Correio dos Açores - Como se cuidam as gerações nascidas nas décadas de 50, 60 e 70 e quais as diferenças que sentem nas gerações nascidas no novo milénio?
Eduardo Medeiros - Da geração dos cinquenta alguns já partiram para a eternidade após curto gozo da aposentação ou reforma. Dizem as estatísticas que as mulheres vivem mais anos que os homens, são mais rijas, mais pacientes, mais tolerantes, mais organizadas e mais afectuosas! A esperança de vida tem aumentado com a modernidade, ou seja com a melhor qualidade de vida das pessoas, na saúde, na habitação, na alimentação, na condição física e na educação, principalmente a partir dos anos 70 do século passado, uma época de renascimento e de abertura e começaram a ter iguais oportunidades que os restantes cidadãos. De uma quarta classe bem formada passou-se para o nono ano de escolaridade, um factor de diferenciação de grande valia que possibilitou uma nova sociedade mais aberta e letrada. No fim desta década surge a universidade, que veio dar um salto qualitativo na vida dos açorianos, com a possibilidade de todos os jovens poderem prosseguir os seus estudos superiores, ao mesmo tempo que alavancou saídas preciosas na contribuição do desenvolvimento da Autonomia dos Açores em todas as ilhas do arquipélago. Começou a nova era para o povo açoriano.
As gerações de antes e depois do 25 de Abril…
Os nascidos no novo milénio não sentiram as agruras das gerações anteriores. Desde 1974, com a Revolução de Abril, conquistada a democracia e a liberdade, o povo sentiu - outro e muita gente passou a partilhar o poder autárquico na defesa da sua terra, fosse ela uma simples localidade, uma freguesia ou uma vila. As novas gerações também passaram a ter novas responsabilidades e novas oportunidades. A qualidade de vida deu um salto enorme, do pé descalço, do pão com pimenta, do candeeiro a petróleo, da falta de comunicações e de horizontes de vida, passou-se, ano após ano, para uma situação mais sustentada em todos os aspectos e capítulos. A vida mudou para melhor, no modo de vestir, de calçar, na alimentação, na saúde, na educação e no emprego, na cultura e no desporto. Sentimos, os mais velhos, que os jovens pouco conhecem da época antes de Abril, e pouco sabem da Revolução de Abril e das mudanças drásticas da sociedade, porque nunca viveram fora da democracia. É claro que, passados estes 48 anos de novo regime, ainda existem em Portugal cerca de 2 milhões de pobres e nos Açores andará pela mesma proporção, na razão de 240 mil almas a viver nestas ilhas.
Como evoluíram as gerações de 50, 60 e 70 no Nordeste?
Nasci no Nordeste e por lá me criei até aos dez anos e para que pudéssemos estudar, meus saudosos pais viram-se obrigados a mudar de vida e a instalarem-se na única cidade que existia nesta ilha. Começava o Nordeste e outros concelhos a sentir a saída permanente de população residente, não só para Ponta Delgada e arredores mas a própria emigração sofreu um grande impacto principalmente para os EUA e para o Canadá. O maior êxodo registou-se aí por volta dos anos 60 e 70 do século passado. Por exempl, o Nordeste por volta dos anos 70 tinha cerca de 10 mil habitantes e hoje não chegam aos 5 mil. Por lá e em quase toda a ilha não havia ensino para os filhos após o ensino primário, faltavam centros de saúde, as estradas ainda eram más, faltava água em muitas localidades e as obras públicas só se realizavam com o chapéu na mão para os senhores ministros instalados em Lisboa, pois a distância era muita , o isolamento atroz e o esquecimento desolador !
Os primeiros passo na Autonomia?
Um punhado de açorianos, quase todos ainda vivos, na sequência da conquista da democracia, puseram de pé um empolgante projecto de Autonomia para os Açores , até aí comandados à distância via três governadores civis, onde as ilhas estavam votadas ao abandono e o arquipélago cada vez mais esquecido e desamparado. A esperança renasceu com a conquista da Autonomia Constitucional e com a instalação do seu Governo e do seu Parlamento. Abriram-se as portas ao mundo e ao desenvolvimento em todas as ilhas e em todos os concelhos e começaram a erguer-se aeroportos, escolas, portos, hospitais e centros de saúde, rasgaram-se estradas e o mundo passou a estar mais perto de nós! A insularidade passou a ser o compêndio da nossa luta com Lisboa. O grande Nemésio não chegou a incutir-lhes o âmago do conceito em toda a sua profundidade. O povo açoriano imbuído do novo sentimento de Autonomia começou a ver rasgar-se os caminhos do futuro dos seus filhos e das novas gerações, com ardor e com forte esperança. Que diferença abissal entre os anos 50, 60 e 70 do século passado e os anos que se lhe seguiram, os anos 80, 90 e o novo milénio!
Nas viagens?
A minha primeira viagem para o exterior da minha ilha resultou da apresentação nas Caldas da Rainha para cumprir a recruta no quartel daquela cidade. No horizonte a guerra do Ultramar, o terror dos jovens da altura, pois sabia-se quem ia para Angola, Guiné ou Moçambique, mas não se sabia quem regressava vivo! Muitos morreram, outros ficaram mutilados e quase todos ficaram traumatizados pela guerra que se travava naquelas antigas Colónias. Fui mobilizado para Tete, Moçambique, onde permaneci até Dezembro de 1973, regressando à minha terra são e salvo, por altura do Natal daquele ano. Na altura, as comunicações funcionavam mal e por isso as famílias sofriam ainda mais! Não havia telemóveis , nem computadores e muito menos Internet. Apenas funcionavam os CTT, embora lentos e burocratizados.
A relação com a Internet?
Dizem-nos agora que vivemos num mundo global onde as tecnologias invadem a nossa mente e interferem na vida das pessoas, das famílias, das escolas, dos hospitais , das comunicações, e avançam em vários sectores para o bem e para o mal. O ensino é aberto a todos, procura-se cultivar o mérito dos jovens, a Universidade abriu horizontes e ajudou imenso na consolidação da Autonomia. O Mundo deu uma volta completa e a sociedade confronta-se com modernidades e excessivas excentricidades e com a pobreza e a corrupção a centrarem os modelos de cada comunidade, com realce para as maiores. As televisões, que não existiam há poucas décadas, entram nos lares de cada família a qualquer hora com as notícias do mundo inteiro, seja nas eleições do Brasil, ao minuto, como agora se viu, seja na guerra da Ucrânia, com alguns ataques em directo.
Por outro lado, em cada Verão, os concertos musicais mobilizam muitos milhares de jovens nas cidades e até nas freguesias mais afoitas e o futebol arrasta multidões e é palco para muitos fenómenos e contendas generalizadas.
A relação à família?
E termino esta já longa lengalenga com uma referência à família deste nosso tempo, às suas relações entre si e com a comunidade e como interagem com a sociedade onde se integra. Estamos a viver tempos novos, com novas perspectivas de vida, com novos horizontes e sonhos de aventura.
Os valores mais genuínos e civilizacionais, de educação e de respeito, de liberdade e não de libertinagem, de responsabilidade, de cidadania plena e de convivência salutar estão muito fora de moda. E o resultado são as violências na própria família, os excessos de vícios e desvios, o abandono dos idosos ou a entrega a lares e a centros de acolhimento.
Os valores no interior da família são o leme da educação dos filhos, é por isso que se diz que a educação nasce do berço e sem famílias bem formadas, abertas e tolerantes, com sentido do dever para com todos os seus membros, capazes de se sacrificarem pelo bem comum do agregado, numa postura de humanismo, de compreensão, de tolerância, de ponderação, de acolhimento, de solidariedade e de paz, a família facilmente se desagrega criando conflitos insanáveis ! Os bons filhos geram bons netos que se revêem no espelho dos pais e dos avós, que se ajudam mutuamente. A maior alegria de um avô é estar com os netos, acompanhar o seu desenvolvimento e a sua linguagem, gerar afecto e conforto e os avós serem presença de ajuda e de alegria familiar.
Costumo dizer com entusiasmo que os netos são uma benção de Deus e a prova mais sublime da Criação! Costumo ficar, em silêncio, a maravilhar-me olhando aquelas belas criaturas, no sorriso soletrado em meias palavras e no crescimento da gratidão a Deus! E nunca me canso!
J.P.