Professora universitária e investigadora açoriana coordena centro de impressão de próteses dedicado a “mudar vidas”

Correio dos Açores: Sendo natural da ilha Terceira, que memórias guarda com mais ternura?
Cláudia Quaresma: Aquilo que guardo com mais ternura é a espontaneidade dos açorianos, que eu acho que é diferente da que existe em Lisboa – talvez por ser um sítio mais acolhedor –, bem como a proximidade entre os amigos e a família. A proximidade com o mar é das coisas de que tenho mais saudades estando em Lisboa, também tenho saudades da família, mas como ela vem muito a Lisboa vou matando estas saudades. Quanto aos amigos também os vou vendo, por isso, sem dúvida que, em termos da ilha, da terra, tenho muitas saudades do mar.

Como resume o seu percurso escolar e académico?
Concluí o secundário na ilha Terceira, na Escola Secundária de Angra do Heroísmo, e depois fui para a Escola Superior de Saúde de Alcoitão onde fiz o bacharelato em Terapia Ocupacional. Voltei depois à Terceira, onde estive a trabalhar no hospital de Angra do Heroísmo durante três anos, e regressei a Lisboa para fazer a licenciatura em Reabilitação no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), fui trabalhar para o Hospital Curry Cabral, no Serviço de Medicina Física e Reabilitação, onde gostei muito de trabalhar e onde aprendi muito em cerca de 15 anos.

Considera que esta escolha pela área da reabilitação veio de uma vocação para ajudar o próximo?
Sim. Gosto muito de ajudar as outras pessoas, sobretudo as pessoas que têm handicaps. A minha tia-madrinha tem uma cegueira adquirida e isso sempre foi algo que me fez querer trabalhar com pessoas com deficiência e tratar pessoas com handicaps ou disfunções motoras.

Como surge a oportunidade de fazer o seu Doutoramento?
Trabalhava no Hospital Curry Cabral, mas tive sempre a perspectiva de fazer um Doutoramento. Não sabia bem em que área, mas gostava muito de associar aquilo que eu tinha aprendido durante a minha prática clínica. Paralelamente, tinha feito formação para dar aulas de preparação para o parto, e gostava de fazer um doutoramento que me permitisse associar a minha prática clínica e o meu trabalho com grávidas.
Quando estava à procura de um sítio para fazer o doutoramento, conheci uma professora da Universidade de Ciências e Tecnologia que me falou da Engenharia Biomédica, que era uma área muito, muito recente, e que me apresentou o coordenador do curso na altura. Nessa altura gostei muito da área, candidatei-me ao doutoramento em Engenharia Biomédica. Fui a primeira aluna de sempre desse doutoramento e fui também a primeira fora da área da Física a integrar o Departamento de Física da Universidade Nova de Lisboa.

De que tratou a sua tese de doutoramento e de que forma se mantém actual?
No meu doutoramento abordei o tema “Alterações Biomecânicas da Coluna Vertebral durante a Gravidez”, e desenvolvi um equipamento que faz a identificação da posição 3D das vértebras na posição de pé. Tem uma patente nacional internacional que se chama “Métrica Vertebral”.
Este equipamento foi desenvolvido por mim, em parceria com outras pessoas como os meus orientadores, foi validado em parceria com a Faculdade de Motricidade Humana, e depois foi aplicado a grávidas. Entretanto, desenvolvemos o equipamento de uma forma mais user friendly para a indústria, e para que a recolha possa ser feita de forma mais automática. Neste momento, ele está numa fase de transição para passar para a indústria, o que significa que toda a parte da investigação já foi feita
Este equipamento poderá ser aplicado a qualquer pessoa, incluindo crianças e idosos. Tem a vantagem de não ter radiação, e como não tem radiação não é nocivo para as pessoas, não é como as radiografias ou como os TAC, e para além de poder ser aplicado a qualquer pessoa, pode ser aplicado ao longo do tempo, para perceber a evolução da pessoa, por exemplo, num momento pré-cirurgia e num momento pós-cirurgia.

Para além deste projecto patenteado, há mais algum?
Participei também num projecto que tem uma patente para um instrumento que visa promover o exercício nos animais. Este projecto foi muito interessante, porque foi uma veterinária com algumas clínicas que veio ter connosco e que pediu este projecto. Juntámos aqui diversos departamentos da universidade, nomeadamente da electrotécnica, da mecânica e da engenharia biomédica, e com a médica veterinária desenvolvemos esta ideia de projecto.

Actualmente é coordenadora do 3D Printing Center for Health. Em que consiste este projecto e como foi iniciado?
O 3D Printing Center for Health tem dois grandes projectos na área da reabilitação através do desenvolvimento de próteses e do desenvolvimento de dispositivos de apoio para pessoas que têm handicaps motores. O centro foi criado no final do ano passado, mas a ideia surgiu de um grupo de fundadores que pertencem a dois centros de investigação, nomeadamente o LIBPhys-UNL e o UNIDEMI, com o FCT FabLab, o laboratório de impressão 3D. As nossas próteses são vocacionadas para crianças, nós usamos modelos gratuitos que são fornecidos por uma organização internacional, a e-NABLE, que adaptamos às crianças, imprimimos e oferecemos. Este centro foi criado para dar, de forma gratuita, próteses e dispositivos de apoio construídos de raiz, para ajudar pessoas de todas as idades a serem o mais independentes possível.
Os dispositivos de apoio vão desde, por exemplo, uma criança que nasceu sem uma mão mas que precisa de andar de bicicleta e não consegue porque não tem a mão para segurar o manípulo do volante, desde uma pessoa que teve uma lesão, ficou tetraplégica e não consegue escrever, e aí nós criamos um dispositivo para ela ser autónoma a escrever. Temos também um dispositivo feito a pensar numa criança que nasceu sem uma mão e que a ajuda a usar uma faca ou um garfo, e temos outro criado para uma criança que não tem uma mão para que possa usar a viola, e isto é sempre feito em parceria com clínicas e hospitais. (…) Desde Janeiro, fizemos 15 dispositivos de apoio diferentes, já fizemos três próteses e temos um pedido.

Considera que este é um dos projectos mais relavante no qual já colaborou?
Eu gosto de todos, este é o que eu sinto que tem maior impacto social mas não é aquele que é mais relevante em termos de investigação e de ciência. Nós sentimos que mudamos mesmo a vida das pessoas.

Em que outros projectos está envolvida actualmente?
Neste momento estou envolvida outro projecto que, em termos de ciência considero ainda mais relevante, que é o desenvolvimento de uma ferramenta para quantificar a dor com recurso à recolha de parâmetros fisiológicos. Ao quantificar a dor numa escala “de 1 a 10”, algumas pessoas dizem 10 ou 9, mas isso é muito subjectivo e existe aqui uma necessidade de quantificar a dor, até para perceber se a medicação, a intervenção e o tratamento será eficaz ou não. Não é substituir esta escala analógica ou escala de dor, mas sim para a complementar.
(…) Outro projecto que me tem dado muito gozo, é um no qual estamos a recolher dados de potenciais de acção e de actividade electrodérmica em crianças prematuras durante a apresentação de estímulos visuais, de forma a perceber qual é o comportamento das crianças prematuras e comparar com crianças de termo. Estamos a recolher dados em crianças prematuras e vamos fazê-lo durante o primeiro ano de vida. Estamos a recolher dados também em crianças de termo para compararmos se existem diferenças entre as duas amostras.

Isto mostra que, em Portugal, há muito trabalho desenvolvido na área da Engenharia Biomédica. Lamenta que nos Açores não haja, pelo menos por enquanto, essa possibilidade?
Lamento, claro que sim. Gostava muito de trabalhar com os Açores e de ter projectos em parceria com os Açores. Ainda não consegui porque a área da saúde não tem muita investigação no arquipélago, mas gostava imenso de trabalhar, por exemplo, em parceria com hospitais e espero, no futuro, conseguir. Já tentámos junto do hospital de Angra do Heroísmo ter alguma perspectiva de alguma investigação em conjunto, mas ainda não se concretizou. Tenho muitos alunos dos Açores que estão em Engenharia Biomédica, o que me deixa muito contente, e muitas vezes, no terceiro ano, eles optam por fazer o estágio nos hospitais dos Açores.

Recebeu vários prémios e distinções. Quais os mais importantes para si?
Posso destacar um prémio de investigação que foi dado pela Associação Portuguesa de Terapeutas Ocupacionais, no qual distinguiram pessoas de diferentes áreas e uma das áreas era a investigação e entregaram-me este prémio que para mim foi muito relevante. (…) Recebi outros prémios, um deles com o projecto VR4NeuroPain, que é um projecto que associa a realidade virtual com recolha de parâmetros fisiológicos para a reabilitação de pessoas com dor neuropática, sendo este um projecto que tem recebido vários prémios, desde logo o primeiro através da Santa Casa Challenge. Outro prémio que considero importante, por ser um reconhecimento de colegas na área da ciência, foi ter recebido o prémio de dois Best Papers por dois artigos de dois alunos de doutoramento numa conferência internacional.

O facto de os jovens deixarem os Açores para estudar ou trabalhar noutros locais ou noutros países beneficia ou prejudica a Região?
Por um lado, os açorianos têm um orgulho enorme em sê-lo e vão levar os Açores para o mundo, e acho que é uma coisa boa porque vão falar dos Açores. Por outro lado, isso prejudica os Açores porque estes jovens estiveram 18 anos nos Açores mas depois não regressam porque não têm a igualdade de oportunidades que têm noutros sítios, e eu acho que poderiam contribuir de uma forma muito significativa para o desenvolvimento dos Açores.

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