Hoje em dia já não existirão muitas dúvidas relativamente à evidência de que o nosso clima está em mudança. Vários estudos a nível internacional vêm alertando para essa realidade e, mais recentemente, um grupo de técnicos do IPMA e investigadores da Universidade dos Açores, debruçaram-se sobre essa temática, publicando um artigo que se encontra inserido no ‘Handbook of Human and Planetary Health’, editado pela Springer.
Fernanda Carvalho, Maria G. Meirelles, Patrícia Navarro, Helena C. Vasconcelos e Diamantino Henriques são os autores de um estudo, agora publicado em Inglês, que se debruça precisamente sobre as alterações climáticas e o aumento de eventos extremos nos Açores.
Contactado pelo Correio dos Açores, Diamantino Henriques explica que este estudo se baseia “em projecções, acerca do clima dos Açores, até ao final do século (…) o que fizemos foi avaliar o que tem ocorrido desde 1979 até à actualidade”.
A conclusão é clara, continua o técnico do IPMA: a Região irá sentir um aumento de eventos climáticos extremos até ao final deste século. Antes de iniciar a descrição das conclusões alcançadas, Diamantino Henriques refere a forma como se desenrolou este trabalho.
“Utilizamos resultados das simulações feitas por um projecto chamado Inter-comparação de modelos acoplados. São modelos globais que têm um grau de complexidade muito elevado e que permitem a simulação do clima baseado em cenários. Utilizamos aqui basicamente três cenários, chamados cenários para trajectórias de concentrações. Esses cenários são diferentes conforme as taxas de emissão de gases de efeito estufa que são previstos até ao final do século. Quanto maior for a taxa de emissão, mais gravoso será o resultado”, salienta.
Alterações nos níveis
de precipitação
Entrando já nos resultados, uma das alterações climáticas previstas prende-se, desde logo, com a precipitação.
“Em relação à precipitação não há propriamente um sinal claro de aumento (…) o que se espera é que haja também um aumento do número de dias com precipitação extrema (superior a 20 milímetros). Se nós temos agora entre 2 ou 3 dias desses, futuramente teremos um aumento de 5 dias. Não é um aumento drástico e estamos a falar do pior cenário”, esclarece. Por outro lado, e ainda relativamente à precipitação, se iremos assistir a um aumento da frequência de dias com precipitação forte, irão igualmente vivenciar-se mais dias com “precipitação inferior a 1 milímetro”.
“Uma atmosfera mais quente consegue conter mais vapor de água. A água evapora e fica na atmosfera, não precipita. A precipitação pode não ocorrer tão facilmente como ocorre agora, o que quer dizer que vamos ter períodos mais longos com muito pouca precipitação. Mas, ao mesmo tempo, como a atmosfera consegue conter mais vapor de água quando houver condições para precipitação, essa ocorre com mais intensidade”, explica.
Um outro aspecto em se irão notar, cada vez mais, alterações extremas, prende-se com o número de dias com temperaturas mínimas superiores a 20º graus, “as chamadas noites tropicais”.
“Tivemos de facto um aumento bastante grande e, se agora temos entre 10 a 20 dias, no final do século, no pior dos cenários, podemos ter 101 dias. Serão cerca de 4 meses seguidos com temperaturas mínimas superiores a 20º graus. É extremamente preocupante”, alerta.
Diamantino Henriques destaca que apesar de não sentirmos “as temperaturas extremas máximas que ocorrem no continente, vamos ter problemas com a água. Vamos ter falta de água em períodos em que antes chovia e vamos ter demasiada água em épocas onde, apesar de chover, não chovia assim tanto. Iremos ter um extremar dessas condições”.
Ora, estas alterações irão refletir-se desde logo na nossa saúde, mas também nas “próprias infraestruturas, nas ribeiras ou nas pontes”.
“Parece que a atmosfera está com mais água e isso é verdade”, continua o técnico Superior do IPMA. “Consegue conter mais água porque precisamente a temperatura está mais elevada. Isso é um facto incontestável e se, aqui nos Açores, temos um clima propício à formação de nuvens, essas nuvens podem conter mais água do que antigamente e quando chove, isso sucede com maior intensidade”, reforça.
Anticiclone dos Açores
irá expandir-se
Questionado acerca do Anticiclone dos Açores, Diamantino Henriques avança que as projecções apontam para que “este se intensifique e se expanda”.
“Se hoje ocupa uma parte do grande do Atlântico Norte, basicamente a região sub-tropical, com o aquecimento global ele irá expandir-se mais para Norte e um pouco mais para Sul. Irá aumentar a sua área de influência, digamos assim, e isso vai, como consequência, empurrar a frente polar, que é aquela zona de precipitação que de Inverno se desloca para Sul e que nos começa a afectar agora, no Outono e no Inverno (…) com essa intensificação do Anticiclone, a aproximação da frente polar vai ser menor e, portanto, vai haver menos dias com esse tipo de precipitação de vária escala. Isso será propicio aos períodos de seca que se poderão estender quase até ao Inverno”, explica.
Numa outra vertente e apesar de admitir que “não fizemos, neste trabalho, a abordagem relativamente às tempestades tropicais”, realça que existem estudos que apontam para uma aproximação e maior probabilidade destas ocorrências nos Açores, “possivelmente porque a temperatura da água do mar será mais quente aqui nesta zona”.
Também aqui, Diamantino Henriques refere que apesar de não existir qualquer indicação que estes fenómenos tropicais naturais possam vir a ser mais frequentes, tudo leva a crer que estes serão “mais intensos”.
“Uma atmosfera mais quente pode conter mais água e, por isso, pode ficar mais energética porque a energia que um ciclone absorve está contida na água (…) isso vai fazer com que os ciclones possam causar chuvas mais intensas e ventos mais fortes”, salienta.
Ainda sobre este tema, avança que existem actualmente evidências de que “esses ciclones tropicais se têm aproximado muito e, basicamente, quando se aproximam aqui da região do Atlântico não encontram terra e se não forem muito para Norte, se não encontrarem a frente polar, ficam aqui quase a vaguear, à deriva aqui na nossa zona”.
“Quanto maior for essa temperatura e as condições atmosféricas que propiciem a estabilidade do ciclone tropical, mais tempo ele permanece nesta zona (…) Antigamente, de 5 em 5 anos passavam um ou dois ciclones tropicais e agora passa um todos os anos. Não sei como será no futuro, mas possivelmente serão em maior número”, prevê.