Correio dos Açores: Tendo crescido na Povoação, o que relembra com mais carinho da sua infância e juventude?
Carolina Vieira: São tantas as coisas que relembro com muito carinho, aliás, quando penso nisso chego a sentir-me a viajar no tempo. Os cheiros, as ruas, a segurança, a natureza, o mar... Acima de tudo, os laços e a amizade. Era diferente, eu acho. Outra forma de ser e de estar. Longe de ecrãs de telemóveis e muito pertinho dos corações uns dos outros. Sinto muitas saudades…
A sua família tem alguma ligação à música ou foi a Carolina que manifestou, desde cedo, o interesse em dominar instrumentos musicais e em participar nas galas Caravela D’Ouro?
Toda a minha família é talentosa e, posso dizer, muito musical. Então, é natural dizer-se que foi por incentivo dos meus pais que eu comecei esta aventura na música, nomeadamente na Caravela D’Ouro, até um pouco contra a minha vontade (risos). Contudo, bastou a primeira vez para me render completamente ao palco e acho que cedo percebi que é uma forma mágica de provocar sensações imediatas, diversas, poderosas e a simbiose emocional entre o artista e o público que daí advém é que vicia e abre as portas a um novo mundo, um novo caminho, muitas vezes difícil de trilhar.
Aos 10 anos de idade inicia estudos na Academia Musical da Povoação. De que forma as suas expectativas se concretizaram desde tenra idade na música?
Eu acho que a Academia Musical da Povoação foi “só” um milagre na vida dos jovens artistas do concelho. Até então, a forma mais comum (e pouca ou nenhuma opção havia) de ensino/formação musical, era nas escolas das bandas filarmónicas, direccionadas a um instrumento e, organizado com muitas limitações, naturalmente. Com a Academia abriu-se um novo mundo no ensino da música do concelho, fundamental para a formação de novos músicos, muitos deles profissionais hoje em dia. Portanto, naturalmente, a Academia Musical da Povoação teve um papel fundamental na minha opção de seguir este ramo profissionalmente.
Como relembra a experiência de ter a sua primeira banda de garagem com a oportunidade de cantar em vários palcos e a experiência de gravar temas com outros artistas açorianos?
Lembro-me da minha primeira banda de garagem ter sido um desafio enorme porque éramos todos muito jovens e inexperientes mas com uma vontade e genuinidade gigantescas. Não queríamos saber se tecnicamente éramos perfeitos ou o que é que músicos mais experientes poderiam pensar de nós, da nossa performance e execução... queríamos só ser felizes a fazer o que amávamos, juntos! E conseguimos, conseguimos mesmo!
A experiência de gravar temas com outros artistas açorianos sempre teve um gosto muito especial. Primeiro porque são pessoas/artistas que admiro muito e respeito, segundo porque partilhar talento é uma aprendizagem e isso é sempre excelente, e terceiro porque ter a oportunidade de gravar com pessoas muito talentosas e mais experientes é quase uma confirmação de que estamos a fazer o correcto perante o que assumimos que nos faz felizes, que é sermos músicos.
Em 2009 entra no Curso de Música da Escola Superior de Educação, em Bragança. O que a levou a optar por este curso e como foi esta experiência?
Para ser muito honesta, foi uma fase em que eu não sabia muito bem o que fazer, ou melhor, como fazer. Não sabia muito bem qual o caminho que iria escolher (conservatório, universidade...) mas sabia que era um caminho musical. Acontece que, quando se concorre a uma universidade, há prazos limites! E eu tinha de tomar uma decisão e acabei por optar ir para Bragança pois tinha um curso que me parecia ter tudo o que eu queria para começar a minha carreira como profissional na Música.
Sair dos Açores sempre foi algo que desejou fazer ou encarou esta saída como uma necessidade?
Sabia que, à partida, isso iria acontecer. Até porque para mim, conhecer novos sítios e novas pessoas, com experiências de vida diferentes, sempre foi muito importante para o meu crescimento pessoal e profissional. Contudo, confesso que quando saí dos Açores tive a confirmação de que foi uma decisão acertada pois prestei-me realmente a situações e horizontes diferentes e, se antes me sentia confortável na minha posição como artista, quando fui embora dos Açores saí totalmente dela. Isso fez-me evoluir muito pois há realmente muito talento em Portugal e, naturalmente, num meio maior, é mais fácil encontrar pessoas com muito talento. Aí se percebe que temos mesmo de trabalhar muito, manter os pés na terra e lutar, lutar, lutar…
E, em termos de oferta cultural, Bragança era aquilo que esperava?
Surpreendeu-me muito pela positiva. Artisticamente é uma cidade activa todo o ano e que apoia, bastante até, os artistas locais. Se é ou não mais activa que São Miguel, seria injusto da minha parte responder a isso afirmativamente ou negativamente tendo em conta que, a maior parte da minha vida adulta, já foi em Bragança. Naturalmente saía mais, era independente. Segundo a minha experiência, o que vivi em Bragança foi bastante mais activo do que em São Miguel.
O que a levou a tirar um curso na área da barbearia e não regressar aos Açores?
Simples. Não estava a conseguir viver só da música. Mudei-me para o Porto, onde sou muito feliz e, agora mais velha, senti que precisava de alguma estabilidade e a música não me estava a dar isso, tudo muito difícil, sempre lutei por fazer música de qualidade, com músicos de qualidade mas, por não ser conhecida estava a ser extremamente difícil entrar no mercado porque estar rodeada de pessoas que têm muito valor individualmente e num colectivo ainda mais, mas viver num país em que valorizar a cultura significa demasiadas vezes “toma lá 30€ e duas cervejas e ‘tá bem pago”, não, obrigada mas não.
Posto isto, e sendo uma pessoa que tem tudo menos medo de trabalhar, decidi encontrar algo que também me fizesse feliz e que me permitisse alguma estabilidade. Fui para a escola de barbearia e ainda bem que o fiz, pois gosto muito e já admirava muito antes de me tornar profissional da área.
A Barbearia Tinoco, onde hoje trabalha, parece um pouco “vintage”. O que distingue esta barbearia de outras?
É simplesmente a barbearia mais antiga e mais bonita do Porto. É de 1929 e mantém praticamente tudo original. Respira história, tem um ambiente fabuloso, ouvem-se fados diariamente, serve-se vinho do Porto e devolvemos a confiança proporcionando uma experiência da barbearia clássica a quem nos visita. A Tinoco é única, acreditem. Não fazemos nada com pressa, criamos laços e viajamos juntos. Gosto muito da Barbearia Tinoco!
Gostando sempre de novos desafios, em 2017 decide abraçar o início da sua carreira a solo. Como corre esta estreia e que trabalhos lançou desde aí?
Foi uma experiência muito, muito intensa em todos os sentidos. Quando nos lançamos a solo percebemos muitas coisas. As nossas capacidades e os nossos limites. Os nossos sonhos e as nossas ilusões. Quem interessa e quem não interessa. Afinal, somos nós e aquilo em que nós acreditamos. Tive momentos muito felizes mas também momentos menos bons. Foi, acima de tudo, uma autêntica lição de vida que me permitiu crescer muito mesmo. Ainda bem que o fiz, o que correu bem foi maravilhoso, o que correu mal foi aprendizagem. A partir daí não fiz muitas mais coisas porque o meu próximo passo está a ser muito bem planeado. A pandemia também não ajudou muito mas ainda este ano abracei uma nova identidade, Zuriel, e lancei um single, “Longe de Mim” que está disponível em todas as plataformas.
De que forma as suas músicas reflectem o facto de ter vivido nos Açores e de ser açoriana?
De todas as formas possíveis. Eu sou açoriana e tenho orgulho. As minhas músicas carregam a essência das ilhas, do mar e dos vulcões, tem sonoridades nossas, tem a saudade nossa, tem a nossa garra, tem as nossas lágrimas e a saudade e tem o nome da nossa história. E isso deixa-me muito feliz.
Como vê a actual fuga de jovens talentos (de várias áreas) que existe na Região? Pensa que esta pode beneficiar os Açores ou pensa que, pelo contrário, a poderá prejudicar?
Acho que é bom os artistas saírem dos Açores para abrirem os seus horizontes e aprender mais e aprender diferente. Isso poderia beneficiar os Açores se a Região depois desse motivos para os artistas voltarem, serem apoiados e divulgados, criando uma base artística sólida nos e dos Açores e só depois para o mundo. Aí, não só apoiava a cultura local mas criava autênticos embaixadores dos Açores onde quer que esses artistas fossem vistos. Só que acho que isso não acontece. Um exemplo? Lancei um disco a solo, promovi os Açores em todas as oportunidades e sendo tudo do meu bolso tentei promover o disco nos Açores nas rádios, etc., de forma potenciar a realização de espectáculos meus na Região. Agradeço à Antena1 Açores por terem sido e continuarem a ser os únicos a apoiar-me neste processo. Sabe quantos espectáculos consegui fazer nos Açores? Zero. Infelizmente.
Participou recentemente no programa Got Talent Portugal. Como classifica a sua participação e até que ponto esteve no programa?
Para mim foi uma experiência muito gratificante, tendo em conta que estava a passar uma fase de grande desmotivação na música. A minha actuação foi uma mistura de sentimentos e emoções que nunca vou conseguir explicar, comovi-me imenso e tinha imensas saudades do público. O público é a coisa mais importante de todas, as pessoas são muito importantes mesmo. Serei eternamente grata por todos aqueles momentos no programa. Passei no casting e depois passei na primeira audição com quatro “sim” mas, infelizmente, não fui seleccionada para as galas em directo.
Espera, um dia, poder viver e dedicar-se inteiramente da música? E esse futuro poderá passar pelos Açores?
Espero sim, um dia, poder viver e dedicar-me inteiramente à música. Aliás, sempre foi esse o meu objectivo e grande sonho. É o que me faz plenamente feliz. Ponho sempre a hipótese de voltar aos Açores porque o meu coração sempre estará ligado à minha terra. Se isso será possível ou não, não sei. O futuro o dirá!