A história desta instituição remonta a 2 de Dezembro de 1977, quando foi assinado o alvará da constituição da Casa do Povo do Pico da Pedra, cujo Presidente da Comissão Instaladora foi José Carreiro de Almeida. Em 1981 sucederam-se as primeiras eleições oficiais, uma vez que existiam já sócios suficientes que permitiam a realização do sufrágio. Desde a sua criação, e de forma intercalada, que José Maria Jorge é Presidente desta Casa do Povo há cerca de 30 anos, tendo já também sido Presidente da Junta de Freguesia do Pico da Pedra, algo que o levou a interromper a sua presidência na Casa do Povo, que no início deste mês celebrou o seu 45.º aniversário.
Hoje, depois da sua reforma, considera ter a disponibilidade necessária para continuar na liderança da instituição, que inclui várias valências, nomeadamente uma creche, um centro de dia e de convívio e um ATL, que, na sua totalidade, acolhe mais de uma centena de utentes, sem contar com aqueles que visitam a biblioteca Onésimo Almeida, que conta já com mais de 7 mil livros.
Nesta entrevista, José Maria Jorge fala dos primeiros passos da Casa do Povo do Pico da Pedra, bem como dos seus principais desafios, dos projectos que existem para o futuro e dos que estão prontos para, mediante aprovação da autarquia, colocar em execução.
Correio dos Açores: Como começou o seu percurso na Casa do Povo do Pico da Pedra?
José Maria Jorge (Presidente da Casa do Povo do Pico da Pedra): Quando pegámos na Casa do Povo, o que deve ter acontecido entre 1981 e 1982, os sócios eram na sua maioria jovens e, por isso, ganhámos as eleições, embora houvesse uma certa apreensão do grupo etário mais velho, para perceber o que aqueles “rapazinhos” iam fazer com a Casa do Povo.
Encontrando o Dr. Mota Amaral, que estava a par de quase tudo o que acontecia nos Açores, dissemos-lhe que íamos avançar mas que esperávamos que o Governo não nos visse como crianças, pois apesar de a nossa média de idades ser de 24 anos, tínhamos genica e formávamos uma equipa coesa, dinâmica e com projectos. Nisto, pediu-me para o avisar quando fosse a tomada de posse porque estaria lá. Uma semana antes da tomada de posse telefonei para a Presidência a dizer que íamos avançar, numa cerimónia que foi feita ao ar livre, e ele veio, dando imagem de que o Governo acredita nas casas do Povo e que acredita nas novas gerações.
Fizemos depois um plano de intenções, porque o espaço estava muito degradado. Fomos à Secretaria Regional da Habitação e Obras Públicas, onde era Secretário Regional Américo Natalino Viveiros. Chegámos junto a ele e falámos com a velocidade da juventude, a apresentar tudo o que queríamos... parecíamos um carro sem travões. Ele ouviu-nos e, lembro-me como se fosse hoje, disse para termos calma e para fazermos um plano e um projecto de intenções para estabelecer o que queríamos primeiro. Disse que não nos queria desmotivar, mas sim que percebêssemos que para tudo existe um projecto.
Foi-nos disponibilizado pessoal técnico da Secretaria, com dois arquitectos que fizeram o levantamento topográfico do terreno. O que queríamos era um campo de futebol, um polidesportivo e um parque infantil. Primeiro fez-se o polidesportivo com a colaboração activa da população, dos jovens, e fizemos uma exposição fotográfica onde se vê toda a gente a trabalhar, estudantes e não estudantes. Só havia um pedreiro, o resto era o pessoal local. (…) Entretanto, o edifício também precisava de obras, para as quais fomos tendo subsídios. Tivemos, desde o início, os serviços da Segurança Social a funcionar no rés-do-chão, como ainda funciona hoje, e tínhamos também um pequeno gabinete para a Unidade de Saúde da Ribeira Grande, que antes se chamava Posto Clínico.
Que intervenções sofreu a Casa do Povo ao longo dos anos?
A Casa do Povo sofreu três intervenções ao longo dos anos, a maior foi no edifício central para o solidificar, depois fizemos outra intervenção de ampliação que permitiu a construção da sala de convívio para idosos e, posteriormente, há cerca de 15 anos, fizemos uma grande intervenção que nos permitiu iniciar a actividade da creche, que era um sonho muito antigo, embora os técnicos do Instituto de Segurança Social dos Açores (ISSA) tenham feito na altura um levantamento que concluiu que não tínhamos casais suficientes com filhos que justificasse uma creche.
Batalhámos e conseguimos, finalmente, inaugurar a creche que, neste momento, acolhe 35 crianças: oito bebés, 12 crianças na sala de um ano e 15 crianças na sala dos dois anos. O centro de dia e de convívio para idosos tem 20 idosos no centro de dia e mais 30 idosos no convívio mas muitos, neste momento, não vêm, porque ainda têm medo da Covid-19. Em acréscimo, temos um ATL onde estão 60 crianças e com alguma dificuldade em termos de quadros de pessoal, porque estamos a receber muitas crianças da pré-primária.
Que preocupações tem actualmente a Casa do Povo relativamente à população que serve?
A primeira Direcção da Casa do Povo fez o levantamento da população tendo em vista a creche e apurou que esta rondava os 1.100 habitantes. Neste momento, de acordo com os censos, somos mais de 3.000. A nossa grande preocupação é que a freguesia não perca a sua identidade, que a freguesia não se transforme em dormitório, e para isso não acontecer temos que ter estruturas para apoiar os casais que vêm para cá morar. Se os casais vierem para cá morar e não tiverem nenhum apoio, vão busca-los a Ponta Delgada ou onde trabalharem mase, felizmente, estamos a conseguir fazer isso.
(…) Temos também a Filarmónica Aliança dos Prazeres. Temos crianças que estavam só no Conservatório e que, ao saberem que há aqui a banda, estão a entusiasmar-se e estão a integrar a filarmónica do Pico da Pedra. São instituições que estão em pleno funcionamento e que estão a contribuir para que o Pico da Pedra não se transforme em dormitório, e que os filhos dos novos picopedrenses comecem a integrar-se na comunidade.
Que projectos tem em vista para o futuro da Casa do Povo?
Para o futuro temos três projectos que gostaríamos de desenvolver. (…) No edifício central, gostaríamos de ter, em 2023, intervenções que consideramos fundamentais. Primeiro, desde logo, uma pintura no exterior. Temos também alguma guarnição a cair, e se antes desta grande inflação o orçamento era de 50 mil para pintar, agora deve ser superior.
O segundo objectivo é ampliar a creche. Não calculam o quão doloroso é em Junho, quando fazemos a selecção, de termos oito vagas para bebés e termos 23 inscrições como foi este ano. Costumamos aceitar até mais tarde, mas achámos que era desumano manter os pais na expectativa porque eles têm que arranjar soluções até Setembro. Na sala dos bebés, pelas medidas mínimas, só cabem oito berços, e embora já nos tenham autorizado a aumentar a capacidade da creche em 10%, não posso fazer isso porque não tenho sítio para meter mais um berço.
Em acréscimo, precisávamos também de fazer uma nova sala de convívio para os idosos, porque esta também foi feita com as medidas mínimas. Nessa sala há mesas com cadeiras à volta, e dá para passarmos, só que alguns idosos estão já de cadeira de rodas e é complicadíssimo circular entre mesas com as cadeiras de rodas, nem eles se sentem bem.
Tendo em vista estas ampliações, qual a solução ideal?
A solução passa por um terreno que existe a norte da instituição, que encosta à nossa propriedade e que está à venda através de uma imobiliária. Se comprássemos o terreno conseguiríamos fazer a ligação do edifício directamente à nova construção através de um corredor com poucos metros. Era a solução perfeita.
No entanto, paralelamente a isto, esteve à venda um edifício a sul, uma casa que tentámos adquirir, mas tivemos algumas dificuldades porque nos foi pedido um valor que não tínhamos, mas conseguimos que a Secretaria Regional pagasse 50% e que a Câmara Municipal pagasse os outros 50% e adquirimos o edifício. Havia também uma outra casa entre esse imóvel e esta casa. Já se tornava mais complicado, mas conseguimos que os herdeiros do proprietário, Fernando Dias Martins Carreiro, doassem o imóvel à Casa do Povo.
O que planeiam fazer com estes dois edifícios?
Já temos um projecto para um centro cultural e criativo que teria várias utilidades. Como há um desnível no terreno, conseguiríamos fazer ao nível do jardim algumas oficinas ou ateliês, uma vez que há muitas pessoas da freguesia que se reformam mas que se sentem activos e gostam de ter os seus hóbis. Um pratica carpintaria, outro desenha e teríamos ali oficinas que estariam à disposição das pessoas.
No primeiro piso teríamos a biblioteca Onésimo Almeida, à qual os idosos têm dificuldade em aceder actualmente, e teríamos salas de acolhimento e estudo, ou seja, salas com computadores para os jovens, que assim poderiam regressar à freguesia depois das aulas, nos autocarros, e poderiam ficar aqui para estudar. É um grande sonho.
O projecto já está feito e foi entregue à Câmara Municipal para aprovação para ir para a fase das especialidades. Depois, quando os fundos comunitários forem disponibilizados, temos que ver em que eixo nos poderemos integrar e depois resta esperar pela boa vontade política para avançar, até porque imagino que devem existir imensos pedidos a este nível nos Açores. Temos noção, mas também temos esperança de podermos ser contemplados porque é uma necessidade urgente aqui na freguesia.
Se conseguíssemos, no próximo ano, lançar a primeira pedra e ter essa garantia, diria que era um forte estímulo para uma recandidatura, era a cereja no topo do bolo, e como só poderia fazer mais um mandato, sairia com o sentimento de dever cumprido e de que tudo aquilo com que sonhei com os meus colegas de Ddirecção foi concretizado.
Em relação à gestão das diferentes valências, que preocupações e desafios existem?
Uma dificuldade que temos, tem a ver com a sustentabilidade das diversas valências na nossa instituição. Enquanto estão equilibrados os dois ATL – até porque o da escola é completamente independente – tal como o Centro de Dia, por outro lado, na nossa creche temos um prejuízo anual grande que não pode continuar.
O valor-padrão, apesar de este Governo – e bem – o ter aumentado recentemente, continua a ser insuficiente atendendo à subida quase diária da inflação no nosso país. Tenho a consolação de não termos dívidas, pagamos fornecedores, ordenados, subsídios de férias e de Natal, é uma gestão muito rigorosa e nada se compra aqui sem vir uma requisição que justifique essa compra (…).
Na intervenção que fiz na sessão solene dos 45 anos da Casa do Povo do Pico da Pedra, disse ao Presidente do Governo Regional que terá que haver uma nova mentalidade para com estas instituições, porque o valor-padrão é uma coisa fria, só se vêem números, não se vê a realidade de cada instituição. Antigamente via-se isso melhor. Não havia valor-padrão, havia um subsídio anual dividido por todos os meses e, no fim de ano, os contabilistas do ISSA analisavam as contas friamente e havia sempre um subsídio suplementar para cobrir o défice. Veio o valor-padrão e isso acabou.
Como angariam verbas?
Nós não temos fonte de receitas. Não temos farmácias como as santas casas têm, nós não temos acções em bancos ou instituições públicas como algumas têm, nem temos prédios rústicos nem urbanos que nos dêem receita. O que temos de receita são os dois euros por mês pagos pelos sócios e alugamos o nosso polidesportivo a grupos de sénior que vêm jogar futebol aos fins-de-semana e à noite, mas são valores irrisórios. Alugamos também o nosso salão para casamentos e baptizados, os emigrantes sempre que vêem cá e visitam a instituição deixam sempre algum dinheiro, temos um emigrante que todos os anos manda mil euros e temos um protocolo com a Câmara Municipal da Ribeira Grande que nos ajuda com o ATL. Vamos poupando nas outras valências para podermos, até certo ponto, cobrir o défice. O que os sócios dizem é que não é justo das receitas próprias da instituição estarmos a desviar para serviços que competem ao Governo Regional.
Em relação à creche, também não sabemos como vai ser a partir de Janeiro, uma vez que serão totalmente gratuitas. Não sabemos se vai ser um valor por criança, comum a todos, se vai ser de acordo com o IRS – mas não estou a ver fazerem as contas uma a uma, ao IRS de cada um, para estipular esse preço. O Governo já deve saber, mas ainda não nos passou essa informação.
Apesar de tudo, as casas do Povo têm mais autonomia actualmente…
Temos muito mais autonomia agora. Posso admitir quem eu quero, mas preciso de dinheiro para pagar e não temos receitas próprias. Se tivéssemos receitas próprias já tinha resolvido o problema da biblioteca, que não tem ninguém, mas nem o ISSA nem a Cultura nos dão um subsídio para podermos colocar um funcionário a tomar conta da biblioteca. Dão-nos para o funcionamento das valências, da creche e do centro de dia.
(…) O que nos preocupa é conseguir-se um equilíbrio em que nos oiçam e compreendam. Como disse no meu discurso na sessão solene, gostaríamos de ser vistos como parceiros em plenitude de direitos, e não como os parentes pobres do sistema. Não queremos ser vistos como aqueles que estão pouco a pouco de mão estendida, porque, na verdade, o nosso poder reivindicativo é fraco, não é como o poder que têm médicos e enfermeiros ou como grandes associações. O nosso poder é muito pequenino, quase nulo, a reivindicar, mesmo tendo uma grande intervenção na vida da freguesia. Julgo que o Pico da Pedra já não consegue viver sem a Casa do Povo do Pico da Pedra.
Joana Medeiros