Depois de mais de 20 anos sem férias que durassem mais do que cinco dias consecutivos, Pedro Vieira, um micro-empresário natural da ilha de São Miguel apaixonado por muitas coisas, entre elas o mar, o turismo, as motas e a sensação de nova descoberta que cada viagem proporciona, encontrou na sua BMW 1250 GS a companheira de viagens ideal para as travessias que tem realizado e que pretende realizar no futuro, mas que, neste momento, se têm concentrado entre Portugal e o Norte de África.
A primeira destas viagens, feita com outra mota, deu-se em 2017, quando “outros valores” começaram a surgir na sua vida, o que acabou por proporcionar uma mudança na sua forma de ver o mundo, optando por explorar o sul do país através da costa alentejana, percebendo logo de início que estas viagens seriam “processos muito saudáveis de exercício, de força e de coragem”, vividos 15 dias de cada vez, nos quais percorre uma média de 180 a 300 quilómetros de distância por dia.
Embora possam parecer viagens simples numa primeira vista, uma vez que é um processo que envolve transportes aéreos e marítimos, para além do percurso terrestre, estes trajectos acarretam alguns custos, podendo atingir facilmente vários milhares de euros. Porém, ao contrário do que acontece com experiências mais estandardizadas nos centros da cidade, o motoqueiro açoriano considera que a experiência proporcionada por estas viagens de mota permitem conhecer os destinos com mais profundidade.
Neste sentido, Pedro Vieira realça que, entre as várias pessoas com quem se vai cruzando nos países que visita, são as que vivem nos meios rurais que mais o cativam, por serem “muito mais meigas, menos stressadas e com mais predisposição para ajudar os outros”, embora olhem para os viajantes que passam pelas suas vilas ou aldeias como “pessoas um bocado “malucas” ou “loucas”, diz o açoriano.
Embora isto aconteça, o açoriano refere que não se sente incomodado com este facto, considerando que há “uma base de loucura” quando se parte numa viagem deste género, considerando que, para além de se entrar em território desconhecido com frequência, também o regresso em segurança pode ser uma incerteza, uma vez que os imprevistos podem acontecer.
O “maior medo” de um viajante deste tipo, realça, é que a mota avarie durante o percurso, alterando por completo o itinerário previsto, mas existem também outros percalços que colocam alguma incerteza relacionada com a segurança. Por exemplo, ao passar por locais mais rurais aquando da sua última viagem, Pedro Vieira adianta que foi apedrejado duas vezes por crianças, e, embora este gesto tenha sido encarado como “uma brincadeira”, coloca alguma hesitação nos viajantes e, por esse motivo, deixa algumas dicas.
“Muitas vezes nós queremos parar, mas quando estamos em sítios com muita população ou pobreza, as pessoas são basicamente afogadas, temos que parar mas sempre prontos para andar. Além disso, é importantíssimo nunca fazer cara feia, mesmo oferecendo o pior café com leite de manhã é importante agradecer, porque não há críticas quando estamos no país e no mundo deles, é assim que eles vivem e quando as pessoas se sentem respeitadas nessa situação, é meio caminho andado para termos o caminho livre”, aponta.
Quanto às cidades, por onde também passa, Pedro Vieira adianta que estas lhe provocam “mais insegurança”, tendo em conta que estes são centros onde há “mais trânsito” e mais aglomeração de pessoas, o que exige também outro tipo de cuidados relacionados com a prevenção de roubos, o que, por si só, é um factor de stress. Assim, nestes casos, para além de procurar alojamento em hotéis mais estandardizados, tem também a preocupação de encontrar um espaço onde possa acondicionar a mota.
Para perceber o ritmo de cada cidade, este motoqueiro açoriano tem também o hábito de fazer paragens em pequenos cafés mais centrais, de forma a “perceber como é que as coisas estão a funcionar”, o que proporciona também alguma interacção com os locais. Ainda assim, embora seja muito mais cómodo viajar na Europa – “onde há trajectos, monumentos e outras coisas fantásticas, e onde sabemos que há água de 10 em 10 quilómetros e combustível de 50 em 50 quilómetros” –, Pedro Vieira realça que está a deixar estas viagens para o fim da sua lista por preferir os desafios que os países situados a sul da linha do Mediterrâneo proporcionam.
Em relação à sua parte menos preferida deste tipo de viagens, destaca que é o seu final e o processo de regresso, “porque há sempre o sentimento de que havia mais coisas para ver”. Questionado sobre os motivos que o levam a regressar aos Açores, refere que, por ter fixado a sua actividade empresarial na ilha de São Miguel, é onde procura estar com mais frequência.
“Eu tenho a minha actividade nos Açores. Os Açores são muito bons para viver, embora sejam muito castradores. Isto é, há qualidade de vida porque a pessoa tem mais tempo para si, não há grandes distâncias a percorrer, os custos são menores quando em comparação com Lisboa, por exemplo, mas na parte laboral é castrador porque não conseguimos evoluir muito. A falta de conexão com outras pessoas acaba por nos deixar menos despertos para outras realidades e para outras situações e somos muito “quintal”, o que é normal”, explica.
No que diz respeito às deslocações e viagens, Pedro Vieira salienta também que, ao viver no continente, esta logística “é mais fácil” de gerir, uma vez que quando é necessário sair do país existe “muito mais facilidade e menos custos” quando em comparação com a vida no arquipélago, sobretudo se o objectivo passar por viajar de moto.
Ao poder viajar por estes locais, em contraste com a vida na ilha de São Miguel, realça que consegue também ter “uma alimentação completamente distinta”, ver “cores completamente distintas” e observar “hábitos completamente distintos”, sendo ainda capaz de observar a forma como outros povos e culturas expressam e vivem a sua felicidade, experiências que “nunca” poderia ter ao estar permanentemente nos Açores.
De momento, este aventureiro conta já com duas viagens agendadas para o ano de 2023, estando a primeira prevista para o mês de Abril, com duração de 16 dias, partindo de São Miguel com direcção a Faro, seguindo a rota através de pontos como Valência, Sardenha e Sicília, terminando no Norte de África, mais concretamente na Tunísia. A segunda viagem que tem em mente fazer, em Outubro do próximo ano, tem como objectivo explorar outros destinos, como Albânia, Monte Negro e Croácia, e na sua lista continuam países como Turquia, Grécia, Senegal, Egipto e Vietname.
Embora o seu objectivo passe por poder partilhar esta experiência com outros amantes de motas e de viagens que residam nos Açores, utilizando o Facebook para partilhar o seu contacto e mais informações sobre as viagens previstas, Pedro Vieira realça que não tem vindo a ter “muito sucesso” nesta intenção, o que o obriga a iniciar estas viagens sozinho, embora acabe sempre por conhecer pessoas diferentes e, inclusive, pessoas com muita experiência em viagens.
“Sinto que, aqui, há uma acomodação muito grande dos motoqueiros (…), embora tenha já tido saídas com pessoas de cá, tenho conseguido através do Facebook e do Instagram criar uma ligação de proximidade com pessoas que fazem este tipo de viagens e que têm estas experiências noutros sítios. A minha última viagem foi feita com um francês e com um inglês, um de Toulouse e outro de Bristol, e mesmo sem nunca os ter visto, correu perfeitamente bem. Combinámos partir de ferry, e acabámos por ir para Tânger e de Tânger seguimos pela costa até Argélia com destino às Montanhas de Atlas. Percorri, praticamente 4 mil quilómetros em sítios distintos, tanto na Argélia como em Marrocos, passando por Casablanca e Marraquexe”, explica.
Para o futuro, Pedro Vieira tem também outros planos no sentido de tornar as suas viagens mais cómodas com o passar do tempo: “Neste momento estou com 52 anos mas espero viajar de mota até aos 65 anos e penso morrer aos 100. Pode não acontecer, mas enquanto houver forças… Quando já tiver menos capacidade para apanhar esta pancadaria toda, pretendo ir para a parte do 4x4, com calma, para poder conduzir à noite confortavelmente, numa van 4x4 e, também, para ir para países mais gelados, coisa que de mota é sempre difícil, e assim já os consigo percorrer em datas de Primavera e Verão, que são as datas de eleição”, refere.
Joana Medeiros