Idosa relata “insegurança terrível” que sentiu na sua casa de sempre, em Ponta Delgada

“Maria”, nome fictício, tem 89 anos de idade e desde o dia do seu casamento, há 67 anos, que vive na Rua do Negrão, em Ponta Delgada. Embora refira que esta é uma rua relativamente calma, onde durante o dia raramente vê os seus vizinhos, atarefados nas suas rotinas, o seu pedido de ajuda chegou à redacção do Correio dos Açores, para que pudesse ser testemunha da insegurança que tem vindo a sentir nos últimos dois meses.
Várias têm sido as notícias e os relatos que dão conta da insistência de alguns indigentes e toxicodependentes, sobretudo daqueles que – embora não recorram na prática de nenhum crime – são já reconhecidos por mendigarem e por importunarem quem transita por Ponta Delgada, sejam eles locais ou turistas. Porém, no caso desta idosa, esta importunação bateu-lhe já – literalmente – à porta por duas ocasiões distintas, deixando-a em sobressalto.
A primeira vez, conta ao nosso jornal, sucedeu há cerca de dois meses, quando ouviu tocar a campainha e se deslocou, lentamente, até que a pudesse abrir. Recorda apenas que abriu a porta a uma mulher “baixinha e gordinha” que lhe pediu 70 cêntimos. Questionada sobre o propósito do dinheiro que pedia, foi informada de que seria para a “avó poder completar o dinheiro necessário para o transporte da camioneta”.
Assim sendo, adianta que deixou a porta principal entreaberta para que pudesse deslocar-se até à cozinha, onde guardava o seu porta-moedas, e, para seu espanto, deu com a mulher, que deveria ter ficado a aguardar na porta da rua, ao seu lado, na cozinha.
“Deixei a porta encostada por educação, sempre tive este hábito mas não vou voltar a fazer isso. Quando estava com o porta-moedas na mão dou por ela comigo na cozinha e fiquei tão nervosa que, em vez de escolher os 70 cêntimos, dei-lhe de vez um euro. Perguntei: “Que disparate é esse? Que confiança é essa?”, ao que ela me respondeu, naturalmente, que viu que tinham deixado o jornal na porta e que ainda não o tinha levantado, e ela, por qualquer motivo, levantou o jornal e foi levá-lo à cozinha”, conta a idosa.
Depois deste estranho encontro, “Maria” refere que a mulher simplesmente virou as costas e saiu da sua propriedade, sem sequer agradecer pelo dinheiro que lhe foi dado.
Na passada Sexta-feira, dia em que recorreu ao nosso jornal para partilhar estes acontecimentos, a idosa foi novamente abordada na sua própria casa, mas desta vez sentiu que corria mais perigo, pela forma como a situação se desenrolou.
“Tocaram-me à campainha de uma forma muito insistente: ora tocavam à campainha, ora batiam à porta, e eu pensei “que grande coisa está a acontecer aqui”, recorda. Quando finalmente conseguiu abrir a porta, tendo em conta a sua baixa mobilidade, deparou-se com uma mulher “mais alta e mais magra” do que a anterior, de cabelo pintado e frisado, bem trajada e de mala ao ombro.
“Pensava que era alguma coisa que estava a acontecer. Quando abri a porta ela subiu logo o patamar e pediu-me os mesmos 70 cêntimos, dizendo que era para a avó poder fazer já não sei bem o quê. Disse-lhe que não tinha dinheiro para dar a ninguém, mas perguntei se ela queria comida. Ela respondeu “qualquer coisa para as crianças”. Ia fechar a porta mas ela impediu-me de fazer isso. Pedi-lhe para descer do patamar para eu poder fechar a porta, e ela desceu mas ficou sentada, de maneira que a porta nunca ficou fechada, mas lá fiz força e fechei a porta”, relata “Maria”.
Naquele momento, mesmo tendo que forçar a porta, a idosa sentiu-se na obrigação de lhe dar alguma coisa, temendo poder sofrer de algum tipo de vingança ou represália: “Alguém me tinha dito que quando acontecessem coisas assim, que tínhamos que dar qualquer coisa, porque há pessoas que se vingam quando não damos nada. Tinha vindo à despensa tirar alguma coisa para lhe dar, e levei uma laranja e uma maçã, e quando fui à porta para lhe dar a laranja e a maçã ela já não estava e eu não a vi mais, mas foi o suficiente para ficar muito nervosa”.
Embora tenha procurado incansavelmente o número da Polícia de Segurança Pública (PSP), “Maria” só o viria a encontrar horas mais tarde, o que acabou por desmotivá-la da apresentar queixa ou de reportar ambas as situações às autoridades, embora hoje saiba que, a acontecer novamente, será uma situação a reportar.
Em relação ao sucedido, tendo em conta a repetição dos argumentos usados,  incluindo a quantia de dinheiro pedida, “Maria” acredita que está em causa ou uma estratégia para obtenção de dinheiro para adquirir algum tipo de produto estupefaciente, ou uma estratégia para que estas pessoas se consigam infiltrar nas casas das suas vítimas de modo subtraírem objectos de valor.
Embora sinta que se vive, em Ponta Delgada, “uma insegurança terrível” que “não sabe onde irá parar”, esta idosa preocupada reconhece que seria impossível “ter um polícia em todas as ruas”. Por isso, tem agora o cuidado de não abrir de imediato a porta quando recebe algum tipo de visita inesperada, optando sim por abrir o vidro da porta de modo a ver quem é, deixando entrar apenas aqueles que lhe são conhecidos. Em acréscimo, desde a passada Sexta-feira, passou a trancar a porta durante a noite, uma vez que assim se sente “mais segura”.
Apesar da insegurança que sente actualmente, “Maria” não quer sair da casa onde vive desde o dia do seu casamento. Tendo já sido chamada para preencher uma vaga numa Estrutura Residencial para Idosos, esta idosa pediu “mais uma oportunidade” para ficar durante mais algum tempo na sua casa, onde tem estabelecidas algumas das suas principais rotinas.

Ausência de queixas na PSP

A Polícia de Segurança Pública (PSP) adiantou ao nosso jornal que, até ao momento, não tem registo de denúncias relacionadas com esta problemática de importunação a idosos, tendo o comissário Nuno Costa alertado a comunidade e a sociedade em geral para “nesta situações, entrarem imediatamente em contacto com a PSP para que sejam transmitidos os elementos essenciais de informação necessários à sua intervenção”.
Lembrou ainda a existência do Apoio 65 – Idosos em segurança, e salientou – sem avançar números – que existem, “de facto, alguns idosos sinalizados porque se encontram sozinhos nas respectivas residências”.
Nestas situações, como aquelas vivenciadas por “Maria”, Nuno Costa aconselha os idosos a “não abrirem a porta a pessoas que não conhecem”, tendo em conta que, por norma, os idosos tendem a lidar com maior frequência com vizinhos, familiares e amigos, e apela também que, no caso de “suspeita” em relação a alguma situação mais delicada, que chamem algum conhecido ou, “em situações mais graves, chamem imediatamente a Polícia de Segurança Pública”.
No que diz respeito à identidade das pessoas que podem cometer este tipo de importunação, o Comissário ressalva que é “difícil” perceber se estes poderão ser indigentes ou toxicodependentes, uma vez que faltam “elementos essenciais de informação”, entre os quais as devidas queixas apresentadas à polícia.
Apela por isso a que, caso situações como esta aconteçam, que sejam comunicadas à PSP “para que esta tenha as ferramentas necessárias para combater esse fenómeno de uma forma mais efectiva, através de uma investigação, no sentido de identificarmos os autores deste tipo de comportamentos”, referindo que a polícia está “claramente disposta a enfrentar uma reposta consolidada e em rede com as demais entidades com responsabilidade sobre esta matéria”, no caso de envolverem toxicodependentes ou indigentes.

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