Anahí Meyer Riera é natural de Palma de Maiorca, em Espanha, mas vive actualmente na ilha Terceira, onde se fixou e constituiu família, depois de um vasto percurso centrado nas artes, acabando por se tornar especialista em Conservação e Restauro de Bens Culturais, passando por cidades como Catalunha, Madrid, Minas Gerais e México, com o objectivo de acumular todo o conhecimento possível nesta área.
Filha de pai argentino, desde cedo desenvolveu o interesse em conhecer o mundo, sem nunca ter o receio de mudar de cidade ou de país, tendo o seu primeiro contacto com os Açores por intermédio de um programa de intercâmbio, local onde regressou depois de adquiridos os conhecimentos que lhe permitiam trabalhar na Biblioteca e Arquivo Público Luís da Silva Ribeiro, em Angra do Heroísmo, sendo, neste momento, bolseira através do Fundo Regional da Ciência e Tecnologia.
No que diz respeito à escolha por esta área de estudos, a especialista em Conservação e Restauro de Bens Culturais adianta que, desde pequena, tinha a certeza de que queria estudar algo relacionado com as artes, uma vez que se maravilhava com as várias formas de manifestação artística existentes, fossem elas alcançadas através da escultura, da arquitectura ou através da literatura.
Começou por estudar História de Arte mas, mais tarde, colocando de parte a opção de seguir uma carreira no ensino, e maravilhada pelos documentos e obras de arte antigas com que se deparava, acabou por se licenciar também em Conservação e Restauro de Bens Culturais, área que considera que une vários pontos que são do seu interesse, conjugando História da Arte com as habilidades técnicas e o conhecimento científico na área da Química e da Biologia, necessários para alcançar a conservação de um objecto. Ainda enquanto estudante, esta especialista em conservação e restauro teve a oportunidade de participar em vários projectos que a ajudaram a crescer em termos profissionais, passando pelo Museu de Arte da Catalunha e pelo Museu Reina Sofia, em Madrid, ganhando, inclusive, bolsas de estudo.
De momento, depois de vários anos a viver nos Açores, Anahí Meyer Riera encontra-se a trabalhar na sua tese de doutoramento, centrada numa pesquisa relacionada com o arquivo paroquial eclesiástico em três das nove ilhas açorianas, nomeadamente São Miguel, Terceira e Faial, uma vez que estas contêm registos documentais essenciais para a História do arquipélago mas que, por vezes, são armazenadas sem o devido tratamento técnico.
“Em grande parte das paróquias se conservam registos documentais, por vezes armazenados sem tratamento técnico, mas que são muito importantes para a História da Região. Não nos podemos esquecer que a Diocese de Angra foi fundada em 1534, quase nas primeiras décadas dos movimentos de povoação, portanto, tudo o que tenha a ver com a história eclesiástica acompanha a história das ilhas, e encontramos documentação muito interessante e relevante para os açorianos e para os que cá fazem a sua vida”, explica a restauradora.
Tendo em conta a sua área de especialização, o objectivo deste trabalho está directamente ligado com a conservação e restauro destes documentos antigos e não com a necessidade de encontrar novas informações que estes escritos possam reunir. No entanto, o primeiro passo num processo de restauro, seja no que diz respeito a obras de arte, à arqueologia ou à documentação começa sempre pela identificação do objecto que será alvo de intervenção com vista à conservação das características. Embora nas entidades públicas açorianas esta identificação esteja assegurada com a intervenção dos devidos profissionais, como historiadores, Anahí Meyer Riera realça que este é um trabalho multidisciplinar e interdisciplinar que, nos arquivos privados, como os arquivos eclesiásticos, pode haver mais dificuldade em assegurar.
Ainda no que diz respeito à sua tese de doutoramento, projecto para o qual conseguiu uma bolsa do Fundo Regional da Ciência e Tecnologia, a especialista em restauro de arte adianta que o seu trabalho consiste em “classificar, conhecer e fazer o devido diagnóstico de forma a identificar quais os agentes agressores existentes”, sendo que estes podem estar “dentro ou fora do objecto”, dependendo de factores como a forma de armazenamento dos mesmos ou a humidade relativa do ar.
Em acréscimo, a investigadora destaca a colaboração que tem existido com o Laboratório Regional de Veterinária, em Angra do Heroísmo, no sentido de serem feitas análises micro-ambientais que determinam que tipos de fungos existem no ambiente onde estão armazenados os diversos documentos, uma vez que estes são “os principais factores de deterioração dos documentos”, sem esquecer também a identificação de insectos – como são exemplo as térmitas e o caruncho comum, capazes de prejudicar negativamente o estado de conservação destes registos.
A partir deste diagnóstico, explica que será possível fazer uma proposta de salvaguarda a cada um dos arquivos paroquiais envolvidos nesta pesquisa, onde constará o sistema de armazenamento ou a climatização ideal, de forma a “transformar estes espaços das paróquias em pequenos arquivos habilitados para consulta”. Inclusive, a ideia passa também por tornar tudo disponível numa plataforma de software livre, com as devidas autorizações da Diocese, para que outros investigadores possam aceder às informações que estes arquivos contêm.
Embora as conclusões deste estudo possam representar para as paróquias uma necessidade de investimento, a especialista em conservação e restauro de arte e documentos realça que, por vezes, esse investimento não se reflecte em nada de muito significativo.
“Implica investimento, sim, mas por vezes o investimento não é tão significativo porque há muitas medidas que podem ser tomadas e que simplesmente implicam conhecimento: se abrimos ou fechamos uma janela, se temos uma rede protectora, se o tipo de aparelho de desumidificação que se está a utilizar é adequado ou se é necessário um aparelho mais potente, e a verdade é que, até agora, o que temos encontrado é uma grande disponibilidade por parte das paróquias, porque o projecto tem sido bem acolhido e até agradecido”, refere a investigadora.
Aplicando estas propostas de salvaguarda, a investigadora realça que aí será imprescindível a colaboração e o interesse dos recursos humanos, das pessoas que trabalham junto das dioceses e que podem aplicar este tipo de medidas, tornando assim o projecto “sustentável e de longa duração”, algo que sem a colaboração destas pessoas não será possível, conseguindo assim agir com uma “conservação preventiva, que significa actuar antes da deterioração ocorrer, e podendo ser feita por pessoas que não são necessariamente da área da conservação e restauro”.
De um modo geral, apesar da importância deste trabalho que se encontra a executar, e considerando que é “impossível” chegar ao património privado de todas as ilhas com os recursos que existem actualmente – mesmo sabendo que esta é uma situação transversal a todo o mundo – seria necessário uma aposta maior nas áreas que envolvem a conservação de todo o tipo de património cultural.
“O Património parece ser sempre uma necessidade secundária quando em comparação com outras áreas como a Economia ou a Política e, dentro da área do Património, também a conservação e restauro é uma área muito singular pois, normalmente, as necessidades de conservação do património artístico excedem as capacidades económicas e de recursos humanos que as instituições e as empresas privadas têm”, explica ainda.
Mais singular ainda se apresenta a conservação de património documental e do livro, uma das “áreas periféricas das artes, mas nem por isso menos valiosa”, tendo em conta que a conservação de documentos históricos contribui para que se proteja “a memória colectiva e individual”.
A par do trabalho que desenvolve neste momento, Anahí Meyer Riera faz também restauração de livros nos seus tempos livres, o que, para além de ser um dos seus passatempos preferidos, acaba também por ser funcionar como um sistema de investigação que lhe permite “identificar os elementos que fazem parte dos livros”, resultando, por outro lado, em peças únicas e distintas, reflexo das suas habilidades e do carinho que emprega aos objectos que restaura.
Joana Medeiros