22 de novembro de 2022

Opinião

Ainda a revisão constitucional: algumas questões tácticas

 Está visto que toda a gente afinal tinha propostas para a revisão da Constituição e os projectos surgiram de todos os partidos parlamentares, à excepção do PAN. Até o PCP, muito conservador do texto constitucional, quase considerado, na sua versão inicial, sacrossanto, também avança com sugestões concretas, tal como o Bloco de Esquerda e o Livre. A Comissão Eventual de Revisão Constitucional, que o Parlamento vai ter de formar em breve, terá pois um insano trabalho pela frente!
Ocorre-me a este respeito o que se passou durante o processo que levou à revisão constitucional de 1997. A Comissão Eventual, presidida pelo Deputado Vital Moreira, eleito nessa Legislatura pelo PS, ia fazendo lentamente os seus trabalhos, discutindo longamente as várias propostas de alteração apresentados pelos grupos parlamentares, até ao dia em que foi noticiado ter sido acertado um acordo entre os líderes dos dois maiores partidos, António Guterres, pelo PS e Marcelo Rebelo de Sousa, pelo PSD, sobre o conteúdo da dita revisão. Sentindo-se postergado na sua função, o Presidente da Comissão Eventual demitiu-se com estrondo, mas foi logo substituído, já não me lembro por quem, para que os trabalhos de revisão se concluíssem conforme o figurino adoptado superiormente. Claro que os dois líderes não se conluiaram sobre tão importante matéria, sem terem previamente em conta o modo como as questões a rever eram abordadas pelos respectivos partidos.
Ora, quer-me parecer que um acordo deste género tem de acontecer novamente, nesta fase envolvendo António Costa pelo PS e Luís Montenegro pelo PSD. De outra forma, enquanto se tenta cozinhar uma revisão que agrade a todos, o que é de todo impossível, ainda se termina a Legislatura - e cada vez parece mais que ela não vai durar o seu tempo todo, tão desgastado se apresenta o Governo da República e tantos são os desafios que confrontam o nosso País, a União Europeia, a NATO e o Mundo em geral.
Mas um possível acordo dos dois maiores partidos, que nesta fase detêm a maioria de revisão ordinária e até extraordinária da Constituição, não pode deixar de fora as questões próprias das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Julgo que se impõe um esforço de aproximação entre os líderes regionais do PS/Açores e do PSD/Açores, destinado a acertar as conclusões entre ambos os partidos consensualizáveis na CEVERA existente, seja qual for a sua actual designação. O diálogo tem de ser estendido à Madeira, talvez mediante uma cimeira urgente de âmbito partidário. 
Estas sugestões são formuladas a título exclusivamente pessoal e valem por isso o que valem, isto é muito pouco ou mesmo nada! Mas nem por isso me eximo de as formular, sem querer com isso intervir num processo que tem os seus protagonistas próprios e democraticamente legitimados.
Não posso, por outro lado, deixar de verificar que há temas carecidos de novas soluções no estatuto da nossa Autonomia Constitucional. Tenho-a estudado com isenção, no âmbito das minhas actividades lectivas na Universidade dos Açores e daí que me ocorram sugestões, já anteriormente deixadas públicas.

Os diversos projectos de revisão constitucional contêm preceitos alterados ou mesmo novos sobre tal matéria. Alguns deles são deveras imaginativos, mas criar um Provedor da Autonomia, eleito pela Assembleia Legislativa Regional e depois conceder ao Presidente da República um poder de avocação dos diplomas regionais, como pretende o BE, talvez seja afinal apenas complicar o processo legislativo em cada Região Autónoma; e quanto à proposta do PSD de atribuir as funções do Representante da República ao Presidente da República, fazendo porém surgir um Procurador dele para assinar os diplomas, dá a impressão que equivale a deixar tudo na mesma, apenas com mudança de nomes. 
O PS tem vindo a dizer que só quer fazer uma revisão sobre os direitos fundamentais, ampliando-os segundo a sua agenda dita progressista. Ora, se é para isto e afinal nada mais terá o voto do Grupo Parlamentar do PS, então talvez nem interesse por agora fazer qualquer revisão constitucional. Os poderes de revisão constitucional ordinária manter-se-ão em aberto para a próxima Legislatura da Assembleia da República, onde presumivelmente haverá uma composição diferente.
Bem temos a experiência de que os maiores partidos se alternam na protagonização dos traumas e dos preconceitos do centralismo tradicional na política portuguesa sobre as Ilhas, agora Regiões Autónomas da República. Isto torna mais imperativo o consenso quanto aos conceitos e quanto à actuação dos dois maiores partidos em ambas elas.

João Bosco Mota Amaral

(Por convicção pessoal, o Autor 
não respeita o assim chamado 
Acordo Ortográfico.) 
 

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