Duas toneladas de rabilho há cinco dias na lota de Ponta Delgada

Fat Tuna acusa os serviços oficiais dos Açores por os pescadores e privados estarem a perder dinheiro na exportação do atum rabilho

 Correio dos Açores – Como tem evoluído a empresa Fat Tuna na exportação de atum rabilho?
Afonso Van Uden (Proprietário da Fat Tuna) - A Fat Tuna tem feito muito trabalho nos últimos sete anos, nomeadamente com a comunidade piscatória de Rabo de Peixe. E, com este trabalho, conseguimos valorizar imenso o valor do atum rabilho e, hoje em dia, estamos a pagar valores entre os 10 e os 13 euros o quilo do rabilho. Já não há nas lotas de São Miguel atum rabilho a ser vendido a 2, 3 e 4 euros.
Acima de tudo, estamos a conseguir comercializar o rabilho porque, até determinada altura, os pescadores achavam que não podiam legalmente capturar um rabilho e andavam a capturá-lo e a vendê-lo aos lombos por fora, de porta em porta, a valores muito baixo, um peixe que tem um valor comercial altíssimo no mercado internacional.
Tivemos aqui uma disputa com a Inspecção Regional das Pescas, a Direcção Regional das Pescas e a Lotaçor para a captura do primeiro rabilho e conseguirmos processar o peixe como deve ser. Tivemos de tratar de questões legais e burocráticas e demos formação aos pescadores. Saber qual é o trato certo do peixe para que ele atinja valores altos no mercado. Como é que se mata e sangra o peixe. Como é que se aplica a técnica japonesa para conseguir valorizar o peixe e pôr nos mercados do topo, a nível mundial. Posso dizer-lhe que este ano já enviamos vários atuns rabilho de topo de gama para o Dubai, um mercado premium a valores perfeitamente altos.
Mas há aqui um trabalho de fundo muito grande que nos tem saído da pele, inclusive, saídas para o mar. Com a autorização da Capitania do Porto de Ponta Delgada, acompanhamos o pescador para fazer a técnica de matar e sangrar o peixe no mar para que o pescador fique formado. E agora temos um problema grave: Temos uma associação (a APASA) que tem de dar um parecer, tem que assinar o AVCD e, a seguir, a Inspecção Regional das Pescas tem que assinar o ICCAT. E, só depois é que a lota pode vender o atum rabilho.
Neste momento, os pescadores têm de descarregar o pescado a horas específicas. Temos as lotas abertas e pode-se descarregar qualquer pescado, mas não se pode descarregar o rabilho porque a descarga necessita da presença de um representante da Direcção Regional das Pescas para receber este peixe que é altamente controlado . O ICCAT é, basicamente, um passaporte internacional que vai acompanhar o rabilho até estar completamente vendido e consumido.
Imaginemos: A embarcação ‘A’ capturou um atum rabilho para ser entregue na lota de Ponta Delgada. Este rabilho vai ser fotografado, medido, pesado e vai dar entrada no site. Só depois fica classificado de válido. A Fat Tuna compra este peixe e fica registado que a empresa o adquiriu no dia ‘X’. A Fat Tuna vende um lombo para um restaurante e vende três lombos para um distribuidor de peixe. O ICCAT tem de ser informado que a empresa vendeu estes três lombos para o revendedor ‘Y’ que pode vender para outro e fica o circuito sempre controlado.
Na verdade, o rabilho é uma espécie que até há pouco tempo estava em vias de extinção. E, por isso, é a espécie mais controlada do mundo e temos muito rabilho no mar dos Açores praticamente o ano inteiro. E são atuns gordíssimos que são vendidos no mercado por valores comerciais elevados e que, até agora, não estavam a ser aproveitados.
Neste momento, tem de estar a Fat Tuna a ligar para a APASA – Associações de Produtos de Atum e similares, para a avisar que tem o atum rabilho para validar. Tem, depois a Fat Tuna, que é uma empresa privada, de ligar para a Inspecção Regional das Pescas a avisar: “os senhores, por favor, que validem a vossa parte porque a APASA já fez a sua validação, para conseguirmos fazer a compra em lota. E, só depois, a lota tem que vender o peixe.
E o que se está a passar aqui é que temos um peixe com 400 quilos que vale, por exemplo, cinco mil euros, em cima de uma palete. Com todo este peso em cima de uma palete, o que vai acontecer aos dois lombos de baixo? Vão ficar completamente esmigalhados. Portanto, cada hora que passa, são euros de valor que aquele peixe está a perder.

Está a dizer que existe muita burocracia em redor da venda de um atum rablho que, logo que seja pescado, deve é ser vendido imediatamente para não perder valor?...
Sim e, acima de tudo, ninguém tem coragem de tomar decisões. Ninguém se quer chatear. E as pessoas que trabalham para o Governo não se mexem. E a responsabilidade é sempre do outro. Ninguém assume nada. Dentro da Lotaçor, que é uma empresa cheia de hierarquias, ninguém toma decisão nenhuma. Chutam sempre para canto.
Na APASA, também ninguém toma decisão nenhuma. Na Inspecção Regional das Pescas, ninguém toma decisão nenhuma e chutam a bola uns para os outros. Não há aqui uma preocupação por parte destas três entidades que não sabem bem para que é que servem. Estas três entidades servem para ajudar a indústria do pescado e não servem, rigorosamente, para mais nada. Servem para controlar os stocks, fiscalizar, para intermediar nas vendas e facilitar o comércio do peixe.
E a postura deles não é esta. A postura deles é de cumprir com o seu trabalho, seja ele lá qual for. Portanto, há aqui um desfasamento gigante entre uma necessidade da indústria do pescado e estas pessoas. Há um esforço financeiro grande, não só por parte dos pescadores e pela nossa empresa, entre outros compradores, em valorizar este peixe e, depois, temos aqui criadas grandes dificuldades pela própria ilha. Ora, isto não faz sentido nenhum.
No início, quando, como diz, revolucionou o mercado do atum rabilho, havia estas burocracias. Agora o que é que mudou?
Agora, houve um passo atrás. E, por alguma razão, começou a haver aqui atrasos por parte da APASA, no primeiro averbamento do AVCD, o que está a atrasar o processo todo. E o processo anda de mãos em mãos. Tem de passar pela Inspecção Regional das Pescas, depois a Lotaçor tem de recepcionar os documentos e este é um processo que está a levar muitas horas e até dias. Quando se perde aqui a venda em lota, depois, a venda passa para o dia seguinte e o peixe vai perdendo qualidade. Muitas vezes, no dia seguinte, as coisas não estão prontas e quando se disponibiliza o rabilho para a venda, nós que estamos a trabalhar a meio do dia, temos de parar o que estamos a fazer (que é uma vida super atarefada) para irmos à lota comprar o peixe. E, então, já não consegue apanhar o avião para chegar a tempo e horas ao continente e se fazer o transbordo, por exemplo, para o Dubai. E, portanto, rapidamente, passam-se três a quatro dias e perdemos o valor todo do pescado.
O pescador teve aqui imenso trabalho em trazer o atum rabilho para o cais; o comprador garante que paga um preço alto pelo peixe mas, depois, tudo fica engatado nos serviços públicos que, em princípio, deviam servir para ajudar a indústria e, pelo contrário, atrasam todo o processo e fazem-nos perder dinheiro.
O que está a acontecer, neste momento, é que o peixe é descarregado, imagine-se, numa Quarta-feira. Na Quinta-feira de madrugada não temos o peixe validado e o peixe vai ficar na lota até Sexta-feira para sair daqui três dias depois.

Foi isso que aconteceu esta semana que passou?
Sim, foi o que aconteceu. Temos perto de duas toneladas de atum rabilho parado na lota neste momento em cinco peixes que foram pescados desde Quarta-feira. É uma loucura de valores.

E o que vai acontecer agora?
Este peixe vai voltar a ser colocado na venda na Segunda-feira e o que vai acontecer é que ele vai perder muito dinheiro. Eu, Segunda-feira não vou comprar, aviso já. E quem pagar vai pagar, se calhar, um terço do valor que deveria ter sido pago há dois dias atrás (Quarta-feira) que era o verdadeiro valor do peixe. Mas, entretanto, o peixe perde valor porque é carga perecível e aquilo (os cinco rabilhos) só está a perder dinheiro.

Assim, este negócio é inviável…
De facto, assim como tudo se processa, este negócio não dá. E até parece que há pessoas que não querem que dê certo.
E existe uma outra questão. Neste momento, só temos quota para pesca acessória do atum rabilho. O que é que isto significa? Que é uma pesca acidental. As embarcações podem apanhar acidentalmente um atum rabilho por dia. E a lota não permite que se faça contrato entre o armador da embarcação e o comprador, o que tornava todo o processo mais célere. O que a lota diz é que a pesca é acessória e, sendo acidental, não se pode fazer contratos. Ou seja, não consigo fazer um contrato com a minha embarcação para que aplique uma técnica especial ao atum para que ele ganhe valor. Consigo com outras espécies mas, com o rabilho, neste momento, não consigo o contrato porque é uma pesca acessória.
Ora, a lota sabe que na pesca ao atum  galha-à-ré, no meio do cardume há atuns rabilho. Todos sabemos isso. E a probabilidade de capturar um rabilho, se calhar, é de 20 a 30%. Ora, que mal tem nós termos um contrato preparado para, na eventualidade de haver uma captura de rabilho, podermos receber este peixe em qualquer hora do dia e fazer o melhor trato do peixe. Chegamos ao peixe, cortamos a cauda, tiramos as tripas, colocamos o peixe em tanques gigantes com água do mar e muito gelo para que não fique apoiado em cima do seu próprio peso. E o que vamos ter aqui é um tronco em rabilho que vale fortunas de dinheiro em qualquer mercado. E, portanto, estamos a dar tiros nos pés. O peixe está cá no mar dos Açores próximo da nossa costa. Os pescadores já têm formação para o capturar. Já temos empresas como a Fat Tuna que fazem um bom trato do pescado e que conseguem mercados premium. Mas, depois, a própria Lotaçor, a própria Inspecção Regional das Pescas e a própria APASA, não nos permite dar continuidade a este processo com a rapidez que o mercado exige.

Está a desbravar terreno…
Sim, estamos a desbravar terreno com muito suor. E, neste momento, temos dívidas no banco que temos de pagar todos os meses, temos 25 colaboradores a quem temos de pagar os seus vencimentos todos os meses. Temos a responsabilidade de “alimentar” 25 famílias, e temos a responsabilidade de continuar a dar formação à maior classe piscatória dos Açores que é em Rabo de Peixe, onde estámos sedeados…
E temos esta situação de termos entidades públicas que deveriam existir para nos dar apoio e só existem para nos complicar a vida. Isto porque não há vontade própria das pessoas que mandam em fazer as coisas como deve ser e as pessoas nem sequer têm a noção do mal que estão a fazer à indústria. Não têm a noção do papel relevante que têm nesta indústria e no impacto negativo que está a ter a sua actual atitude.  
O que se passou foi que a Fat Tuna chegou a um limite e fartou-se de levar estas entidades todas ao colo, a pedir, por favor, para receberem os atuns rabilho ao fim-de-semana porque o pescador não pode entregar o rabilho no Sábado. Mas, porque é que não pode se a lota está aberta e estão lá os funcionários da lota? Está lá o gelo e estão lá as câmaras de frio pagas pelo dinheiro dos contribuintes, que somos nós todos. Porque é que o pescador não pode entregar o rabilho no Sábado? Não nos conseguem explicar e convencer.
Nestas circunstâncias, o que é que acontece? O pescador tem de guardar o atum rabilho dentro de um barco de madeira com 40 ou 50 anos e cobrir o peixe de gelo. Quer dizer, estamos a brincar à indústria do peixe, estamos a brincar aos pescadores. Não faz sentido. Portanto, há aqui um contrassenso gigante entre o que dizem os responsáveis máximos da governação açoriana que apelam para a valorização dos nossos produtos e do pescado em particular. E, depois, as entidades públicas fazem tudo, menos ajudar. Só complicam, estrangulam, sufocam, não facilitam. E, sinceramente, há momentos em que o que apetece é pegar na toalha e mandá-la ao chão. É desesperante!.

                                           

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Autor: João Paz

Categorias: Regional

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