ter agora, nesta época alta – esta almofada de turismo que traz mais facturação – não seja suficiente para aguentar o ano inteiro. Em acréscimo, há também a diminuição do poder de compra dos consumidores, que faz com que os restaurantes e os espaços de lazer não estejam nas suas prioridades. Tudo isto é importante que seja falado, pensado e alertado. É muito importante para que sejam tomadas medidas.
Que tipo de medidas?
O Governo teima em tardar com a informação sobre o que vai acontecer, se vai avançar com pacotes de apoio às empresas, ou não, para o último trimestre de 2022, e, inclusive, para o primeiro trimestre de 2023. A maioria das empresas dos Açores ligadas ao turismo são micro empresas, com uma tesouraria que está completamente de rastos. O facto de estas empresas terem tido um Verão bom não foi o suficiente para fazer reservas para o dia-a-dia. É muito importante que venha informação sobre os apoios para o período pós-Verão.
(…) E não falo só dos impactos da pandemia, pois não foi pelo facto de retomarmos a actividade que eles desapareceram, mas a agravar temos os efeitos da inflação e da subida de preços. Todos os custos das empresas triplicaram mas a facturação não triplicou. Mesmo triplicando, há um passivo de dois anos que precisa de ser abatido. O Governo tem que perceber tem que sair com medidas de apoio às empresas se queremos que elas se mantenham para 2023.
(…) Ainda não ouvi ninguém do Governo mencionar isto, e sei que estão a aguardar que no dia 5 de Setembro saia a informação ao nível da República em relação ao que se está a pensar fazer (a nível nacional). Mas enquanto se espera, é importante pensarmos em estratégias para o pós-Verão. (…) O Apoiar.pt é muito importante para atenuar os custos das empresas e já lhe fizemos referência várias vezes. Por isso, é muito importante que o Governo Regional dos Açores também pense no Apoiar.pt para os meses pós-Verão, porque tudo aumentou. As margens foram, realmente, reduzidas. Não tivemos o suficiente para se poder garantir que há alguma reserva para se poder assegurar o pós-Verão.
Para além do problema sistémico dos nossos sectores que é a falta de mão-de-obra, e relativamente a este assunto, também já apresentámos várias medidas de apoio, temo-nos reunido com o Governo e vamos reunir-nos novamente na próxima semana com a detentora da pasta do emprego. (…) Este assunto tem que ser tratado com muita seriedade, eficiência e rapidez. (…) Sem mão-de-obra, sem a revisão das políticas de mão-de-obra, sem apoios para aguentar o pós-Verão, eu temo muito por estas pessoas. É com alguma apreensão que eu vejo o futuro próximo.
Porém, há a sensação de que abrem novos negócios com frequência…
Muitos destes investimentos existem porque já estavam previstos em 2020 e ficaram parados. Em algumas situações, para não perder o investimento feito em projectos e elaboração de candidaturas a apoios europeus, tiveram que avançar. Não pode ser correlacionado directamente com o facto de estar tudo bem ou com o facto de as pessoas terem dinheiro para investir, não é bem assim. (…) Até porque parte dos investimentos que avançaram e que recorreram à banca estão a pagar um juro muito mais alto do que aquele que inicialmente tinham previsto na análise de viabilidade do seu negócio.
Este Verão assistiu-se à prática de preços exacerbados em alguns sectores do turismo, como a hotelaria, que acabaram por afastar o cliente local. É esta prática a mais eficiente no turismo dos Açores?
É o mercado a funcionar, a oferta e a procura. Normalmente, e ao longo dos anos, sendo 2019 o nosso índice de maior turismo, percebeu-se que o turismo local aproveita mais a Primavera e o Outono para fazer as suas escapadinhas, e então direccionou-se muito as campanhas para o turista que vem do exterior. Mas isto é algo que tem que ser analisado ano a ano. Em 2022 estamos quase que a experimentar a estratégia de tudo aquilo que sabíamos que se fazia a nível correcto para os Açores e para o seu turismo, mas uma grande parte já não é válida e tem que ser reapreciada porque os hábitos das pessoas mudam, bem como a forma de viajar e aquilo que valorizam.
(…) Continuo a achar que o mercado local é muito importante e que nós devemos apostar nele, o importante, se calhar, será pensar em campanhas fora da época alta destinadas aos locais e fazer com que criem estes hábitos de Primavera e de Outono, o que também ajudará a economia regional no pós-Verão.
Que impactos têm o aumento do custo de vida e a inflação na restauração actualmente?
A manter o índice de inflação desta forma e das taxas de juro que acabam por afectar todas as pessoas, vamos ter que olhar de outra forma para o local, porque ele é que vai estar cá.
Em relação ao aumento do preço nas cartas/menus, neste momento, a informação que eu tenho é que os empresários foram obrigados a aumentá-los, mas não os aumentaram na mesma proporção ou percentagem do aumento do custo da matéria-prima, porque a matéria-prima tem tido aumentos exponenciais, de mais de 30%, o que faz com que toda a carta de menu a apresentar ao cliente tinha que sofrer algum aumento, mas não foi reflectido o total dessa percentagem de aumento. Todos estamos a ser obrigados a aumentá-las, porque a margem foi esmagada e se não repercutirmos alguma percentagem na carta, acabamos por estar a pagar para abrir o negócio. Havendo algum travão na taxa de inflação – mas isto tem que ser feito entre a União Europeia, o Governo da República e o Governo Regional dos Açores a tomar estas posturas – seria uma forma de apoiar pelo menos o cabaz dos consumidores, porque assistimos no Verão a um pique, também, da inflação.
Então significa que a margem de lucro dos empresários é que está a diminuir mesmo com os ajustes nos preços praticados?
É exactamente isso. Por isso a AHRESP a nível nacional tem feito uma pressão enorme junto do Governo na República no que diz respeito à fiscalidade: a baixa do IVA na restauração, na fiscalidade nos postos de trabalho de forma que se consiga manter postos de trabalho com melhores vencimentos, e ao nível da tesouraria para que as empresas consigam ter alguma forma de não reflectir a totalidade destes aumentos no menu e poderem trabalhar com preços atractivos.
Era muito importante que o IVA ficasse na taxa mínima, nos 4%, pelo menos durante esta situação por que estamos a passar. Esta era uma forma de apoiar aqueles que geram postos de trabalho a manter a actividade e a não fechar as portas.
Em Julho avançou que seriam necessários nos Açores mais 14 mil profissionais no turismo para fazer face às necessidades actuais. O número mantêm-se?
Apesar de os números indicarem que a taxa de desemprego baixou, as 14 mil pessoas no sector do turismo – neste caso alojamento, restauração e similares – mantém-se e, principalmente, neste momento, o que os empresários pedem é que estes 14 mil que faltam sejam formados e com qualificações profissionais.
(…) É muito importante haver formação na área e esse é um investimento que o Governo Regional pretende fazer e que vamos continuar a incentivar que façam ao formar as pessoas entre Outubro e Março, considerada uma época mais baixa, com formação específica para a restauração e alojamento. Mais de 60% dessa formação deve ser dada no local de trabalho, nas empresas, e não apenas em aulas. É preciso que essa formação seja real e que as pessoas sintam realmente o que vão fazer. Tem que haver também uma avaliação do desempenho.
Numa opinião muito pessoal, todos os que tiraram curso numa escola destas e que foram apoiados pelo Governo Regional, deveriam trabalhar na Região pelo menos dois anos, e em relação a todos aqueles que vão para estes cursos para tirar o 12.º ano, afirmo que essa política continua a ser errada, foi aplicada durante mais de 20 anos e vai ser difícil mudá-la, por isso digo que será preciso coragem política para mudá-la, mas se não a mudarmos não teremos resultados diferentes.
Muitos dos que trabalham ou já trabalharam na área queixam-se de baixos ordenados para o tipo de trabalho exigido e respectiva carga horária…
Não vou dizer que isso não acontece, mas é a excepção. É muito importante perceber que para uma empresa pagar bem tem que ter um funcionário qualificado e tem que ter rentabilidade suficiente e tesouraria para pagar, e isso sim é que tem que ser trabalhado. (…) Se for revista a fiscalidade, acredito que não serão tantos os trabalhadores a queixarem-se de que estão a ser roubados pelo trabalho que fazem.
Joana Medeiros