Correio dos Açores - Há quantos anos é Presidente da Casa do Povo de Capelas e como começou o seu percurso nesta instituição?
Carlos Sousa (Presidente da Casa do Povo de Capelas) - Sou Presidente da instituição há cerca de 12 anos, mas pertenço aos órgãos sociais da Casa do Povo há mais de 20 anos, tendo entrado como Vice-presidente. Eu era Director dos serviços de emprego do Governo Regional e reformei-me muito cedo, através de uma legislação denominada a Lei dos Disponíveis. Como me reformei prematuramente e ia ficar sem emprego com uma idade muito inferior a 50 anos, entendi que deveria entregar-me a uma causa social, pelo que entrei para a Casa do Povo, onde me encontro até aos dias de hoje.
Que evolução sofreu a Casa do Povo ao longo dos anos?
Há cerca de 20 anos, a Casa do Povo tinha um centro de convívio de idosos provisório, assim como um ATL provisório, que aliás permanece até à actualidade em instalações provisórias, e apenas um funcionário que era encarregado das instalações.
Ao longo dos anos, foi crescendo nas suas valências, de maneira que actualmente contamos com mais de 60 funcionários. Na altura, não havia sequer uma viatura, ao passo que hoje temos 15 viaturas. Havia o sonho da realização de um centro de convívio que foi concretizado em 2005, bem como a ideia da construção de uma creche, que se veio a executar em 2012.
A nossa acção não se cinge à vila de Capelas, na medida em que a nossa área de intervenção vai dos Fenais da Luz ao Pilar da Bretanha em algumas valências. No que se refere ao banco de produtos de apoio, em ajudas técnicas, crescemos imenso e estamos a actuar na ilha inteira com a cedência de camas articuladas, cadeiras de rodas, andarilhos, entre outros equipamentos.
Receberam recentemente uma doação de equipamentos para pessoas acamadas ou com mobilidade reduzida da comunidade de emigrantes dos Estados Unidos da América…
Há cerca de 10 anos, lançámos uma campanha para as pessoas que tivessem “monstros” em casa e que não soubessem o que fazer com eles, que a Casa do Povo estava na disposição de os aceitar, para servir as pessoas que precisassem. Já nesta altura, havia uma lista de espera, de pessoas necessitadas, razoável.
Alguns emigrantes capelenses, sobretudo dos Estados Unidos, souberam da iniciativa através das notícias e entusiasmaram-se. Então, Duarte Câmara e os Amigos Unidos de Fall River organizaram-se de maneira a receber donativos nos Estados Unidos que nos foram enviando.
A última foi uma grande doação que chegou no Dia de Reis, vinda precisamente dos Estados Unidos da América. Eles tiveram conhecimento que, na área de Boston, havia uma clínica que iria ser desmantelada e anteciparam-se, recolhendo imenso material para pessoas acamadas ou com mobilidade reduzida, nomeadamente 40 camas, 55 colchões anti-escaras, várias cadeiras de rodas, andarilhos, entre outros equipamentos.
Com isto, conseguimos colmatar as necessidades das pessoas que tínhamos em lista espera, como também algumas necessidades de outros organismos, tais como o hospital e cuidados paliativos ou continuados que têm falta de material. Por exemplo, a propósito, soubemos que o Hospital do Divino Espírito Santo tem falta de 10 camas.
Actualmente, existem seis valências na Casa do Povo de Capelas. Quantos utentes tem cada uma e que trabalho desenvolvem?
A Casa do Povo de Capelas detém seis valências, designadamente creche, centro de actividades de tempos livres, centro de convívio de idosos, centro de formação e acompanhamento técnico de prestadores de cuidados ao domicílio, centro de atendimento e acompanhamento psicossocial ao idoso e centro de atendimento e acompanhamento psicossocial – R.S.I. (Rendimento Social de Inserção).
A creche tem 52 crianças e em 10 anos de vida tem tido uma procura fantástica. As instalações são atractivas e funcionais, e os funcionários têm sido fantásticos.
Temos dois centros de actividades de tempos livres, que compreendem, juntos, cerca de 60 a 70 crianças, sendo que um funciona, há muitos anos, no centro da vila de Capelas e o outro está ligado às novas rotas, funcionando na Quinta do Norte, da Norte Crescente.
O Centro de Convívio de Idosos é outra valência importante, visto que ocupa, pelo menos, dois dias por semana, da parte da tarde, cerca de 20 idosos, com mais de 65 anos. Por vezes, estas pessoas sentem-se muito sozinhas em casa, pelo que vamos buscá-las para passar uns momentos juntos.
Quanto à prestação de cuidados ao domicílio, considero-a uma valência fundamental hoje em dia. Normalmente, temos cerca de 20 prestadores, sendo que este número oscila ao longo do ano conforme as necessidades, que trabalham aos pares, todos os dias, desde as 07h00 da manhã às 21h00, por vezes. Estes prestadores dirigem-se a casa das pessoas, dos Fenais da Luz à Bretanha, para tratar dos acamados sobretudo, dando-lhes banho, fazendo higienizações, entre outros serviços. Tenho acompanhado o trabalho fantástico que desenvolvem, sempre com um sorriso na cara, apesar de ser um labor difícil e complicado para o qual, no meu entender, é necessária uma vocação especial.
Além disso, temos as valências inerentes a estes serviços de acção social, que apoiam pessoas necessitadas, dependentes do rendimento social de inserção.
Neste aspecto, desenvolvemos algumas acções que considero pertinentes de referir, nomeadamente levámos a cabo algumas acções de culinária, com o objectivo de ensinar as pessoas a fazer sopa, a escolher os seus alimentos de forma consciente, tendo em conta que há muita gente que come apenas “porcarias” em pacotes plásticos e bebe refrigerantes. O propósito passa, ainda, por ensinar as pessoas a economizar, aproveitando restos de comida para fazer novos pratos. Na pandemia, fizemos cerca de três cursos de informática, com o objectivo de capacitar os pais, de modo a que conseguissem ajudar os filhos com as aulas online, pois muitos não sabiam tirar proveito das ferramentas que um computador disponibiliza. Em suma, o propósito é mudar mentalidades e dotar as pessoas de novas aprendizagens, para que se modifiquem e evoluam.
Recentemente, aderimos a um programa embrião designado de Proinfância. Vamos ver o que conseguimos fazer no âmbito deste projecto.
A Casa do Povo tem, sobretudo, o propósito de servir a população…
Além da comemoração dos 50 anos da constituição da Casa do Povo de Capelas, comemoramos 90 anos da criação das casas de Povo a nível nacional, assim como se celebra 40 anos da atribuição do título de utilidade pública às casas do povo. Ou seja, estas são tidas como Instituições Particulares de Solidariedade Social e existem porque existem pessoas que necessitam delas.
Antigamente, as casas do Povo eram quase que terminais da Segurança Social, onde as pessoas iam entregar as suas contribuições, tratavam das suas pensões de velhice, assim como de problemas de saúde, entre outros. Hoje em dia, somos IPSS, pelo que a parte social é que está em jogo.
A propósito dos 50 anos, fiz um hino que se foca, precisamente, neste aspecto, intitulado “O Gosto de Servir”. Passo a citar uma parte do hino: “Podes ser a mão que sustenta a vida; Podes ser amor que resiste ao tempo; Tens uma missão, que vai ser cumprida; Basta um sorriso, um só aceno, Avança sempre, nunca sozinho; Navega junto, em mar azul; Enxuga lágrimas, no teu caminho; Semeia esperança, de Norte a Sul. Os dias passam, no seu furor; A luz desmaia, o sol desponta; Somos alento, p’ra muita dor; Somos companheiros, vezes sem conta.” A meu ver, este excerto descreve bem a missão de uma Casa do Povo hoje em dia.
Que dificuldades sentem?
Há muitos que se queixam de falta de dinheiro, o que corresponde à verdade, na medida em que há falta de verbas para muita coisa. Todavia, com uma gestão razoável, considero que se vai coordenando.
Não temos condições para manter o ATL como está. Estamos há mais de 20 anos à espera de um ATL condigno, construído de raiz. Entendemos que há problemas que surgem e que estes estão a ser tratados, mas levam imenso tempo a serem resolvidos. Gostava de ver um ATL ainda antes de partir para outra dimensão.
Qual o nível de pobreza na zona de Capelas? Tem havido muitos pedidos de auxílio?
Nós somos intermediários do Banco Alimentar, não distribuímos alimentos por nossa conta e risco, pois não temos condições para isso.
Temos duas assistentes sociais que trabalham permanentemente na rua a acompanhar e a encaminhar casos de muita pobreza e fome.
Costumo dizer que há os “felizardos” que fazem parte das listas há muito tempo, porém há outros que não fazem parte dessas listas e que estão a sofrer, neste momento, com as consequências do aumento dos preços. Nestes casos, é preciso acompanhá-los e, sobretudo, encaminhá-los. Quando não temos capacidade de resolver, temos obrigação de encaminhar esses assuntos para outros organismos que possam dar resposta.
Há cerca de 60 e tal instituições que trabalham no sentido de tratar de pessoas e dos seus problemas no concelho de Ponta Delgada, pelo que é necessária uma coordenação, de modo a que nos entendamos todos.
Sabemos que há pobreza e também que há sempre o estigma de referirem haver “muito malandro que não quer trabalhar”, pelo que o que se pode fazer é ir ajustando e encaminhando, na medida do possível. É um facto que a nossa sociedade enfrenta, hoje, problemas gravíssimos.
Que iniciativas são promovidas, de forma a assinalar o 50º aniversário?
Entendemos que ao longo de 2023 vamos fazer várias comemorações. A primeira vez que a comissão organizadora reuniu, depois de tomar posse, foi no dia 25 de Julho de 1973, por isso, já está marcada a sessão solene de comemoração dos 50 anos neste dia.
Além disso, reunimos com muitas forças vivas da vila de Capelas, no sentido de cada uma dessas instituições fazer a sua acção. Creio que é importante envolver a banda da música, a arte, os motards, os escuteiros, o desporto, através do Capelense Sport Clube, enfim, todas as nossas forças vivas nas comemorações de uma Casa que é de todos.
Para além do hino, que foi estreado no dia 14 de Janeiro, também constituímos a nossa bandeira. A Casa do Povo tinha um pano artesanal feito há alguns anos, pelo que fizemos a nossa bandeira e içámo-la, ao lado da nacional e da regional.
Que projectos tem em vista para o futuro da Casa do Povo de Capelas?
Se mantivermos o ritmo de crescimento que temos tido, já é muito bom. A meu ver, não é preciso crescer muito, basta manter a qualidade do serviço que prestamos. Como referi, o sonho é ter um ATL novo, construído de raiz, com condições e, talvez, caminharmos também para um centro de dia. Há muita gente, já com determinada idade, que vive sozinha, e se tivesse um centro de dia poderia passar o seu dia de forma mais útil e agradável, juntamente com outros. Contudo, é melhor não sonhar muito porque estas coisas levam muito tempo até se tornarem realidade.
Carlota Pimentel