Director do Colégio do Castanheiro defende redução de horários para alunos e professores para melhorar qualidade do ensino nos Açores

Defendendo que a Educação tem “muitos caminhos e rumos”, João Miranda, professor de Matemática e co-fundador do Colégio do Castanheiro, em Ponta Delgada, proferiu ontem um discurso no qual falou sobre alguns dos “trilhos educacionais” que se têm tomado na Região, destacando alguns pontos onde considera fundamental a existência de reflexão e mudança.
Neste sentido, o também Director do Colégio do Castanheiro defende a importância da elaboração de um pacto de regime, no sentido de diminuir a carga excessiva que existe actualmente nas escolas açorianas e não só, influenciando directamente professores, alunos e a restante comunidade educativa.
“Falou-se num pacto de regime mas depois não se passou à prática. Temos uma carga horária excessiva na escola e é preciso pensar nisso, fala-se em diminuir a carga horária dos adultos mas não se fala da carga horária formal das crianças. Uma criança passa, em média, 36 horas semanais numa escola e um adulto trabalha 35 horas semanais, e isso não é produtivo. Depois, temos currículos completamente obsoletos e temos que mudar isso. Temos disciplinas que poderiam ser articuladas e ficarem numa só e essa diminuição traria qualidade de ensino e motivação aos alunos, que ficariam com as tardes para poderem participar em aprendizagens mais modernas e dinâmicas, como clubes, por exemplo”, explicou João Miranda na ocasião.
Ainda de acordo com o docente, ao existir esta diminuição da carga horária existiria automaticamente “uma maior disponibilidade” da parte dos professores no período da tarde, o que lhes permitiria também prepararem “actividades de ensino não formais e que são muito importantes, desenvolvendo projectos com a comunidade e parcerias” que permitiriam que os alunos saíssem das escolas para “colocar em prática os conhecimentos” que adquirem, salientando que existem já projectos no Colégio do Castanheiro que vão nesse sentido, como o ‘Castanheiro Solidário’.
Porém, uma vez que a nível regional as escolas não possuem total autonomia nestas questões – estando dependentes do currículo estabelecido quer a nível regional, quer a nível nacional – para que esta mudança seja possível, necessita do apoio do governo. Até lá, garante que, tal como até agora, os professores irão continuar a “fazer das tripas coração para poderem ter os alunos em aprendizagens fora da sala de aula”.
Em acréscimo, alerta também para o papel dos encarregados de educação no percurso escolar das crianças e jovens, referindo que embora existam associações e federações, o envolvimento nas escolas vai para além disso.
“É importante ter associações e federações, mas é importante também que haja articulação entre a família e a escola, e, principalmente, é importante que os pais também participem nas dinâmicas escolares, nomeadamente naquilo que é o projecto escolar de cada uma das escolas. (…) O envolvimento dos pais deixa muito a desejar. Pergunto quantos pais já foram à escola falar com as turmas dos filhos, falar da sua profissão, falar de uma história, levar uma actividade em concreto? Quantos pais foram mostrar como é que se brincava no seu tempo? Quantos pais é que, efectivamente, se envolvem nas viagens dos alunos e quantos é que se envolvem nos acampamentos e acantonamentos, na organização das dinâmicas? Sabemos que tudo isso acontece raramente”, lamenta João Miranda.
No que diz respeito à falta de professores nas escolas açorianas, como tem sido noticiado desde o início do ano lectivo, João Miranda refere que tal está relacionado com a (perda) da valorização do papel do professor.
“Quando o professor ficou com a carreira congelada muitos anos, e quando o papel social do professor também não é o melhor, os cursos via ensino ficaram com pouca procura, e, em consequência, resultaram em poucos licenciados. É uma preocupação, e embora já estejam a ser criadas medidas, muitas delas não nos agradam porque estamos a voltar àquilo que havia há 30 anos, pois estamos com professores sem formação pedagógica. E embora alguns tenham formação científica, outros têm pouca formação científica”, explica.
Já no caso dos assistentes, refere que a verdade é que “o panorama tem que melhorar”, e ressalta que tem também que existir formação, tanto para professores como para assistentes operacionais, “porque, hoje em dia, lidar com uma escola e com a complexidade que existe dentro de uma escola é saber lidar com a questão afectiva e emocional, mas também com a questão da aprendizagem não formal, e nós temos que ter uma equipa de não docentes que colabore com os professores nestas acções que são feitas nos intervalos e fora da escola, mas que são dinâmicas que são importantes para o crescimento da criança”.
Para isto, refere que deve haver “coragem política” e que, embora muitas políticas possam depender do governo central, a nível regional “é possível fazer melhor”. Outro flagelo, refere, é o facto de existirem muitos alunos com necessidades especiais em espera, especialmente muitos alunos autistas, para quem as respostas existentes “não são as melhores”, afirma.
“Apostou-se numa altura na qualificação de técnicos nessa área, mas no presente sabemos que há uma falta gritante desses técnicos, e isso vem mais uma vez bater na questão da inteligência emocional, dos afectos e das emoções. Se queremos uma educação inclusiva, então temos também que fazer uma aposta na qualificação de pessoas e das equipas multidisciplinares”, adianta ainda o Director do Colégio do Castanheiro.
Outro ponto importante para João Miranda, ao qual é necessária atenção no actual panorama da educação a nível regional, passa pela “transformação galopante” do papel para o digital, que embora apoie totalmente, necessita também de alguns cuidados.
“Não utilizo papel há três anos, é tudo digital, mas esta adaptação não foi fácil. Estamos a pôr o digital na mão dos meninos, mas temos os professores com uma panóplia de instrumentos para os quais não têm formação, e deveríamos ter começado por aí, pela formação. É verdade que são turmas-piloto, mas estas são um universo grande. Portanto, essa é uma preocupação que deveríamos ter: linhas orientadoras e formação para todos os professores sobre como vamos fazer esta transição”, adianta.
Mesmo sem que esta formação exista, destaca a importância que as novas tecnologias têm ao nível do ensino, uma vez que permitem cativar muitos alunos, principalmente aqueles que já olham para estes meios como “um mundo atractivo”. No entanto, os professores necessitam de saber aplicar as metodologias certas, e de “pensarem bem se, em termos pedagógicos é algo que resulta ou não ou se dá motivação aos alunos”.
Porém, para João Miranda uma das coisas mais urgentes a fazer será apostar fortemente na inteligência emocional, privilegiando a implementação de técnicas de relaxamento e controlo emocional, “importante depois de três anos de pandemia em que os alunos estiveram fora de convívios sociais, de brincadeiras e de jogos”.
Isto porque os professores notam hoje que os alunos necessitam de um maior acompanhamento “em termos de estabilidade emocional e não só”, considerando ainda que também o “próprio quadro de educação docente e não docente precisa de enquadramento em termos de inteligência emocional”, sendo esta área fundamental por permitir “gerir as nossas emoções mas também compreender as emoções dos outros”, deixando assim a recomendação ao Governo Regional dos Açores para apostar nesta matéria.
 

 

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