Há uma crescente adesão de turistas alemães, suíços, ingleses e franceses a aulas de surf em São Miguel

Correio dos Açores - Qual a história da Black Sand Box?
João Alves (Professor de surf) - A Black Sand Box surgiu numa altura em que eu já tinha praticamente concluído os estudos e estava a tentar perceber como ia configurar a minha vida e o que podia oferecer à comunidade local. Como sempre estive ligado aos desportos radicais, nomeadamente à vela, ao skate e ao surf, decidi criar, a par com a minha namorada na altura, o projecto Black Sand Box. O projecto iniciou-se no final de 2014 e foi implementado em meados de 2015. Inicialmente, montámos um parque de skate interior, juntamente com a escolinha de surf, pois era uma das lacunas de São Miguel. Não havia um espaço recreativo desse género. Entretanto, o parque de skate fechou e, actualmente, estamos apenas ligados ao surf. Desde então, o projecto cresceu imenso.

A equipa é composta por quantos profissionais?
Temos uma equipa grande, a qual tentamos manter para que haja alguma coesão no que é transmitido aos nossos alunos.
Neste momento, sou eu, o Erik Wulf, o Fred Quintela, o Mário Sabino e a Stina Mussman, que vêm para as temporadas grandes de Verão. Além destes, tenho outros dois rapazes que vão começar brevemente, designadamente o João e o Gustavo. Considero que é uma equipa bastante sólida e multicultural.

Na equipa da Black Sand Box, existem professores especializados em determinadas faixas etárias?
Como professores de surf temos que estar preparados para leccionar a qualquer faixa etária ou nível de surf. O que eu gosto mais de fazer é surf coaching. Esta é uma fase mais avançada do surf, direccionada a treino para competição. Neste caso, o professor funciona como uma espécie de mentor, que trabalha maioritariamente a parte psicológica e de vídeo correcção.
Importa referir que todos os outros professores de surf também podem fazer esse trabalho, mas a maioria faz iniciação ao surf e trabalha com o surfista intermédio. O surfista intermédio é aquele que já quer desenvolver um pouco o seu surf e vai para as ondas do outside.  

Qual a principal qualidade que procura nas pessoas com quem trabalha?
Considero importante ter uma equipa que fale várias línguas e que venha de meios diferentes, na medida em que isso torna-a mais rica em termos de cultura, de dinâmica, de formas de ensinar. Procuro, sobretudo, pessoas que estejam felizes a fazer o seu trabalho, cujo principal objectivo seja proporcionar momentos únicos a quem nos procura para uma aula de surf.
A meu ver, quem nos procura fá-lo para ter momentos únicos e diferenciados, uma experiência memorável.    

Qual é a localização das aulas?
Apesar de estarmos sedeados em Ponta Delgada, somos uma escola móvel. Diariamente verificamos a previsão do tempo e vamos, com as nossas carrinhas, para a praia que oferecer melhores condições na ilha. O facto de sermos uma ilha proporciona-nos a vantagem de poder encontrar um cantinho que esteja mais abrigado do vento e das ondas grandes, de modo a proporcionarmos as melhores condições a quem nos procura para ter aulas de surf.
Normalmente, no Sul, damos aulas na Praia das Milícias e, no Norte, leccionamos na praia de Santa Bárbara.

Qual a melhor praia de São Miguel?
Considero que a praia de Santa Bárbara é a mais consistente e a que oferece melhores condições para a prática de surf.  

Dão aulas particulares e aulas de grupo. Que modalidade tem mais procura?
Geralmente, as aulas em grupo são as mais procuradas, todavia, nos últimos anos, as aulas privadas têm crescido bastante. Muitos casais procuram uma experiência mais reservada, além de que existem outros que procuram um tipo de aula mais especializada. Americanos e canadianos procuram muito este tipo de serviço.

O que procuram os alunos que chegam à Black Sand Box e o que os faz ficar?
Quem nos procura sabe exactamente o que quer, pois não temos publicidade em lado nenhum. Crescemos sempre organicamente, quer nas redes sociais, quer no website. Creio que quando as pessoas pesquisam surf nos Açores, vêem que o feedback da nossa escola é muito bom e que cresceu muito nos últimos anos. A posteriori, contactam-nos nos canais directos, no Whatsapp ou pelo e-mail e marcam as aulas connosco. Além disso, como temos uma rede considerável de alunos, a informação boca a boca vai passando.

De onde vêm maioritariamente os vossos alunos?
Do centro da Europa, especialmente da Alemanha e da Suíça, devido ao historial da ilha. Isto é, os alemães vêm para os Açores há muitos anos. Recentemente, abriram-se novos mercados como a América e o Canadá, embora já estejamos ligados a eles há muitos anos.
O ano passado tivemos alguns franceses e muitos ingleses, por causa das ligações aéreas da Ryanair. Vamos tendo, aos poucos, espanhóis, gregos e italianos, se bem que estes não procuram esse tipo de serviço, talvez porque os valores sejam um pouco elevados e, aos latinos, não lhes apraz muito pagar. Estão sempre a regatear os preços.
Os alunos vão desde e até que idade?
Temos um clube associado à empresa Black Sand Box, especialmente dedicado à comunidade local, onde oferecemos uma quota de associado em que se paga um determinado valor por mês e as pessoas usufruem de um certo número de aulas. As aulas, normalmente, são ao fim-de-semana, período em que os miúdos não têm escola e a maioria das pessoas não trabalha.
Neste clube, temos alunos desde os quatro a cinco anos, dependendo da aptidão física de cada criança, aos 60 e tal anos. Como prova disso, o professor universitário José Cabral Vieira está connosco há cinco anos.

Que feedback têm das pessoas?
As pessoas, de uma forma geral, gostam do nosso sistema de trabalho. É muito raro haver uma crítica negativa, o que não considero algo mau, na medida em que é bom haver críticas que façam evoluir a empresa e os colaboradores.
O feedback é muito bom, as pessoas dizem sentir um espírito muito positivo, havendo muita atenção ao pormenor e aulas com qualidade.
Importa salientar que, muitas vezes, não é fácil dar uma aula de surf nos Açores, pois não somos um destino máximo de surf. A Região sofre com muitas tempestades, há muita água a mexer e correntes, o que não é fácil para quem trabalha na área.
Ao haver uma semana com menos qualidade de surf, as pessoas ficam desapontadas, pelo que poderão surgir mais críticas.

Em sua opinião, o que faz uma boa escola de surf e o que a diferencia das outras, para não ser considerada “mais uma escola”?
Creio que o que faz uma boa escola de surf são as pessoas. Saber ouvir e saber estar perante a diversidade de clientes que temos e, sobretudo, fazê-los sentirem-se bem, acolhendo-os, proporcionando uma actividade diferenciada.
Creio que o que diferencia uma escola de surf das outras é o espírito de equipa. Desde o início do projecto tentei criar uma equipa diferenciada e multicultural, que seja boa ouvinte e não se limite a apresentar os Açores e as suas ondas. Temos uma equipa extremamente atenciosa e que proporciona bons momentos.

Como descreveria a sensação de ajudar alguém a dar os primeiros passos no surf?
A parte mais satisfatória é, realmente, introduzir os nossos alunos nesta actividade e perceber quanta adrenalina isso cria nas pessoas, além dos sorrisos que gera.
O surf é um desporto diferenciado e a energia que transmite às pessoas é incrível. O mar tem muito poder, é uma força da natureza enorme e aproveitar as ondas que são criadas naturalmente para nos dar energia é muito revigorante.
As pessoas sabem o que é uma onda, mas não sabem “ler” o mar. Após algumas aulas, aprendem como funciona o mar, as correntes e as ondas. Ver estas pessoas em segurança no mar, a trabalhar as correntes, completamente autónomas, é muito gratificante e enriquecedor para nós, professores de surf.

O Surfcamp faz parte da Black Sand Box? Em que consiste?
O Erik Wulf é quem está à frente do Surfcamp e trabalha em parceria connosco. Há três anos, criámos o Surfcamp, um programa em que as pessoas ficam em São Miguel durante uma semana, têm um curso intensivo de surf e usufruem, ainda, de outras actividades, tais como passeios pela ilha, degustação da comida local, entre outras.

Em que aspectos a Região podia melhorar, de modo a proporcionar melhores condições ao turismo de surf?
Acima de tudo, considero que tem que haver investimento nas nossas praias. Há pequenos detalhes que fazem a diferença. A acessibilidade às praias, os chuveiros, os balneários, entre outros, são aspectos que ainda não estão consolidados.
A Praia das Milícias é muito visitada e, em termos de infra-estrutura, está um pouco ao abandono. A limpeza da praia no Inverno é terrível. A praia está sempre suja, com plástico na areia.
Por exemplo, eu levo um grupo de turistas para uma aula de surf e ao chegarmos à praia, esta está extremamente suja. Ora, para quem está a mostrar a ilha e a dar a cara pela marca Açores é triste.
Recordo-me de um episódio em que encontrei a praia de São Roque cheia de seringas. Perante isto, como posso dizer a uma pessoa que está tudo bem, para não se preocupar?! Creio que situações como esta poderiam ser facilmente resolvidas se o Governo tivesse pessoas em permanência nas praias. Na minha opinião, a Praia das Milícias e a Praia de São Roque deviam ser limpas todos os dias.     

Como perspectiva a evolução do mercado das escolas de surf nos próximos anos?
O mercado está em franca expansão. Há muitas escolas de surf no país e cada vez aparecem mais. A nível de regulamentação, considero que a legislação ainda precisa de alguns ajustes, por pessoas que estejam dentro do assunto.
No continente há muitas escolas de surf e há muita discussão acerca do espaço da praia, ou seja, quem tem prioridade para dar aulas. Nos Açores, apesar de termos empresas distintas, temos o cuidado de falar uns com os outros, de discutir o que nos preocupa e, acima de tudo, deixar a praia livre para todos aqueles que querem usufruir dela.
Na Região, o nosso espaço geográfico é reduzido, pelo que este nunca poderá ser um grande mercado de surf, pois é incompatível com a nossa situação natural. Não podemos ser todos professores de surf, guias de trilhos pedestres ou skippers de whale watching, visto que existe uma limitação natural para tudo. Não podemos ter 50 barcos de whale watching para uma baleia.
No turismo nos Açores, as entidades competentes deviam privilegiar a qualidade e não se concentrar apenas nos números.  

Que projectos tem em carteira para a Black Sand Box?
Queremos manter a nossa dinâmica de grupo como está e oferecer o serviço tal qual como o fazemos actualmente. Em termos de crescimento, é claro que todas as empresas querem crescer, mas eu vejo a Black Sand Box como um projecto de estabilidade e de compromisso com a qualidade que sempre oferecemos.
Além disso, como referi, o surf nos Açores é muito sensível e não há espaço para muito mais.                                      

Carlota Pimentel

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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