Correio dos Açores: Agora que estamos em Setembro, que balanço faz dos últimos meses no que diz respeito à actividade de Guias de Informação Turística?
Paulo Jorge Bettencourt (Presidente da Associação de Guias de Informação Turística dos Açores): Na nossa actividade o ano foi excelente em termos de serviço. Houve trabalho para todos e tivemos todo o tipo de turista e de vários países. Tivemos alemães, ingleses, norte-americanos, franceses e também o mercado nacional foi muito forte este ano. O ano foi excelente em termos de trabalho e deu para repor uma parte daqueles anos que estivemos em perda, nomeadamente durante a pandemia.
Estivemos muito tempo parados, embora tenhamos tido alguma ajuda por parte da Segurança Social e do Governo, mas já passámos a fase mais difícil. (…) Houve muita gente que deixou a actividade e não voltou. Deixaram-na porque, na altura, tiveram que encontrar alternativas pois os apoios que o Governo dava não eram suficientes e as pessoas tinham que pagar as suas contas e as suas dívidas aos bancos.
Ao longo deste Verão, de que forma notou que havia maior pressão nas zonas mais turísticas da ilha de São Miguel?
Aquilo que se nota é que a Região faz campanha para trazer turistas, e fez uma boa campanha e um bom trabalho, embora consideremos que se tenha que trabalhar mais a época baixa, apresentando os Açores como um destino de turismo cultural. Sabemos que o turista que visita os Açores tem uma apetência por natureza, mas para trazermos turistas até ao arquipélago temos também que trabalhar os Açores como um destino cultural, porque existimos há mais de 600 anos e temos uma História riquíssima e com grande património edificado.
Tivemos muitos turistas nesta época alta, e vimos que o Governo realmente faz um esforço para trazer turistas aos Açores, mas não foram criadas as condições ao nível da vigilância e da educação ambiental para a prevenção da destruição que alguns fazem. Inclusive, temos, por exemplo, o caso da Lagoa do Fogo, que é uma Reserva Natural, e onde não existe qualquer vigilância neste momento. Esta é uma zona que conta com centenas de plantas endémicas e nativas. Outra zona com esta diversidade de plantas endémicas e nativas é a zona do Pico da Vara, que também é uma zona de Reserva Natural, e embora a Lagoa do Fogo seja uma Reserva Natural Parcial, temos que proteger toda aquela zona bem como o acesso que é feito ao longo do miradouro.
(…) Quando estivemos numa campanha de sensibilização, notámos que numa zona bastou alguém ter colocado uma simples fita num dos lados do miradouro e as pessoas já não iam para lá e não havia pisoteio da vegetação naquela zona. Porém, como não colocaram nada do outro lado, as pessoas continuavam a subir para o Pico da Vela, uma zona que estava toda coberta de vegetação e que, neste momento, já não tem nenhuma vegetação porque as pessoas continuam a subir por aquela zona.
Em acréscimo, não havendo nenhuma vigilância, as pessoas estacionam o carro em todo o lado, o que denota desorganização. O que passamos para o exterior choca-me e envergonha-me porque, como guia, gosto de mostrar às pessoas que somos um destino organizado, com alguma vigilância.
Ao longo dos circuitos que estamos a fazer, procuramos passar toda a informação relativamente à educação ambiental e tentamos passar aos turistas que nos visitam a ideia de que temos uma grande preocupação com a natureza, mas depois chegamos aos sítios em que há estacionamento selvagem, em que as pessoas vão para tudo o que é sítio, pisoteiam toda a vegetação e as pessoas com quem estamos a fazer as visitas vêem que aquilo que estamos a dizer não é bem a verdade.
Recentemente, o Governo Regional optou pelo pagamento do estacionamento na Lagoa do Fogo. Essa medida ajudou a amenizar estes impactos?
Não. Há lá o estacionamento, existem as pessoas quem cobram o parque, mas, por outro lado, não há vigilância no miradouro por parte de ninguém. Parece que os vigilantes da natureza desapareceram. As pessoas não querem pagar (o estacionamento) porque não sabem que têm direito a 20 minutos gratuitos e optam por estacionar na estrada, porque pensam que a partir do momento em que estacionam no parque têm que pagar. Por isso, faz todo o sentido que, a par de ter alguém a fazer vigilância, ter alguém a informar estas pessoas, não no sentido de as multar porque estão a estacionar mal, mas de as informar de que podem utilizar o estacionamento adequado porque têm direito a 20 minutos gratuitos.
Na zona da Lagoa do Fogo há ainda os casos dos trilhos não sinalizados que as pessoas continuam a fazer…
Isso é evidente. Há vários trilhos que estão abertos neste momento que não estão sinalizados, são trilhos que as pessoas abriram ao longo do tempo. Basta ver o trilho que está logo à esquerda no miradouro, que era um trilho que não estava aberto e que até é perigoso. (…) Também há outros que ao longo dos anos têm sido abertos pelas pessoas porque não há um controlo efectivo da Reserva Natural. Mesmo o trilho que vai desde o miradouro até à Lagoa do Fogo é um trilho que não está sinalizado ou delimitado. Não havendo delimitação ou barreiras, algumas pessoas vão também pisotear a vegetação protegida, outras têm educação ambiental e não fazem isso.
A estar aberto o trilho do miradouro, acaba por haver uma grande pressão naquela zona, (…) mas deveria estar delimitado para as pessoas não pisotearem a vegetação protegida. E a par de estar delimitado, deveria ter também um limite de carga e um número máximo de pessoas por dia que pudessem ter acesso à Reserva Natural, e, de preferência, a Reserva Natural deveria ser acedida com a presença de um profissional de informação turística, porque o Governo gastou muito dinheiro a fazer formação para guias de parque natural.
De que forma o caso da Serra Devassa é também flagrante?
Foram criadas várias campanhas publicitárias sobre os Açores com o miradouro da Grota do Inferno. E ao serem criadas e divulgadas estas campanhas deste miradouro lindíssimo, isso criou uma grande pressão sobre aquela zona. O que acontece neste momento é que aquela é quase uma zona obrigatória de visita na ilha de São Miguel, mas não existe também qualquer disciplina no estacionamento no local. O pouco estacionamento que existe é mesmo na zona de início do trilho da Serra Devassa, mesmo à entrada da Lagoa do Canário, ou então, mais longe, há um parque de longa duração que fica mesmo em frente ao caminho de acesso às Sete Cidades.
(…) No caso das Caldeiras da Ribeira Grande, esta costuma ser também uma zona visitada por muita gente, embora aí haja um certo comodismo, porque a Câmara Municipal da Ribeira Grande fez um estacionamento grande na zona onde se fazem os cozidos. Criaram-se as condições, naquele sítio mas não há fiscalização efectiva. Não quer dizer que se coloque um polícia em todos os sítios, mas poderia, por exemplo, haver alguém que trabalhe para a Câmara Municipal a dizer às pessoas que não podem estacionar indevidamente.
Qual a reacção dos turistas quando se deparam com esta massificação?
A massificação dá-se em certas zonas, mas temos que demonstrar organização e vigilância. (…) É claro que se uma pessoa tem no programa uma visita à Lagoa do Canário e depois não consegue estacionar uma carrinha, um autocarro ou mesmo um carro, ou mesmo se estiver só de passagem – porque muitas vezes, em época alta, demoramos quase meia hora para atravessar aquela zona –, é algo que transparece alguma desorganização.
Quando vêm aos Açores, vêm com a ideia de que vão visitar um destino sustentável, um destino ordenado e organizado, e é esta ideia que nós, de coração, tentamos transmitir às pessoas que nos visitam. Mas, neste momento, estamos a criar campanhas de promoção dos Açores sem estarmos a criar condições ao nível da vigilância ou de estacionamento para as pessoas fazerem as suas visitas e usufruírem do espaço com alguma qualidade e com algum silêncio, porque estes são locais de contemplação.
Estas dificuldades acabaram também por afastar os açorianos destes sítios de contemplação?
Claro, isso acabou por afastar os locais e por revoltar os locais. O próprio local, não vendo organização nos sítios, quer visitá-los mas acaba por se afastar devido à falta de condições. Temos que pensar em dar qualidade aos turistas, porque um turista que nos visita é como um convidado que entra na nossa casa e, por isso, temos que criar todas as condições para que seja bem recebido. Por outro lado, também temos que criar todas as condições para aqueles que vivem aqui o ano todo.
Ao criarmos boas condições para quem nos visita, estamos a criar boas condições também para os locais. Não queremos afastar os locais nem revoltar os locais contra o turismo, que é uma actividade económica muito importante para os Açores.
Como podem ser contornados estes cenários de massificação?
Costumo fazer os circuitos de outra forma, já tenho alguma experiência e planeio as coisas de forma a não ir ao mesmo tempo que outros colegas a determinados sítios. (…) Poderia também haver uma limitação de pessoas ao longo do dia para determinadas horas e sítios, mas tudo isso teria que ser coordenado numa plataforma através do Governo Regional.
De momento, as estratégias passam pelos próprios operadores que trabalham na área, pois já estamos a implementar algumas estratégias. A questão é que as próprias agências de animação turística e os guias conseguem, de certa forma, dar um pouco a volta e arranjar estratégias para evitar certos sítios ao mesmo tempo, mas isso é porque vamos falando entre nós.
Por outro lado, há muitos carros de aluguer na ilha e a verdade é que não conseguimos controlar esses carros que chegam a determinados sítios, nem conseguimos que essas pessoas consultem determinadas plataformas, para saber se podem ou se não podem ir naquela hora. O que poderíamos fazer, seria começar exactamente pela nossa princesa, que é a Lagoa do Fogo, fazendo um parque de estacionamento na base e limitando o estacionamento às pessoas durante o dia, de forma a ter uma capacidade máxima durante o dia. Assim, os carros não subiriam ao miradouro, porque aquele parque de estacionamento não tem capacidade para todos que visitam aquela zona em época alta.
Há bons exemplos de controlo da pressão turística registar em São Miguel?
No caso da zona da Caldeira Velha, esta não é tão caótica porque se foi criando estacionamento. Já houve aí grandes problemas, mas a partir do momento em que criaram estacionamento não tenho visto problemas e, além disso, na zona da Caldeira Velha, acabaram por criar – através do site de venda – uma limitação ao número de pessoas por dia. Normalmente, os bilhetes são sempre vendidos com antecedência, mas é limitado a um determinado número de pessoas ao longo do dia.
Acho que podia ser criado algo do género – não estou a arranjar soluções, porque quem tem que arranjar soluções é o Governo Regional e os serviços municipais – mas, penso que seria um modelo a seguir no caso da Lagoa do Canário. Se houvesse um número de pessoas que pudessem a visitar, porque é também uma zona protegida por ter uma nascente de água potável, acho bem que a tenham fechado, mas ter uma porta fechada e ter pessoas a entrar pelo lado é complicado. Tem que haver uma limitação de pessoas, uma limitação de visitas e é necessário arranjar uma solução para o estacionamento. Poderia ser feito através de reservas pela internet, como no caso da Caldeira Velha, ou através da venda do bilhete na entrada, mas sendo limitado o acesso de um número de pessoas específico durante o dia. Como há ali muito pisoteio da vegetação, teria que haver ali muita vigilância também.
A partir do momento em que estas zonas começarem a ser pagas, penso que os serviços municipalizados não teriam a desculpa de não terem verbas para ter pessoas a vigiar o espaço.
No que diz respeito à Associação que preside, há algo a ser reivindicado neste momento?
Neste momento, acaba de ser criada uma portaria, algo que reivindicávamos há muito tempo, e que estabelece os cursos que podem ser homologados para entrar na actividade. Fazia sentido, uma vez que, nos Açores, a profissão de guia-intérprete é regulamentada, fazia sentido que houvesse cursos que dessem entrada nesta actividade. Desde 2020 já estão homologados, o que se torna numa mais-valia porque as pessoas já sabem o curso que podem tirar para entrar na actividade de guia-intérprete.
Quanto às revindicações que temos para com o Governo Regional, claro que ao longo do tempo temos que fazer parceria para que haja uma formação. Reivindicamos que o Governo tenha o cuidado de fazer formações com os guias de informação turística em geral, quer guias-intérpretes regionais, quer guias de parque natural ou de montanha.