Tendo em conta o desafio lançado a vários artistas – locais e estrangeiros –, no passado dia 11 de Setembro deu-se início ao terceiro momento do projecto Terra Incógnita, que tem como objectivo fazer pensar “musical e performaticamente” vários territórios na ilha de São Miguel ao longo de dois anos, através das experiências oferecidas, tais como caminhadas performativas, conversas e um ciclo de encontros entre músicos noruegueses e portugueses.
Assim sendo, embora a programação do evento se estenda até ao próximo Domingo, ao final da tarde de hoje, os inscritos através do site do projecto embarcam em mais uma caminhada performativa num dos trilhos da ilha de São Miguel, onde poderão apreciar o resultado final das muitas horas de trabalho partilhadas em residência artística entre Ricardo Reis e Helena Guerreiro, ambos artistas açorianos, e Eskild Sveås Okkenhaug, contrabaixista norueguês.
Por forma de “implementar novas formas de relação com o património natural, humano e histórico da ilha”, conforme sugere a organização do evento, este trilho – cuja localização permanece ainda surpresa – será activado com uma criação musical pensada especificamente para o local onde irá decorrer, criada no espaço de alguns dias por estes artistas.
Quer para Eskild Sveås Okkenhaug como para Helena Guerreiro ou Ricardo Reis, este é o primeiro contacto com o projecto Terra Incógnita, e qualquer um dos três, independentemente da duração da sua ligação ao arquipélago, acredita que este é um projecto com grande impacto e potencial artístico para a Região, transpondo “uma beleza e uma relação incrível com a ilha”, conforme adianta a artista e professora da Escola Superior Artística do Porto que trabalha “entre a música, o teatro e as artes visuais”.
Sem revelar muito do trabalho desenvolvido a três nos últimos dias, Helena Guerreiro adianta que a banda sonora desenvolvida por estes artistas se interliga com o “olhar para a ilha e para uma tentativa de comunicar com a ilha” através de elementos encontrados em “memórias da sua infância, da influência do mar e da condição de ilhéu”, sendo por isso o mar parte da narrativa deste momento artístico, estando “presenta na música de uma forma mais metafórica”, uma vez que não será possível “falar sobre a ilha sem falar sobre o mar”.
Ricardo Reis completa esta ideia, explicando que muito do trabalho desenvolvido resultou “em texturas que se podem fazer passar pelos elementos que estão bastante presentes na ilha”, e que, tendo em conta a força da ilha, o trabalho desenvolvido em conjunto acabou por ser “uma interpretação do percurso que irá ser feito” de forma a “complementar o que lá está”.
Ainda a estabelecer a sua própria ligação com a ilha está, por outro lado, Eskild Sveås Okkenhaug que, admite, antes desta experiência nem sabia que os Açores existiam: “Tenho que admitir que antes de saber que vinha cá não fazia ideia de que os Açores existiam. Li que São Miguel era uma ilha de Portugal, e pensei que, talvez, seria questão de fazer uma viagem de barco durante uma hora ou algo do género, mas depois percebi que isso não seria possível”, diz entre risos.
Na Noruega, onde vive, é músico freelancer e a sua vinda para os Açores deu-se através da associação NOPA (traduzido para o inglês como Norwegian Society of Composers and Lyricists), que convida e estimula este contacto entre artistas noruegueses e portugueses através de candidaturas para eventos como este. “Um amigo pensou em mim e disse que me deveria candidatar e candidatei-me! E aqui estou, é a parte incrível”, diz ainda.
No que diz respeito à sua primeira impressão da ilha de São Miguel, o artista norueguês revela que a primeira coisa que pensou ao olhar pela janela do avião aquando da aproximação à ilha foi que esta se encontra “mesmo no meio do nada”. Depois de aterrar, destaca sobretudo o clima, por ser “muito quente quando em comparação com a Noruega e muito húmido”. Por outro lado, aprecia a possibilidade de ver o mar sempre que deseja, o que se tornou “numa experiência muito profunda só por si”, acrescendo pela positiva a simpatia dos açorianos com que se tem cruzado e com quem tem trabalhado.
Sendo o contrabaixo o seu instrumento predilecto, e no que diz respeito a todo este processo criativo, o artista norueguês realça que esta veio a ser “uma oportunidade para usar o instrumento de uma forma diferente e de trabalhar de formas diferentes e com diferentes abordagens”, procurando também transpor para a narrativa do momento criado o facto de esta ser a sua primeira experiência na ilha.
Helena Guerreiro é a responsável pela voz e pelos textos utilizados, e Ricardo Reis pela bateria e pelos sintetizadores que o fascinam e que ajudaram a compor este momento. De acordo com Helena Guerreiro, o curto período de tempo que os artistas em questão têm em residência artística é um desafio à capacidade de criação: “Somos três músicos que normalmente não tocam juntos, que não se conhecem, e há toda esta dinâmica das linguagens individuais que depois têm que se traduzir num objecto comum, isso é sempre um desafio e num curto espaço de tempo mais ainda”.
Em acréscimo, conforme explica: “O tempo que temos para pensar e para tomar novas decisões é muito curto, temos que ser muito assertivos ao mesmo tempo, além de termos que conjugar todas estas dinâmicas, ideias diferentes e todas as abordagens que cada um tem à música, mas também é isso que torna o projecto interessante e desafiante, a relação entre o tempo, a criação, a individualidade e as idiossincrasias de cada um”.
O suspense relativo a este momento do projecto Terra Incógnita terminará hoje, pelas 17h00, hora em que se prevê a partida de um autocarro a partir do centro de Ponta Delgada para o local surpresa do evento, acreditando Ricardo Reis que é também o factor surpresa que “torna isto mais interessante, já que as pessoas vão numa viagem que não sabem onde vai terminar”.
Em acréscimo, o baterista refere que os Açores têm “o potencial para serem um offshore criativo”, no qual as pessoas podem aproveitar a ilha para criar devido aos vários espaços e atmosferas que conseguem dar espaço para a criação, sendo por isso importante que eventos como este ou como o Tremor, onde já participou várias vezes com diferentes projectos musicais, continuem a existir.