Actriz açoriana a residir em Lisboa

“Arquipélago é uma ilha fragmentada e quando virmos nas partes um todo veremos que as coisas pequenas fazem toda a diferença”

Correio dos Açores - Como surgiu o livro “Quando a casa é escrita no mar”?
Carolina Bettencourt - Depois do concurso literário da editora Letras Lavadas, o material estava reunido e daí até à sua publicação foi um processo natural.

Qual o eco público da publicação deste título?
“Quando a casa é escrita no mar” é o resultado de textos com alguns anos de gaveta fechada. Tornaram-se um livro quando se reuniram as condições práticas, mas também quando eu própria estava preparada para qualquer que fosse a sua recepção. Nesse sentido, o eco público desta publicação tem sido positivo e evolutivo. A apropriação do leitor é dos momentos mais prazerosos que tenho tido; onde tenho aprendido mais.

Como encarou o prémio recebido pela Letras Lavadas?
Não recebi um prémio, fui finalista. Quando recebi o telefonema fui totalmente apanhada desprevenida; foi uma grande alegria.

Porquê a poesia?
A poesia faz parte dos meus hábitos e gostos literários. Não escrevo com pretensão poética. Se assim parece, serão apenas ecos e influências inconscientes.

Este seu livro pode-se considerar um poema?
É uma boa questão, mas creio que cabe ao leitor responder.

O que significa escrever um livro?
Significa que já nada nos pertence, a não ser a dor de escrever. Porque para escrever é preciso “doer”.

Qual a maior paixão: teatro ou escrita?
Não sei responder a essa questão.

Como se sente no palco?
Com sentido de grande responsabilidade.

Como sublima a saudade da terra natal?
Canalizando como material de trabalho, escrevendo ou simplesmente aceitando. Aceitar uma saudade, é “reduzir-nos” à nossa capacidade emocional.

Do que sente mais falta na ilha?
Dos abraços. Do fundo do mar. Da comida.

Há algum recanto em Lisboa que lhe faz lembrar os Açores?
A minha casa.

Quando regressa sente que volta ao seu lugar?
Não sinto que volto ao meu lugar; sinto que volto a um estádio primário de identificação, de construção. Volto ao princípio. Poder voltar a um princípio é meio caminho andado para não se perder o norte.

O que significa “arquipélago”?
Arquipélago é uma ilha fragmentada. Quando virmos nas partes um todo veremos que as coisas pequenas fazem toda a diferença.

Quem parte sente a ilha de forma diferente?
Sim, coloca a ilha em perspetiva. Quem sai vive na ilha, não na sua lógica quotidiana, mas elementar. Não é melhor nem pior, é diferente.

Como surgiu o gosto pela representação?
Cedo, ainda na infância. A possibilidade de canalizar o imaginário e aquilo que observava nos outros para uma profissão fascinava-me. Gostava de preparar espetáculos, com primos, para a família. Sempre que tinha trabalhos de grupo na escola gostava de os traduzir em teatro. Depois, adorava ir ao teatro, o trabalho do desdobramento, de estar no outro, era um mistério que me atraía cada vez mais. Daí querer estudar e perceber como fazer o que via.

Quando decide ser actriz profissional?
Como disse anteriormente, decidi cedo que queria ser actriz. Tinha uns 5 anos quando o disse aos meus pais. A minha infância e adolescência foram vividas nesse sentido, até poder ir estudar. Frequentei o grupo de leitura da escola Roberto Ivens onde era estimulada a representação; frequentei o grupo de teatro da Ribeira Grande, Antiteatrum; trabalhava nas férias para construir um camarim no meu quarto. Nesse camarim testava e registava o que apreendia com os espectáculos que assistia vindos do continente.

Foi a decisão certa para a sua vida?
Foi a certa no momento da decisão.

Porque ee refugias na escrita depois do fechar do palco?
Porque quando o pano fecha acabam as personagens, mas continua a haver coisas a dizer que são as minhas.

Como correu o festival “Outono vivo”?
Muito bem, senti um acolhimento singular. Foi a melhor decisão ter lançado primeiro no “Outono Vivo”.

Quando será a apresentação do livro em Lisboa?
Ainda não tenho uma data fechada.

Qual a função do teatro didáctico?
O teatro didáctico, como o nome indica, faz a sua programação com base nos textos e autores que são parte do plano nacional de leitura.
O teatro didáctico tem a responsabilidade de lançar sementes sustentáveis àquele que será o público futuro da arte e do teatro. É a construção de um público activo e crítico. Na minha opinião, o teatro didático não trabalha para o teatro, trabalha com e para a sociedade.

Como tem corrido a peça da companhia do ACTUS?
Actualmente fazemos 6 espectáculos em simultâneo: “Pessoalmente”, vida e obra de Fernando Pessoa; “Lusíadas - À conquista do mar largo”, Camões; “Frei Luís de Sousa”, Almeida Garrett; “Leandro, rei da Helíria”, Alice Vieira; “ Uma Farsa de Inês Pereira” e “Auto da barca do Inferno”, ambos de Gil Vicente. Têm corrido muito bem.

Que trabalho mais satisfação lhe deu participar?
A resposta a esta pergunta vai suportar sempre a injustiça de não poder dizer muitos. “Boca ilha - O rosto que ninguém vê-” é o espectáculo onde estive ligada a todas as suas fases desde a ideia e que por todas as razões será e terá sempre um lugar especial. O “Adoecer”, Hélia Correia, que fiz no CCB com o teatro O Bando foi uma proposta desafiante e inovadora, do ponto de vista da criação. Além destes estímulos, trabalhar com artistas que admiro muito foi um grande crescimento.

Que projectos gostaria de concretizar?
Tenho algumas ideias que gostava de desenvolver, mas estão ainda intimamente fechadas.
 
Gostarias de regressar definitivamente à ilha?
Definitivamente é uma palavra pesada. Gostava de ter um lugar meu, mas não queria perder a possibilidade de ver a ilha em perspectiva.
                                 

António Pedro Costa

 

Print
Autor: CA

Categorias: Regional

Tags:

Theme picker