Correio dos Açores - Como surgiu a ideia de criar o blogue de moda mini-saia?
Mónica Lice (Consultora de imagem, Bloguer, Influencer) - O meu percurso começou há muitos anos. Eu só comprei o meu primeiro computador depois de estar na Guiné-Bissau, com o fruto do meu primeiro salário. Até então a minha experiência com a internet era muito pouca, tinha um e-mail e pouco mais.
Depois de fazer o curso de Direito, fui dar aulas na Faculdade de Direito de Bissau, onde estive durante cinco anos. O blogue nasceu lá, após ter internet em casa, o que que não aconteceu logo, porque naquela altura as condições de vida na Guiné não eram muito fáceis. Eu era uma beneficiada, pois vivia num bairro da corporação portuguesa, onde tinha energia e água à disposição. Quando não havia energia da rede, havia gerador, além de que havia um poço, pelo que tínhamos sempre água. O que para nós, em Portugal, são coisas banais, na Guiné-Bissau eram pequenos luxos. Então, ter internet em casa foi o luxo dos luxos. Uma das coisas que fazia, no primeiro ano, era ir a um cibercafé próximo da casa onde vivia em Bissau e, na altura, já tinha começado a navegar em alguns blogues, nomeadamente no blogue de um colega que estava a viver na Guiné-Bissau, blogue este essencialmente dedicado a fotografia de paisagens e vivências africanas.
Quando comecei a ter internet em casa, lembrei-me de criar um blogue, mais feminino, uma espécie de revista de moda que eu não tinha, visto que lá não existiam à venda. Queria criar algo que me servisse como escape ao dia-a-dia de lá, que embora fosse bastante bom, estava um pouco privada daquele universo mais feminino, ao qual estava habituada em Lisboa, onde há revistas de moda, lojas, entre outros.
Quando comecei a escrever o blogue não dizia onde estava, nem se mostrava a cara nos blogues, na altura. O blogue foi criado em Fevereiro de 2006, pelo que completará 17 anos.
Foi uma das pioneiras neste mundo em Portugal…
Na altura, eu não conhecia blogues portugueses praticamente nenhuns, de moda e beleza. Então, não conhecia de todo.
Comecei a pesquisar e encontrei alguns blogues brasileiros, bem como outros nos Estados Unidos. Mas, comecei a direccionar-me para o que existia no mercado brasileiro, tendo em conta que, à data, os blogues funcionavam muito por interajuda. Íamos aos blogues de outras pessoas, comentávamos e vice-versa. Era muito nesta base. Inclusivamente, conheci algumas pessoas brasileiras com as quais ainda hoje mantenho contacto.
Não mostrava a minha cara, nem sequer escrevia o meu nome. Eu assinava como A Lice e as pessoas pensavam que eu me chamava Alice. Hoje em dia, às vezes, ainda acham que o meu nome é Alice e não Mónica. Mais tarde, passados alguns anos, é que comecei a mostrar a cara e a escrever o meu nome, visto que havia um certo receio dos perigos da internet.
O meu trabalho na Guiné-Bissau não era o blogue, mas sim o trabalho da docência. O blogue era um escape e um passatempo ao qual eu dedicava algum tempo, porém a atenção fulcral estava no ensino e nas actividades paralelas que eu fazia na Faculdade de Direito.
É preciso coragem para abandonar o seu país e abraçar um novo desafio profissional em África…
Creio que a aventura maior foi vir dos Açores para Lisboa. Essa mudança foi mais complicada, para mim, do que propriamente a ida para a Guiné. Com 18 anos, ainda estamos muito ligados à terra. No ano anterior, antes de ir para Lisboa, tinha tido uma experiência, estive quase dois meses de férias nos Estados Unidos, o que me preparou de certa forma quando fui para Lisboa.
Embora nunca se esteja preparado. A vida em Lisboa é diferente e, principalmente, o primeiro ano causa sempre impacto. No meu caso, passar a estar sozinha, por minha conta, começar a gerir dinheiro, refeições e tudo isso, não foi fácil.
Quando fui para a Guiné custou-me um pouco, mas a despedida dos meus pais foi feita por telefone, pois eles não estavam em Lisboa. Custou sair de Portugal, porém, quando cheguei lá, tinha um apartamento só para mim, enquanto em Lisboa estava a partilhar quarto; a perspectiva de ganhar um salário, quando antes estava a estagiar numa sociedade de advogados e ainda não estava a receber nada; conhecer pessoas novas e vivenciar novas experiências, num trabalho apaixonante com alunos fantásticos. Todos estes aspectos contribuíram para que a experiência tenha sido muito gratificante. Evidentemente, tinha saudades, mas era tudo tão intenso e tão bom que estas saudades eram colmatadas com a experiência em si. Gostei mesmo muito.
Tinha um fascínio por África, apesar de não ter nenhuma ligação com o continente africano, tirando o facto de o meu pai ter ido para o Ultramar. Todavia, ele também não falava muito da guerra e nem sequer tinha estado na Guiné. Depois de lá viver, compreendo porque é que se gosta tanto daquela terra e porque é que ela fica entranhada, tornando-se difícil sair de lá.
A moda é uma paixão que a acompanha desde sempre?
Apesar de nunca ter pensado trabalhar em alguma área ligada ao mundo da moda, a realidade é que sempre gostei e tive o bichinho, creio que em parte por força da inspiração da minha mãe. Lembro-me, desde sempre, de a minha mãe ter revistas de moda em casa, nomeadamente as revistas da Burda; quando eram festas ou eventos especiais, fazíamos roupa por medida na costureira. Na adolescência, gostava muito de revistas como a Teenager e a Ragazza, e via muito o programa da Sofia Aparício que era o 86-60- 86. Ora, estas coisas ficaram entranhadas e era, de facto, uma área que gostava muito.
Além disso, não tinha poder de compra, pelo que não tinha muitas roupas novas, mas adorava mexer nas roupas antigas, modificá-las e usá-las, das encomendas da América e de roupa que era dos meus pais. Durante anos, usei umas calças à boca-de-sino, que eram de um fato que o meu pai tinha, até ficarem completamente gastas. Aproveitava o vintage, aliás actualmente ainda gosto de peças vintage.
Portanto, creio que esta paixão sempre esteve presente, embora nunca tenha pensado tirar um curso ou trabalhar nessa área. No meu entendimento, teria que tirar um curso na universidade, algo mais formal, daí ter ido para Direito, contudo as coisas foram-se encaminhando naturalmente.
Foi difícil pôr de parte o curso de Direito para trabalhar no mundo da moda?
Quando o contrato terminou na Guiné-Bissau, estava um pouco ainda sem saber o próximo passo a dar, mas comecei a pensar em tirar um curso de consultoria de imagem. Na altura, em Lisboa, começava-se a falar nas consultoras de imagem, nos primeiros cursos.
Na altura, no blogue, tinha umas rubricas em que respondia a pedidos, nomeadamente mensagens que as pessoas me enviavam, onde normalmente pediam dicas do que vestir em determinadas ocasiões. Então, comecei a pensar, porque não começar a formar-me na área e a fazer disto profissão.
Quando regressei a Portugal, ainda fui a algumas entrevistas para cargos jurídicos, porém estava sempre a pensar na possibilidade de me dedicar mais ao blogue.
Entretanto, quando estava ainda na Guiné no fim do contrato, tinha recebido um convite para lançar um livro que estivesse alojado ao blogue. Considerei que o que fazia mais sentido era escrever um livro sobre dicas de beleza, uma vez que dava muitas dicas de beleza caseiras.
Portanto, tinha o projecto do livro praticamente a sair, o blogue estava a crescer bastante, estava a receber convites de meios de comunicação de Portugal para ir à rádio, à televisão e pensei que se fosse para um escritório de advocacia não ia ter tempo para desenvolver o blogue, o que me estava a dar pena, pois era um projecto que me estava a dar muito gosto. Além de que percebi na Guiné que se pode fazer várias coisas ao mesmo tempo e ser feliz com pouco. Felizmente, vim da Guiné com alguma estabilidade financeira, pelo que permiti-me, naquele ano, perceber o que queria fazer, acabando por tirar o curso de consultoria de imagem.
Da minha parte, não foi difícil colocar Direito de lado, contudo para a minha família foi complicado, nos primeiros tempos, uma vez que para eles eu estava a estudar para ser advogada ou juíza e, repentinamente, começo a fazer algo completamente estranho. Quando voltei em 2008, falar-se numa pessoa que pudesse ter um blogue e ganhar dinheiro com isso era algo um bocadinho utópico. Na altura, não existiam blogueres profissionais e muito menos influenciadores. Felizmente, segui o caminho certo e os meus pais hoje em dia dão-me razão.
Como foram os seus primeiros passos neste novo mundo?
Tirei o curso de consultoria de imagem e de styling também. Como já tinha um leque de seguidoras e leitoras grande, dei as primeiras consultas de imagem ainda sem ter terminado o curso. As pessoas começaram a requisitar os serviços e as consultas foram aparecendo desta forma. Ao mesmo tempo, comecei a tentar desenvolver parcerias com o blogue, designadamente parcerias sustentáveis. Pensei que se conseguisse arranjar um esquema que me permitisse fazer alguma publicidade no blogue e ganhar algum dinheiro, seria perfeito. E foi assim que comecei a tentar trabalhar como bloguer profissional. Comecei a contactar com agências de comunicação e a ir a reuniões. As pessoas diziam que tinham que ver o blogue, para perceber como funcionava, pois a maioria não conhecia blogues, nem fazia ideia de como funcionava o número de visitas, o número de acessos, entre outros. Tenho consciência que fui pioneira com muitas marcas e agências de comunicação. Portanto, foi muito de desbravar caminho dessa forma.
O blogue foi ficando cada vez mais conhecido, assim como a minha intenção, em parte graças aos meios de comunicação social. Entretanto, a minha cara já aparecia no blogue, falava também de mim e da minha vida, o que não acontecia nos primeiros tempos. Apesar disso, tenho noção de que a minha postura no blogue foi sempre num tom quase jornalístico, isto é, o conteúdo era de dica de amiga, não tanto em nome pessoal. Ao longo dos tempos, as pessoas acompanharam a minha história, desde a Mónica que estava na Guiné, até à Mónica que veio para Lisboa, casou e teve filhas.
Que oportunidades é que o blogue já lhe proporcionou?
As viagens foram uma oportunidade fantástica que adveio do meu trabalho no blogue. O meu primeiro convite foi em 2009 para um evento internacional, uma apresentação da colecção da Sónia Rykiel em Paris, com a H&M. Fiquei numa excitação imensa, pois, além de ser a primeira viagem, foi a Paris. De facto, foi um evento maravilhoso e eu senti-me uma grande privilegiada. Para se perceber a diferença para os dias que correm, naquela altura, não se mostrava o hotel em que se ficava hospedado, nem se mostrava quase o passo a passo da viagem, aliás havia quase uma certa vergonha por mostrar. Esta viagem foi muito marcante por ter sido a primeira, mas fiz também outras muito marcantes, por várias capitais europeias inclusive.
Outra viagem que fiz e que está na lista das mais marcantes foi a Israel, com uma marca da Palestina denominada Gamila, de sabonetes naturais. Nesta viagem, tive a oportunidade de conhecer a Senhora Gamila, de passear pelos montes da Galileia, onde ela tem as oliveiras, tendo em conta que os seus produtos são todos à base de azeite. Éramos um grupo pequeno, de três mulheres, e fomos uns dias antes para conhecer Jerusalém. Foi uma viagem muito bonita e gratificante. Além disso, estive uma semana no Brasil, com o Boticário. Fui ao São Paulo Fashion Week e foi igualmente uma viagem muito interessante.
A parte das viagens acaba por ser muito interessante, gratificante e marcante. Creio que, actualmente, se viaja menos, embora na altura em que fiz estas viagens dissessem que antes se viajava ainda mais. Talvez fruto da crise as coisas se alterem um pouco.
Além das viagens, tive a oportunidade de ir várias vezes à televisão. Inclusive, tive uma rubrica num programa da Sic Mulher, o Mais Mulher, que era normalmente duas vezes por mês, o que foi muito bom em termos de exposição, porque o programa era bastante visto e repetido várias vezes.
Em que se inspira para criar os seus conteúdos?
A cada altura do ano vão surgindo coisas novas que são próprias da época. Por exemplo, estamos em Setembro, pelo que vamos falar das tendências da nova estação, dos looks de Outono, das mudanças ou das listas de pretensões que temos para esta altura do ano, de roupa mais quente, limpezas de guarda-roupa, entre outras.
Desde há uns anos, tenho tentado virar-me para a ideia de um consumo consciente, ter esta consciência de sustentabilidade. Creio que o meu chip se mudou um pouco quando mudei de casa há quatro anos. Percebi que estava a acumular muita roupa, pelo que acabei por libertar muita coisa que tinha e percebei que não precisava de viver com tanto. Na altura do blogue, como recebia muitas coisas de marcas, acabei por acumular muita roupa e acessórios, alguns dos quais nem sequer usava. Por exemplo, este Verão usei umas sandálias que tinha recebido há seis ou sete anos e que estavam guardadas no fundo de uma gaveta. Este ano passei as três semanas de férias nos Açores, praticamente, sempre com estas sandálias nos pés.
Desde que houve esse processo de mudança de casa, passei a comprar muito menos. As peças que compro por estação contam-se perfeitamente pelos dedos de uma mão.
As marcas continuam a oferecer-me peças, mas tento que me ofereçam apenas o que realmente quero e que tenho a certeza que vou usar. Percebi que não é necessário ter muita roupa para se vestir bem, e tenho passado essa mensagem às minhas seguidoras e clientes de consultoria de imagem.
Por isso, neste momento, estou muito focada no projecto do armário cápsula. As pessoas estão cada vez mais despertas e atentas para a possibilidade de termos pouca quantidade de roupa no armário, mas com essa quantidade fazer vários coordenados e estar bem, comprando menos e adoptando uma atitude mais sustentável. Outra coisa que também comecei a fazer há relativamente pouco tempo foi a apostar muito na compra de peças em segunda mão, para mim e para a minha família. Hoje em dia consegue-se encontrar roupas praticamente novas, em várias plataformas, a valores muito inferiores ao preço original.
Quando fiz essa mudança de casa, utilizei a micolet, que é uma plataforma espanhola, para vender roupa. Já vendi imensas peças lá e agora até tem roupa que era das minhas filhas que deixou de servir. As peças de criança deixam de servir com uma rapidez imensa, por isso considero desnecessário comprar roupa nova para criança, caríssima, para ser usada três a quatro vezes.
Sou muito adepta do sustentável e não tenho problema nenhum em reutilizar peças que já foram de outras pessoas. Considero que é preciso passar essa mensagem às pessoas, porque não é só a poupança que está em causa, é a sustentabilidade do nosso planeta.
Além do seu blogue, tem 60 mil seguidores no Instagram… Sente o peso da responsabilidade?
Tento não pensar muito nisso como peso de responsabilidade, porque não me quero sentir condicionada. Sei que a minha voz é ouvida, que tenho esse poder e que posso usá-lo da melhor maneira para veicular as mensagens que considero que fazem sentido.
Por exemplo, quando crio os looks, tento fazer aquilo que eu gosto e o que faz sentido para mim. As minhas seguidoras gostam e identificam-se com a maioria, contudo haverá algumas que não se identificam com todos, o que é perfeitamente normal. A internet acaba por ser um espaço bastante democrático e liberal, e se as pessoas não gostam podem seguir outras pessoas.
Quais as principais dificuldades que enfrenta uma bloguer e influencer?
A vida do profissional do online não é muito fácil nem calma. As pessoas pensam que é um trabalho que basta aparecer nos eventos e pouco mais. Estive três semanas de férias nos Açores, mas publiquei conteúdos praticamente todos os dias. Tive o cuidado de os preparar previamente, o que dá bastante trabalho. Com o Instagram nunca podemos estar completamente desligados o que, não sendo uma dificuldade, é obviamente um peso e uma responsabilidade, na medida em que se não publicarmos no Instagram, o algoritmo deixa de entregar o nosso conteúdo e deixamos de ter visitas.
Como acompanhou as várias fases na internet, nomeadamente a passagem dos blogues para o Instagram, o aparecimento de influenciadores, entre outros?
Foi uma mudança e tanto. Na minha altura dos blogues, de facto, não havia muito a ideia da bloguer enquanto celebridade, apesar de algumas pessoas me conhecerem na rua. Pelo menos, nunca senti isso, mesmo quando o meu blogue era dos mais lidos de Portugal.
Depois, deu-se uma mudança muito grande e dramática. A certa altura, passou a ser a influencer celebridade, portanto basciamente todas as actrizes passaram também a influenciar. Penso que existe lugar para toda a gente, todavia obviamente que a concorrência agora é muito maior, visto que já não é necessário escrever num blogue para publicitar. Para isso, basta ter uma cara conhecida e/ou muitos seguidores.
Neste momento, considero que o desafio é maior para quem, como eu, não é uma pessoa cuja cara seja plasmada todos os dias na TV, pois não sou actriz nem modelo. Tenho que provar mais, pois tenho que fazer com que as pessoas queiram seguir-me, não pela minha cara “laroca”, mas pelo trabalho que faço. Daí o meu Instagram estar tão virado para a consultoria de imagem, uma vez que considero que o que acaba por ter mais sentido é ter um Instagram “de nicho”. Hoje em dia, existem imensos influencers de Lifestyle, mas influencers que estejam focados em consultoria de imagem já há menos, daí conseguir-me distinguir nessa área.
À semelhança dos blogues, no Instagram também precisamos de ter um trabalho coeso e que seja útil. As pessoas querem estar no Instagram e querem seguir perfis com os quais se identifiquem, para que possam aprender algo e que se possam inspirar. No fundo, é isso que tento fazer e passar às minhas seguidoras.
Gostava de regressar aos Açores algum dia?
Eu nunca digo que não (risos). Neste momento, com as filhas mais pequenas, é um pouco mais complicado. Honestamente, não sei. Talvez daqui a uns anos, quando elas já forem mais crescidas.
Que projetos tem em carteira para o futuro?
Tenho vários projetos, mas estão todos na escala do sonho, por isso acho melhor não partilhar. Gostava de continuar a desenvolver o meu trabalho na consultoria de imagem e, a partir daí, vamos ver o que é que o futuro nos reserva.
Carlota Pimentel *