Correio dos Açores - Têm sido detectadas baleias feridas no mar dos Açores devido a abalroamento de navios. Em que dimensão isto ocorre?
Rui Prieto (Investigador Auxiliar do Okeanos) – Na verdade, não sabemos a autêntica dimensão do problema tanto nos Açores como a nível mundial. Temos vários registos, alguns foram colhidos directamente, outros foram-nos enviados, por fotógrafos ou turistas em embarcações de whale watching, que indiciam que existem abalroamentos a cetáceos nos Açores, principalmente a cachalotes, sendo que também temos casos de baleias anãs, baleias comuns, baleias sardinheiras, entre outras. Ou seja, sabemos que existe, mas a dimensão real do problema não está quantificada e é muito difícil determinar.
Por que motivo é difícil quantificar e o que poderia ser feito para evitar os abalroamentos?
A quantificação é muito complexa por vários motivos. É muito difícil detectar os animais que são abalroados, porque conseguimos vê-los ocasionalmente, mas muitas vezes esses animais são abalroados, afundam e não são detectados. Por outro lado, alguns animais podem até ser feridos, sobreviver ao abalroamento e ficar com sequelas. Ou seja, por exemplo, podem ficar com a sua capacidade reprodutiva afectada e não apresentarem indícios exteriores de que houve abalroamento. Por isso, é um problema complexo para quantificar.
No entanto, há medidas para tentar diminuir os incidentes. Uma das medidas consideradas mais eficazes a nível mundial, e que foi bastante discutida no workshop, é a diminuição da velocidade das embarcações, de maior e menor porte. Por um lado, isso confere mais tempo, tanto às embarcações como aos animais de se aperceberam da presença uns dos outros e terem tempo de reacção, evitando as situações de abalroamento. Um dos problemas, que ainda não percebemos muito bem porque acontece, prende-se com o facto de, por vezes, a reacção dos animais não ser a de fugir à presença das embarcações, sendo que isso pode ocorrer por vários motivos, designadamente os animais não se aperceberem que a embarcação está lá, pois não a conseguem ouvir, ou porque estão tão focados em outras actividades, como por exemplo, a caçar as suas presas. Por outro lado, ao andarem mais rápido, as embarcações também têm mais dificuldade de se aperceber da presença dos animais, a não ser quando já estão muito perto destes, não havendo tempo de reacção. Assim, ao diminuir a velocidade das embarcações, aumentam-se os tempos de reacção. Além disso, está provado que ao diminuir a velocidade das embarcações, os incidentes que ocorrem são menos graves.
Qual o limite de velocidade que devem atingir as embarcações?
Há alguns estudos que indicam que, por volta dos 10 nós, ou seja, a 10 milhas por hora de velocidade das embarcações, os incidentes começam a ser cada vez mais graves, conforme vai subindo a velocidade das embarcações. Por isso, o limite mínimo de segurança é por volta dos 10 nós.
Além do limite de velocidade, há algo mais a fazer?
Obviamente, a estratégia passa por estar atento. O projecto Ocean começou em Outubro do ano passado e a realização deste workshop foi uma das grandes actividades de início do projecto, para discutirmos quais são as possíveis soluções.
Aliás, um dos grandes objectivos do projecto Ocean é apresentar, às tripulações das embarcações, de grande e médio porte, informação sobre os locais onde possam existir maiores concentrações de animais, para que as tripulações estejam atentas e tomem medidas preventivas, antes de chegar ou ao planear cruzar uma área em que há mais probabilidade de ocorrerem acidentes.
Além disso, temos uma série de soluções, que vamos tentar implementar, de previsão da ocorrência das zonas de maior perigo, assim como transformar essa informação em algo que seja fácil de interpretar pelas tripulações e que chegue às mesmas, de forma eficaz e atempada, para que estas possam tomar medidas atempadamente, mudando o seu rumo e a sua velocidade.
Considera que tem havido falta de atenção por parte dos navios?
Não poria as coisas nestes termos. O que acontece é que é muito difícil detectar os animais. Se observadores treinados têm dificuldade em detectar os animais, imagine-se as embarcações que não têm observadores treinados a bordo. É uma problemática complexa, pois, de facto, há uma enorme dificuldade em detectar os animais atempadamente.
Mesmo que se ponham observadores dedicados, não se consegue ver os animais quando estão a uma distância muito grande dos navios. Para termos uma ideia, um cargueiro ou um petroleiro de grandes dimensões precisam de, pelo menos, 20 a 30 minutos de antecedência para fazer qualquer alteração de velocidade ou rumo devido ao seu tamanho.
Isto é, a massa de um navio é tão grande, compreendendo dezenas de milhares de toneladas, que mesmo que se corte completamente a velocidade da embarcação, o navio continua a andar durante várias milhas náuticas, por inércia. Neste sentido, a solução não está apenas nas mãos das tripulações. Há coisas que podem ser feitas, contudo há outras que são impossíveis de controlar. Por isso, estamos a tentar é dar às tripulações ferramentas para que estas possam agir atempadamente, algo que muitas vezes não é possível com os meios tecnológicos que existem.
Relativamente aos ferimentos das baleias, como é que estes evoluem posteriormente?
Há vários tipos de ferimentos que podem ocorrer nos animais. Ao serem atingidos por um navio, podemos pensar que isso pode ocorrer de formas diferentes. Por exemplo, podemos ter um navio que atinge uma baleia de forma perpendicular, ao centro do animal, e aí atingiria com a quilha do navio, podendo causar fracturas internas muito graves na coluna do animal, o que seria visível externamente, à partida. Em outras situações, os animais são sugados pelo fluxo da água nas hélices e apresentam cortes profundos, que são visíveis, e podem ser letais, ao causar uma hemorragia tão grande que os animais acabam por morrer. Se os ferimentos forem relativamente superficiais, pode ser que se curem, mas ficarão sempre como cicatrizes. Além disso, há abalroamentos que não são visíveis externamente. Se o barco atingir o animal no lado do casco, ao invés de centralmente com a quilha, podem ocorrer danos internos no animal, nomeadamente hemorragias internas, fracturas no esqueleto, que não são visíveis de forma exterior. Porém, os animais podem vir a morrer pelo trauma resultante da força bruta de impacto, sem haver nenhum indício exterior e isso só se pode avaliar se houver uma necropsia do animal. Se não tivermos acesso ao animal para fazer a necropsia, nunca saberemos se morreu disso.
Que balanço faz do workshop sobre a problemática do abalroamento de baleias? Acredita que haverá maior sensibilidade para esse problema?
O workshop foi um sucesso. Tivemos a participação de cerca de 40 pessoas, contando com as que estiveram presentes no Faial, assim como com as pessoas que assistiram remotamente através de videoconferência. Aquando do evento, houve uma discussão bastante exaustiva de toda a problemática e de todas as soluções que estão a ser testadas a nível mundial, além de que houve um feedback muito bom dos especialistas envolvidos no workshop sobre o trabalho que está a ser desenvolvido, tanto pelo projecto como pela comunidade local. Houve, ainda, a oportunidade de criar sinergias com instituições que participaram no workshop. A Escola do Mar teve a oportunidade de criar mais sinergias com potenciais parceiros na Europa e nos Estados Unidos. O Okeanos também criou novas sinergias e reforçou outras que já tinha com parceiros nos dois lados do Atlântico, pelo que foi bastante produtivo.
Com o desenvolvimento do projecto nos próximos três anos, esperamos poder contribuir para a diminuição do impacto deste problema nas populações de cetáceos.
Carlota Pimentel