No passado dia 23 de Setembro, André Viveiros foi convidado para ser orador de uma pequena palestra sobre a história do Capelense Sport Clube, Clube da sua vila, e onde teve o privilégio de ser atleta e treinador. Uma cerimónia que contou com a presença do Presidente da Câmara de Ponta Delgada, do Director Regional da Juventude, da Presidente da Junta de Freguesia, do Director do Serviço do Desporto de São Miguel, e uma representação da Associação de Futebol de Ponta Delgada, estando naturalmente presentes os anfitriões do evento, a Direcção do Clube e representantes dos seus órgãos sociais, numa sala cheia de outros convidados, antigos dirigentes, treinadores, atletas, sócios e simpatizantes:
“Falar de futebol em termos de história ou mesmo de jornalismo, é correr o risco de se cair em imprecisões, considerando que as memórias e as paixões tendem a traduzir sempre uma verdade questionável, considerando as entorses que filiações clubísticas sempre trazem ou mesmo a nossa capacidade emocional em selecionar factos em detrimento de outros. Assim sendo, deixo este artigo sujeito a todas as críticas que visem a sua precisão e o seu melhoramento.
Aceitando este postulado, comecei por comunicar aos presentes que o futebol nasceu na Inglaterra, e que na segunda metade do século XIX já tinha grande projeção desportiva e social em cidades como Londres, Manchester e Liverpool, e que chegou a Portugal já no fim daquele século por força de contatos entre ingleses e portugueses, primeiro, em Lisboa, em encontros entre estudantes das duas nacionalidades, e depois, na cidade do Porto, entre locais e ingleses vinhateiros do Douro.
Depois de querelas sobre a veracidade das fontes historiográficas, ficou assente que dos atuais clubes com prática constante, o mais antigo é o Futebol Clube do Porto, fundado em 1893, na baixa comercial das adegas da Casa do Douro, com adoção da camisola listrada de azul e branco, conforme bandeira nacional monárquica da altura, e para agrado do rei D. Carlos; depois, o Boavista Futebol Clube, fundado em 1903, na parte alta da cidade do Porto, zona das quintas e solares dos vinhateiros ingleses, trajando o seu equipamento axadrezado, conforme gosto de dirigente que em desfile em França, achou a combinação da quadricula do branco e preta, padrão iconográfico bonito e criativo para a sua equipa. Depois, e com fundação em Lisboa, em 1904, o Sport Lisboa e Benfica, como resultado da fusão de duas equipas mais antigas, de nomes Sport Lisboa e Clube Benfica, sendo a cor adotado para o equipamento o vermelho, símbolo da união dos dois clubes e paixão pela modalidade (O Estado Novo mais tarde vai recomendar que o vermelho seja substituído pelo encarnado, uma vez que a primeira cor estava associada à cor de sangue, e convinha que o povo não associasse o vermelho ao sangue que se perdia na guerra colonial em África, onde o clube tinha muitos adeptos). Depois, o Sporting, fundado em 1906, sob patrocínio do Visconde José de Alvalade, que para o clube aponta o verde em transverso nas camisolas, símbolo da esperança; depois, e como quinto clube mais antigo do país temos o Fayal Sport da cidade da Horta, que resulta do contato dos faialenses com a empresa inglesa que na ilha do Faial esteve a realizar trabalhos de ligação do cabo submarino de telecomunicações entre a América e a Europa. Depois, temos o Marítimo da Madeira, fundado em 1910, também ele resultante de contatos entre madeirenses e britânicos por força das trocas comercias, nomeadamente do vinho. O clube vai envergar camisola verde-rubro, as cores da bandeira da República, num Portugal ainda monárquico.
Nesta introdução ao tema da palestra, ainda dei nota que a equipa de estudantes da Associação Académica de Coimbra teve fundação oficial em 1914, apesar daquela Associação ter sido criada ainda no século XIX. O preto dos equipamentos provinha da cor das capas que os estudantes universitários envergavam.
Também dei nota que clubes como o Leixões ou o Barreirense, envergavam camisolas listradas de branco e vermelho suave, porque eram clubes de origem operária, mas tendo como patrocinadores os patrões das fábricas, que visavam a promoção das empresas e o agrado dos seus trabalhadores. Enquanto os clubes listrados de negro-rubro, tinham também a sua origem nas fábricas, mas promovidos não pelos patrões, mas sim por sindicatos e anarquistas, como o caso dos clubes de Penafiel ou Olhão.
Igualmente referi que o Belenenses, clube emblemático português, fundado em 1918, tinha equipamento azul do mar porque era o Clube dos navegadores e marítimos, e que a Cruz de Cristo seu emblema, era um símbolo de conquista, presente nas velas das naus da nossa expansão ultramarina; Cruz que hoje se vê em muitos clubes oriundos de localidades com nome de Santa Cruz.
Também dei note que os clubes oriundos de áreas mineiras ou zonas portuárias, fundamentavam os listrados de preto e branco, clubes designados de atléticos, na pureza dos seus trabalhadores realizando trabalhos sujos de ferrugem. Sendo que o amarelo era a cor adotado pelas equipas de zonas de praia e sol, como o Estoril.
Feita esta Introdução, falei da chegada do futebol à Ilha de São Miguel, primeiro, em 1911, com o surgimento do Clube União Micaelense, que no encalço de outros a nível nacional surge na sequência de relações de estudantes micaelenses com estudantes ingleses, e de contatos de viajantes de lazer e negócios com a Inglaterra, como foi o caso de Aires Jácome Correia, marquês que vai ceder à cidade o campo de futebol, “Marquês Jácome Correia”, campo que toma o nome do benemerente com as obras realizadas em 1946, retirando assim lastro desportivo, ao velho campo de futebol edificado no estaleiro da Mata da Doca, na zona poente da cidade.
Com a modalidade a ganhar poucos avanços entre nós antes da Primeira Guerra, e com as limitações securitárias e de mobilidade impostas por esta, o futebol vai renascer em força na cidade de Ponta Delgada a partir de 1921, ano em se realiza o Primeiro Campeonato Nacional de Futebol, sendo que no ano seguinte, 1922, irão emergir na cidade alguns clubes de futebol: primeiro dois clubes de rua, que depois se fundem, na localidade de Santa Clara, certamente por força de contatos com os ingleses, militares e mareantes que aportam à doca Ponta Delgada. No mesmo ano, jovens e comerciantes das ruas de Lisboa e Canada agremiam o União Sportiva, enquanto jovens e empresários da indústria, dão vida ao Micaelense Futebol Clube. Estes quatro clubes citadinos foram os que estiveram na origem da Associação de Futebol de Ponta Delgada que, logo no ano de 1922/23, organiza o primeiro campeonato de futebol da ilha de São Miguel.
O Capelense Sport Clube, Clube agora centenário e em festa, teve o seu processo de germinação também no ano de 1922, quando um grupo de estudantes seminaristas de férias escolares de verão nas Capelas, vindos do seminários da Madeira e Continente, resolvem dar continuidade ao já esboçado nas férias do ano anterior, criando um Grupo de Instrução e Recreio das Capelas, destinado a promover atividades culturais, nomeadamente teatro, e um grupo desportivo para a prática da nova modalidade em crescente no país: o futebol. Projeto que, julgamos nós, foi de imediato abraçado pelo dinâmico e polémico vigário local, padre Manuel António Botelho, detentor da quinta e solar de Sant’Ana, que disponibiliza um antigo pombal para as atividades teatrais, e um logradouro na propriedade, como primeiro recinto para a rapaziada dar os primeiros pontapés na bola.
Durante a década de vinte, e tal como em outras localidades da ilha, os torneios entre equipas de rua, vão tendo lugar, pois as dificuldades de transporte e os afazeres de subsistência pesavam na disponibilidade. Já nos anos trinta, temos notícia de um primeiro registo do Capelense Sport Clube, e a jogar nas Capelas com equipas que se davam pelo nome de Sant’Ana, Marítimo do Cruzeiro, Anjo da Guarda do Maranhão, ou simplesmente com designações de Rossio, República, Jardim ou Lusitânia.
Tal como aconteceu um pouco por todo o país e Europa, o período da Segunda Guerra Mundial de 1939-45, interrompeu ou reduziu substancialmente a prática do futebol, finda a qual, o futebol vai despertar em grande força por toda a parte, concentrando-se os praticantes das Capelas em apenas três equipas, agora mais estruturadas e contando com algum apoio do comércio local: O Capelense Sport Clube, com apoio dos retalhistas de mercearia da zona do Rossio; o Pica Ferrugem com apoio do comércio de ferragens e construção da zona da Vila Rosa, e o Marítimo do Cruzeiro, situado na zona mais rica da freguesia, numa área residencial mais densa de juventude, e com apoios mais alargados, pois ali pontificava um comércio pujante e diversificado, duas empresas baleeiras, porto de pesca dinâmico e rentável cultura do trigo; atividades que eram enquadrados por serviços públicos como regedoria, zeladoria da Câmara de Ponta Delgada e Guarda Fiscal, com uma população mais desperta pelas notícias da guerra que acabara de terminar e pelos contatos com as guarnições dos chamados “soldados de Lisboa” que ali vigiavam a baía.
A verdade é que depois de um período de grande competição local, e já com a participação do clube em jogos e torneios em outras freguesias e na cidade de Ponta Delgada, o futebol começa a esmorecer nas Capelas, aliás, tal como em muitas outras localidades da ilha, onde os relatos de futebol chegavam pela rádio, mas onde os maiores entusiasmos iam para o Benfica, como clube mais popular fora do território continental, em que a figura de Eusébio era incontornável. Quebra de ânimos que a emigração para os Estados Unidos, Bermuda, Brasil e Canadá em nada ajudava, e numa altura em que a guerra alastravam nos territórios do Ultramar português, em que a escassez de notícias trazia apreensão nas famílias; famílias que procuravam por todos os meios a emigração, fugindo à pobreza, mas também evitando que os filhos fizessem os dezoito anos de idade, para não jogarem a regra das sortes militares, que as obrigavam a ficar na ilha, para depois cumprirem um serviço obrigatório que os podia levar aos teatros de guerra em Africa.
No entanto, é com este cenário em fundo que o futebol regressa em força às Capelas e a muitas outras localidades pelo país fora, mas agora graças à participação de Portugal no Campeonato do Mundo de 1966, realizado em Inglaterra, onde o percurso é heroico, e a derrota de Portugal com a equipa anfitrião trazem as imagens de televisão, dos golos e de Eusébio a chorar sensibilizando um país inteiro.
Mal termina o campeonato da Europa, em julho daquele ano, o Presidente do Conselho, Professor Oliveira Salazar, não exita em colar-se a tal façanha, e vendo o crescente da guerra colonial, as torrentes de gente a sair do país, decide potenciar os objetivos da FNAT (Fundação Nacional para a Alegria do Trabalho) criada 1935, para dar enquadramento e controlar as atividades culturais e desportivos dos trabalhadores; Fundação que em São Miguel vai chamar a si a organização dos torneios das equipas das freguesias rurais. Note-se que as principais equipas da cidade de Ponta Delgada e das vilas da ilha já se tinham vindo a federar na Associação de Futebol de Ponta Delgada, onde às 4 equipas citadinas tradicionais, o Clube União Micaelense, com filiação na Académica de Coimbra, o Santa Clara, com filiação no Benfica, o União Sportiva, com filiação no Sporting, o Micaelense sem filiação nos grandes clubes portugueses, já se tinha juntado o Marítimo da Calheta com filiação no Futebol Clube do Porto, o Operário da vila da Lagoa com filiação nos clubes operários das zonas industriais do país , os “pretos” do Desportivo de Vila Franca com filiação na Académica de Coimbra, os azuis da cruz de Cristo do Mira Mar da Povoação com filiação nos Belenenses, as águias do Benfica da vila da Ribeira Grande no Benfica de Lisboa e os leões do Ideal, também daquela vila nortenha, no Sporting.
Enquanto os clubes que disputavam as provas com o Capelense na FNAT, praticamente não tinham filiação, e eram mais conhecidos pelos nomes das freguesias que representavam, assim, tínhamos: os Arrifes, a Fajã de Cima, a Fajã de Baixo, a Relva, as Feteiras, o São Roque/Livramento, o Água de Pau, os Pescadores do Vasco da Gama de Vila Franca, o Atlético do São Pedro da R. Grande, e o sempre poderoso Rabo de Peixe.
A verdade é que a fabulosa equipa que o Capelense constituiu a partir de 1966, numa processo de fundição com Marítimo do Cruzeiro, e passando doravante a chamar-se Centro Recreio Popular de Capelas, vai ganhar tudo o que há para ganhar em termos de futebol organizado pela FNAT a nível de ilha e dos Açores, até que, em 1971, e já adotando o nome de Casa do Povo, instituição acabada de ser fundada nas Capelas, para apoio à cultura, deporto e ação social, perde algum esplendor, porque já muito sacrificada pelos efeitos da emigração e pela saída de jogadores atraídos pelos clubes citadinos, contudo, volta em 1974/75 a ser campeão de São Miguel, agora da INATEL, instituição que substituíra a FNAT, com a mudança do regime político em Portugal.
Com a democratização do desporto, e com alívio de quotas de inscrição, e com o fim da absurda regra que os jogadores inscritos na Associação de Futebol tinham de ter habilitações académicas mínimas, o Capelense Sport Clube inscreve-se em 1975/76 naquele organismo, tal como outras equipas que disputavam a INATEL.
Inscrição que vai implicar aumento de praticantes, pois será federada a primeira equipa de juniores do clube, chegando o Capelense na época seguinte de 1976/77 a ser campeão do campeonato da Segunda Divisão de São Miguel, título que lhe valeu a subida para o campeonato da Primeira Divisão, onde permaneceu apenas uma época, descendo de imediato no ano seguinte ao escalão secundário, voltando depois a repetir a façanha ao ser campeão na época de 1983/84, para depois de repetir a descida de escalão, e voltar a ser campeão daquele escalão secundário na época desportiva de 1991/92. Depois de mais uma efémera presença no escalão primodivisionário, o Capelense volta a descer de divisão, passando as épocas seguintes a ter uma estrutura mais débil, mas sempre com grande preocupação na formação de jovens atletas.
Chegado à época desportiva de 2003/2004 o Clube volta a inscrever o seu nome nos feitos maiores da modalidade, sagrando-se campeão de São Miguel, e ascendendo à Série Açores do campeonato da terceira divisão de futebol a nível nacional. Titulação que ocorre numa altura em que a ilha já tem outras equipas a disputar aquele campeonato, e quando a prova já associa todos os clubes numa única divisão.
O Capelense disputa a Série Açores na época de 2004/2005, mas sem experiência e estrutura cai de imediato no campeonato de ilha, todavia volta novamente à Serie Açores na época de 2006/2007, juntando à faixa de campeão, a taça de São Miguel.
O Clube vai permanecer nas provas nacionais até à época de 2013/2014, graças a um esforço notável de todos os seus corpos diretivos, atletas, treinadores e associados, mas todos incapazes de manter o clube naquele nível competitivo e de superar algumas vicissitudes que o futebol naquela altura ia adquirindo entre nós. Exaurido de recursos o Clube cai numa situação difícil.
O Capelense de hoje vive o encargo de superar uma dívida acumulada, com a atual direção e associados a fazer de tudo para ultrapassar as dificuldades, enquanto os seus diretores vão vivendo a alegria de ver treinar e jogar, os mais pequenos, no almejo de um dia voltarem a terem uma equipa sénior, colocando o Clube na maior competição de ilha. O tempo corre a favor desta direção e do clube!
Como notas finais deixo a informação que o primeiro campo de futebol das Capelas foi numa parcela de terra da Quinta de Sant’Ana, bem junto ao mar, e com serventia pela rua de Sant’Ana, para depois da morte do padre Manuel António Botelho em 1926, os seus herdeiros o mudaram para outras parcelas da propriedade, integrando no recinto o antigo cemitério da freguesia, sendo o acesso feito pela rua Padre Camilo Martins.
Considerando as reduzidas dimensões daquele recinto desportivo e mesmo perante a recusa de algumas equipas ali jogarem, a 25 de outubro de 1987, o Capelense passa a jogar no seu novo campo de futebol, construindo na rua do Sertão/Navio, também ele de terra batida, mas agora propriedade da Junta de Freguesia. Perante as exigências que se colocaram à participação do Clube no escalão nacional, e depois de significativos melhoramentos, ao nível de desenho e bancadas, o campo é requalificado com a instalação de arrelvamento sintético, com inauguração a 13/05/2012. Equipamento desportivo que hoje demanda permanentes cuidados.
A terminar a palestra dei nota do caminho percorrido pelo Clube para ter uma sede associativa, desde o Centro de Recreio Popular das Capelas, no segundo piso de um pequeno solar no centro da freguesia, a um antigo edifício junto ao Jardim, onde esteve instalada a Casa do Povo, um antigo talho na rua do Loural, e depois de ter voltado ao antigo solar, mas agora no rés-chão, o Clube finalmente teve a sua sede num rés-chão do antigo posto da Guarda Fiscal, que depois de melhorias levadas a efeito pela Junta de Freguesia em 1997, e anos seguintes, se apresenta hoje, emblemática e digna para todos aqueles que gostam do Capelense Sport Clube, residentes ou na diáspora.”
André Viveiros