Ceramista português decide viver nos Açores depois de 12 anos em Espanha mas enfrenta mercado difícil e sem a desejada valorização

Paulo Alves é natural de Castelo Branco e conta hoje com 58 anos de idade. Há cerca de dois anos, durante a pandemia, mudou-se para Ponta Delgada, trazendo consigo a mufla e a inspiração necessária para continuar a produzir a sua cerâmica, muita dela inspirada na cultura do chá e nas linhas simples e descomplicadas que a tornam em “algo belo”.
Aos 12 anos de idade saiu de Castelo Branco para estudar num colégio na cidade do Porto, seguindo-se alguns anos em Portalegre depois de, dada a sua rebeldia, ter sido “convidado a sair” do colégio no Norte do país. Concluído o 12.º ano de escolaridade no Alentejo, onde atingiu a excelência, seguir-se-iam anos de viagens, contrariando aquele que seria o rumo mais previsível da sua vida então, o ingresso no ensino superior. Assim, com o bênção do avô mas com as reservas da mãe, Paulo Alves far-se-ia à estrada apenas com “uma mochila e meia dúzia de escudos no bolso”, passando por países como Espanha, França, Itália, Ex-Jugoslávia, Grécia, Holanda e Alemanha.
Embora se tenha cruzado com vários viajantes pelo caminho, o ceramista que fez dos Açores a sua morada há dois anos recorda que a ideia de terminar o ensino secundário, pegar numa mochila e viajar o mundo era incomum até então. Porém, apesar da incerteza, esta era uma experiência pela qual ansiava.
“Precisava de ver um bocadinho do mundo e precisava de me pôr à prova na aventura que é viajar de mochila às costas, com pouco dinheiro, à boleia; num dia montar a tenda num parque de estacionamento e, passado uns dias, estar a dormir num hotel porque era fácil arranjar trabalhos que ajudavam as pessoas a continuar as suas viagens”, relembra o artista, contando que, nesta primeira fase das suas viagens, acabou por ganhar algum dinheiro com várias actividades, tais como vindimas, como vender bebidas e amendoins caramelizados nas praias do sul de França ou, ainda, a trabalhar na restauração.
Regressando a Castelo Branco, decidiu voltar aos estudos, optando por se candidatar à Escola Náutica na esperança de que esta fosse capaz de estimular o seu “espírito viajante e aventureiro”, permitindo que, no futuro, se tornasse velejador e que assim pudesse viajar à volta do mundo. No entanto, assim que começou a frequentar estas aulas apercebeu-se de que o curso que tinha escolhido “era como navegar sem pôr os pés na água”, carecendo das componentes práticas que o aliciavam em primeiro lugar.
Assim a sua vontade de aprender foi rapidamente substituída pela frustração, tendo, ao longo de três anos, completado apenas uma cadeira ao longo do curso, a cadeira de sociologia. Entretanto, cumpria também o Serviço Militar Obrigatório, passando uma parte do tempo em Benfica e outra em Paço de Arcos, aproveitando também para medir o pulso da vida em Lisboa, através do tempo passado em exposições e em cinemas.
Porém, fruto do seu espírito rebelde, o artista acabava por passar uma grande parte do tempo longe de Lisboa, mais concretamente no Algarve, onde ficava na maior parte dos fins-de-semana, o que – depois de ser descoberto – lhe valeria um mês de castigo, sem que lhe fossem permitidas saídas do quartel.
Terminado o serviço militar, Paulo Alves decidiu também desistir da Escola Náutica para poder viajar novamente, acabando por viver alguns meses no norte de França, em Bretanha, região que lhe despertaria o gosto pelas coisas simples da vida, tais como o contacto com a natureza e com a terra.
“Andei, andei e quando dei por mim estava na Bretanha. Conheci gente com uma vida muito alternativa, o que hoje em dia é uma coisa normal, mas naquela altura não, pois Portugal era tão fechado que não conhecíamos outras formas de viver. Hoje falamos de sustentabilidade, de reciclagem, de ecologia, mas, naquela altura, essas vidas alternativas já contemplavam esta forma de viver. Conheci pessoas que faziam agricultura biológica, que eram auto-suficientes e vivi uma quantidade de meses assim, o que me fascinou. Aprendi a fazer pão, aprendi a cuidar de hortas biológicas, envolvi-me em manifestações anti-energia nuclear e estive numa quinta onde aprendi a cuidar de vacas”, recorda.
Apesar de ser um tempo que recorda com entusiasmo, Paulo Alves acabou por regressar a Castelo Branco, tendo novamente que pensar no que se seguiria em termos profissionais.
Restava apenas uma certeza, a de que queria fazer alguma coisa “relacionada com terra”, e foi assim que, iniciada a pesquisa por um propósito, encontrou uma escola que estava ainda em construção numa vila no distrito de Coimbra, com cursos técnico-profissionais na área da cerâmica e outras áreas de trabalho artesanal.
“Como tinha passado pela experiência de viver num mundo rural, achei interessante continuar isso de alguma maneira em Portugal. Concorri para essa escola, entrei, no início ainda estive a ajudar nos últimos retoques do edifício, até que começou oficialmente o curso de cerâmica, com a duração de um ano, foi quando tive o primeiro contacto com o barro e percebi que gostava”, diz o artista que, nesse ano, aprendeu muito dentro da área da cerâmica, graças também à prática constante que o curso permitia numa época em que se considerava que “Portugal se estava a abrir ao mundo”, em 1987.
Durante este período, o próprio ceramista abriu-se à possibilidade de aprender com outros profissionais desta área espalhados pela Europa, tentando que essas mesmas oportunidades chegassem também a Portugal através desta escola em Coimbra que foi criada também com o propósito de recuperar esta tradição.
Porém, lamenta que, à semelhança dos artistas da sua geração, também os ceramistas das gerações mais novas “não vejam frutos do seu trabalho por não conseguirem viver dele”, apontando, por outro lado, que este problema não ocorre só em Portugal.
Depois de viver 12 anos em Espanha, a sua “alma nómada” acabaria por dar uma oportunidade à vida insular, uma vez que há cerca de dois anos se instalou em Ponta Delgada, sendo esta, de momento, a sua base.
Embora não possa garantir que os Açores serão a sua casa durante o resto da sua vida, Paulo Alves refere que chegou a Ponta Delgada com algumas expectativas, entre elas, “algumas ideias para alguns projectos para concretizar aqui” e que, pelo menos por enquanto, não conseguiu levar adiante. Também o facto de este ser um mercado mais pequeno lhe trazia algumas expectativas relativamente ao sucesso que poderia vir a ter nas ilhas. No entanto, o artista está, neste momento, a repensar a sua actividade.
“No meu ponto de vista, esta não é uma profissão para se ganhar muito dinheiro, é uma profissão para se ganhar o justo para viver de uma forma simples, com alguma qualidade de vida mas sem grandes gastos. (…) Aqui, tenho uma colaboração com a Casa da Galeria, um alojamento local que incorpora a Galeria Fonseca Macedo, e fiz algumas tentativas em vários sítios que não funcionaram. Tive peças em alguns sítios para ver se começava a mostrar o meu trabalho e, eventualmente, começar a vender alguma coisa, o que também não funcionou, de maneira que estou numa fase de repensar, uma vez mais, como vou dar a volta a isto”, refere.
Outra expectativa, e uma vez que o mundo do chá – entre outros – é uma das suas grandes fontes de inspiração, estava relacionada com a cultura do chá, pensando que, por possuírem os Açores as únicas plantações de chá na Europa, que esta fosse uma cultura “mais desenvolvida e mais dignificada”, à semelhança do que acontece noutros locais produtores de chá, como o Japão, esperando assim poder “colaborar ao fazer peças para quem está envolvido no mundo do chá aqui”, assim como para as pessoas que apreciam a cerâmica do chá, o que acabou por não concretizar até agora.
Contudo, embora a realidade esteja aquém daquilo que desejava, Paulo Alves afirma que quando pensa no que vendeu nos últimos dois anos em que vive nos Açores, pensa “com carinho”, porque sabe que encontrou também pessoas que “sabem apreciar” o seu trabalho e que souberam demonstrar isso através da aquisição das suas peças.
Ciente de que o mais importante está na procura de soluções para o seu problema, e ciente também dos “desafios e limitações” que esta mudança de vida poderia implicar a título profissional, Paulo Alves salienta que uma das soluções passaria por encontrar um espaço para trabalhar onde se sinta bem e que tivesse amplitude suficiente para abrir o espaço para poder dar aulas e receber pessoas no atelier, que funcionaria também como uma montra onde poderiam ser adquiridas as suas peças.

Joana Medeiros

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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