Délia Oliveira, única terapeuta do riso em São Miguel, em Dia Internacional do Riso

“Os açorianos aderiram à terapia do riso e já fui convidada para ir à Madeira e Elvas”

 Correio dos Açores - Resumidamente, como nasceu o ioga do riso?
Délia Oliveira (Terapeuta do Riso) - O ioga do riso foi criado em 1994, na Índia, pelo Dr. Kataria. Este médico de clínica geral seleccionou cinco pacientes com a mesma patologia e fez terapia de riso com eles. A nível de resultados, verificou-se que aqueles que riam, comparativamente aos que não riam, tiveram uma melhoria significativa e que a terapia teve um efeito estrondoso na sua qualidade de vida. A partir daí, o Dr. Kataria procurou saber e pesquisar mais, tendo mesmo constatado que o riso é extremamente importante na vida do ser humano, a nível físico e mental. Por exemplo, na Índia, antes de irem trabalhar nas fábricas, as pessoas fazem 15 minutos de ioga do riso, em praça pública, pois isso torna-as mais produtivas, comunicativas e sociáveis.

Como se torna terapeuta do riso?
Tornei-me terapeuta do riso há quase 11 anos. Normalmente, o curso é feito no continente, mas, por sorte, a terapeuta que lecciona o curso de ioga do riso, da escola do Dr. Kataria, veio a São Miguel. Tive conhecimento da sua vinda através de uma colega e decidi arriscar. Desde criança que sou muito risonha e que gosto de rir.
O meu diploma é internacional, pelo que posso fazer terapia do riso em qualquer parte do mundo. Actualmente, sou a única terapeuta do riso em São Miguel.

O que é o ioga do riso, e qual a diferença entre terapia e ioga do riso?
Designa-se ioga do riso quando se faz apenas uma vez, ao passo que terapia do riso é quando se faz de forma continuada, por exemplo, todas as semanas.
Para mim, o ioga do riso é praticamente a base de tudo. Creio que é soltar a criança que está dentro de nós. Quando crescemos, aquela criança vai ficar dentro de um corpo de adulto, mas não desaparece. Quando estamos com preconceitos, preocupados com o que o outro vai pensar, a criança fica inibida e deprimida, e aí vêm as ansiedades e as depressões.

A quem se destina?
A terapia do riso destina-se a todos, mas em especial às pessoas que perderam o riso e querem recuperá-lo. O objectivo da terapia do riso é rir especialmente quando estamos mal. Ou seja, passa por estimular o riso mesmo sem vontade.

Actualmente, as pessoas riem muito ou pouco?
No tempo dos meus avós, as pessoas riam em média 400 vezes por dia, mas hoje não. Actualmente, há muita angústia, tristeza e ansiedade. As pessoas esqueceram-se de sorrir e vivem num estado de depressão constante, que é muito mau para a nossa saúde, pois se a pessoa viver triste vai adquirir muitas doenças.
Por exemplo, quando perdemos um ente querido sofremos imenso, mas a vida continua. Se não nos tratarmos, aí é que não vivemos. Temos que nos mentalizar que nós próprios é que somos as pessoas mais importantes das nossas vidas.
Em primeiro lugar, temos de gostar e olhar para nós, e só depois para a outra pessoa. Isso não é egoísmo.Conheço mulheres que põem o marido e os filhos em primeiro lugar, e elas ficam esquecidas. Ora, se colocarmos alguém à nossa frente na vida, vamos ficar impedidos de prosseguir, pelo que, ao contrário, devemos colocar as pessoas ao lado, de forma a caminharmos juntos. Devemos amar quem nos amar e nunca implorar amor ou amizade. Tudo isso se aprende na terapia do riso.

Qual a importância do riso? Rir é o melhor remédio?
O riso é muito importante. Aliás, o sorriso é a linguagem mundial. Através de um sorriso a pessoa pode expressar o seu estado de espírito e sem dizer uma palavra consegue demonstrar se algo agradou, mesmo sem compreender a língua.
O riso é um calmante natural que nos chama para o momento presente, para o “estar”. É como um medicamento, mas sem químicos. Não é á toa que vulgarmente se diz que rir é o melhor remédio.
Quando a pessoa está a fazer terapia do riso não se lembra do que se está a passar lá fora e, enquanto ali está, está a fazer um bem enorme à sua saúde.
O riso trabalha os pulmões e o coração. A razão de existirem tantas pessoas com problemas cardíacos é porque o coração vive triste. Ao darmos uma gargalhada, somos obrigados a respirar profundamente e trabalhamos todos os músculos do nosso corpo, assim como todos os nossos órgãos. Importa referir que temos 400 músculos no nosso corpo.
Quinzw minutos de riso constante, numa terapia, equivalem a 45 minutos de hidroginástica. No riso perde-se tantas calorias que ninguém imagina, até ficamos sem barriga de tanto rir.
Além disso, o riso liberta endorfinas e muita coisa que o nosso corpo vai acumulando no seu interior. Muita doença provém de não rir.

Existe uma relação directa entre riso e a longevidade?
Sem dúvida. Quando fiz o meu curso, foi referido que a pessoa que sorri prolonga o seu tempo de vida em oito anos. O riso é, ainda, uma forma de combater o cancro. As células morrem e dão origem ao cancro. Sorrir ajuda a prevenir e combater muitas doenças.  

Quais são os benefícios para a saúde nas diferentes faixas etárias?
Trabalho com pessoas dos três anos aos 90 e tal anos e o riso tem um valor distinto para cada faixa etária.
Para a criança, o riso chama à atenção para o “aqui e agora”, tornando-as mais produtivas e comunicativas. Numa sessão de riso, mesmo que as crianças não se conheçam e não sejam das mesmas turmas, todos riem. O riso é muito contagioso e não se consegue parar de rir quando estamos em grupo.
Quanto aos idosos, estes tendem a colocar-se dentro de um casulo e parece que o mundo acabou para eles. No caso das pessoas institucionalizadas em lares a situação piora, visto que muitos tendem a pensar que estão lá porque a família não os quer e que já não servem para nada. Neste caso, a terapia do riso faz-lhes entender por que razão estão ali, e faz com que se riam e fiquem alegres. Por vezes, nos lares, alguns idosos dizem-me já não saber rir. Eu respondo-lhes que naquele dia vão lembrar-se e que se vão rir comigo. No final da sessão, perguntam-me sempre quando regresso.
Relativamente aos jovens e adultos, trabalha-se a depressão, a ansiedade, a angústia. Tento capacitar-lhes que são as pessoas mais importantes das suas vidas, aumentar-lhes a auto-estima, que é fundamental, para que se valorizem. O riso faz imensa falta a todas as faixas etárias.

Qual a duração de uma sessão típica de terapia do riso e o que difere nas sessões de crianças, idosos e adultos?
Além dos exercícios de riso, que são comuns a todas as faixas etárias, quando estou a preparar uma sessão cujo público-alvo são os idosos, tenho que ir buscar músicas do seu tempo e coisas que eles gostavam, ao passo que, nos jovens, tenho que ir buscar algo actual com que se identifiquem. Com as crianças, nas escolas, foco-me muito no bullying, fazendo com que não tenham esses comportamentos nem julguem o outro. Vou, igualmente, buscar músicas actuais, com as quais as crianças se relacionem.
Na terapia que faço ao público, os exercícios de riso são imprescindíveis, mas também há dança, canto e relaxamento profundo, enfim, tudo o que nos leva à boa disposição. Normalmente, temos uma hora para rir e dançar.

Como evoluiu desde que começou, há 10 anos, até agora?
Ao longo destes anos, fui vendo o que as pessoas gostavam e fui-me aperfeiçoando. Fiz vários cursos, nomeadamente danças para sénior, cirandas, que são as das crianças, e danças em linha para os adultos. Além disso, dou danças circulares sagradas que são danças à volta de mandalas. Isto é, no centro existe uma mandala, que é o coração, e o grupo, que forma um só corpo, vai à roda e ao centro, a dançar. Procuro proporcionar um leque variado de opções.

Que feedback tem das pessoas?
É muito positivo. Sou das mulheres mais felizes do mundo, por aquilo que implanto nas pessoas. Adoro quando vejo um sorriso trabalhado.
Já fiz ioga do riso a médicos, advogados, enfermeiras, psicólogos, cegos, surdos, mudos, doentes mentais, toxicodependentes, etc. Nestes 10 anos, já fiz a pessoas de todas as faixas etárias e de todos os níveis sociais. Numa sessão de riso, não há diferenças, somos todos iguais, sendo que o que conta é o ser humano.
Recordo-me, em particular, de uma senhora que foi para um lar contra a sua vontade. Ela não queria falar com ninguém e ficava mesmo muito tempo sem falar. Quando fui lá fazer a terapia do riso, avisaram-me que ela não falava. Na sessão, ela colaborou, lembrou-se das letras das músicas e sorriu imenso. Sou uma pessoa de afectos, que beija e abraça. Se vejo que um idoso está a precisar de um abraço, eu dou.

Como é que a terapia do riso é encarada pela sociedade açoriana?
Quando a formadora veio aos Açores, ela partilhou connosco que lhe tinham questionado o que vinha fazer a São Miguel, pois éramos um povo mal-humorado e que não ia receber esta modalidade de braços abertos. Todavia, veio a revelar-se o oposto. Quero parabenizar e agradecer ao povo micaelense pela aceitação e referir que tenho sido muito bem tratada por todos. Inclusive, já fui convidada para fazer ioga do riso em vários sítios, nomeadamente Santa Maria, Madeira, Elvas.
Outro aspecto pertinente de referir é que a sociedade nos impingiu que rir muito e alto é mal visto. No meu tempo de escola, antes do 25 de Abril, havia um muito rigor nas aulas. Não podíamos sequer olhar para ninguém, quanto mais rir. Quando duas crianças se começam a rir numa aula, não há como aguentar, por mais que elas queiram. Antigamente, os professores mandavam imediatamente para a rua ou ponham de castigo. A meu ver, ao invés disso, deveria-se dizer para a criança ir lá fora acalmar-se e para regressar quando estiver mais calma.
Em casa dos meus pais éramos muitos filhos e lembro-me que quando estávamos à mesa, se algum de nós começava a rir, o meu pai mandava-nos logo sair da mesa. Ora, isso vai introduzindo que o riso não é bom, antes pelo contrário, que é necessário contê-lo, privilegiando a sobriedade e seriedade.

Que mensagem quer deixar neste dia?
Se o mundo todo sorrisse, não havia guerras. Aliás, podíamos conseguir a paz no mundo através do riso. Não tenham vergonha de rir à vontade e não se importem com a opinião dos outros. Só vamos ser verdadeiramente felizes quando deixarmos de nos importar com o que os outros pensam. Cuidem de si, valorizem-se e amem-se em primeiro lugar. Criem uma barreira quando alguém vos tentar deitar abaixo e não o permitam. Sejam solidários, ajudem ao próximo no que podem, mas nunca absorvam a negatividade do outro.
                              

Carlota Pimentel

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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