Economista açoriano Tomaz Dentinho

“O melhor investimento que se pode fazer hoje nos Açores é pagar a dívida”

Que análise faz à situação económica nos Açores?
A situação económica dos Açores tem um ponto negativo que vem de trás, que é uma divida pública enorme e que restringe muito o desenvolvimento da Região. Provoca desemprego e despovoamento. Essa dívida, com o aumento dos juros, vai, naturalmente, provocar mais danos ainda em termos de emprego e de redução da população e da actividade económica. Por outro lado, há sinais positivos no aumento do preço do leite devido à escassez em termos mundiais e, também, na retoma do fluxo de turistas que tem um impacto grande na economia. O factor negativo é o peso que vem de trás e que não sei se pode ser tratado com a redução da dívida acentuada, negociada com a Europa e com o Continente. Por outro lado, há de facto bons sinais e há que reforçar aquilo que fez com que houvesse o aumento de turistas que foi a liberalização nos transportes aéreos.

O endividamento zero é razoável?
O endividamento zero é razoável porque os dados públicos, normalmente, não têm o escrutínio e a avaliação custo-benefício que deveriam ter. Se tivessem essa avaliação, seriamente bem-feita, nessa altura é possível que alguns investimentos públicos gerem rendimentos futuros, que são depois, de alguma forma, captados pelos impostos para pagar essa dívida. Caso contrário, acaba por ser um peso como estamos a ver porque, no fundo, o endividamento é para manter o poder da Região junto da criação de emprego sem ter dinheiro para o fazer ou então para fazer obras de fachada que servem para pouco e para alimentar construções civis que, segundo percebemos, dão dinheiro às maquinas partidárias. Creio que o povo açoriano já percebeu - e o português também - que mostrar obra com divida é prejudicial e, naturalmente, que os governos da República estão preocupados em não fazer aumentar a dívida que está a limitar o crescimento e, no caso dos Açores, está a promover o despovoamento.

O facto do Governo não se endividar não passa para o sector privado uma maior propensão para se endividar?
Não necessariamente. O Governo tem de gastar o dinheiro que é pago pelos impostos e, eventualmente, quando sucede uma crise como aconteceu com o Covid, tem de ir buscar dinheiro para manter o emprego e evitar que haja uma crise regional grande. Isso aconteceu aqui e no continente e, naturalmente, que durante a crise do Covid, aumentaram os gastos públicos para manterem o emprego quando esse emprego não era produtivo. Mas, quando passa a crise, os governos só se deveriam endividar em obras cujo retorno sirva para pagar  impostos. Ou seja, quando se fizer uma autoestrada no continente que gere lucros, não faz mal nenhum fazer. Agora, se essa auto-estrada não é pagável, não vale a pena fazer dívida para isso. Como recentemente, de algumas décadas a esta parte, os Governos dos Açores faz dívidas para investimentos que não têm retorno, ou seja, que são apenas de fachada. Nessa altura, as pessoas preocupam-se e não querem que o Governo contraia essa dívida porque manifestamente têm tido um mau desempenho na escolha dos projectos que fazem.
Quais são as suas perspectivas para o futuro da economia açoriana?
Acho que isso depende, em primeiro lugar, da negociação da dívida. Penso que esse dinheiro que vem agora do PRR devia ser para, de facto, pagar a dívida. Para pagar dívida ou para saldar PPP’s – Parcerias Público Privadas (como a SCUT em São Miguel). Não é necessário fazer obra nova, basta comprar aquela que já foi feita e sobre a qual estamos a pagar dívida. Devemos, fundamental, reduzir a dívida que temos porque os juros estão altos …. Como são muitos milhões, de facto, o impacto é grande.
A melhor forma de aumentar o emprego é reduzir a dívida neste momento. Com as notícias de aumento do preço do leite, cada hectar gera 25 empregos e, por cada 100 turistas, são 3,4 empregos ao longo do ano. Como o leite está a subir de preço e como os turistas estão a aumentar, há é que reforçar estes sectores. Nós temos de ganhar mais valor acrescentado no leite com uma aposta das fábricas e da iniciativa privada na produção de lacticínios com mais valor acrescentado. E, do ponto de vista turístico, há que, definitivamente, liberalizar o transporte entre ilhas e não apenas as ligações que temos do Continente. E, sobretudo, há que resolver o problema da SATA. Há que liberalizar os transportes aéreos e vender a SATA ou, então, criar uma SATA mais pequena que seja viável do que aquela que nós montamos e que é um sorvedouro enorme.
Finalmente, há que reduzir, seriamente, o gasto na saúde como foi indicado no relatório de uma da agência de rating. O que aconteceu foi que, quando passaram para as 35 horas em termos gerais, a Saúde passou de 240 milhões de euros para 360 milhões de euros, mais de 50%. E a produtividade baixou, o número de consultas baixou e aumentou a mortalidade. A Saúde, com este indicador das horas extraordinárias, é um autêntico cancro para a Região e para o país também porque está a ser elegível ao nível da região e do país em termos de gastos pelo relativo mau desempenho que têm.

Quando nos pagarem mais Saúde e mais Educação perdemos mais Autonomia

Acredita que surja no horizonte uma Lei de Finanças Regionais em que a República assuma maiores gastos com a Saúde e com a Educação?
Pode ser por aí, mas perdemos Autonomia. Podemos sempre abdicar de autonomia, o que é um mau sinal. Nós temos a vantagem de ter, de alguma forma, a responsabilidade de assumir esta autonomia com responsabilidade.
Aliás, o Governo da República dá dinheiro e, em contrapartida, vende o mar dos Açores a Bruxelas. Não há nada que se tenha em que não haja uma contrapartida. Se a Região quer perder a Autonomia do mar, como perdeu para ter algumas benesses, pode retomá-la porque, normalmente, a gestão do mar é melhor feita na proximidade como é claro dos Açores.
No tempo do Covid também se notou que era necessária alguma autonomia regional para se gerir melhor a crise do Covid. Portanto, perdendo isso, ficamos sem optimizar os recursos que temos.

O que está a tentar dizer é que a República poderá suportar maiores gastos com a Saúde e com a Educação na Região, mas vai querer mandar ou querer uma contrapartida.
Isto é natural, quem paga, manda. É normal que seja assim. Quem paga sistematicamente, manda. O que o Governo da República pode fazer é, de alguma forma, por exemplo, nós ficamos com o dinheiro do PRR, e reduzimos o valor da dívida. Isso é possível negociar com Bruxelas e, de facto, os fundos comunitários não têm efeito em termos de emprego porque são gastos depressa em obras que não são necessárias e não têm um efeito multiplicativo.
O dinheiro do PRR que vem que sirva para o país e nós reduzimos a dívida no montante que nos cabe.
O que sucede é que temos toda  a gente a apresentar projectos estapafúrdios que não têm razão de ser. Já temos este histórico. Estão todos a ver se recebem um dinheiro com projectos que custavam 10 e passam a custar 100. Projectos que estão a fazer à pressa e que não vão ter efeito nenhum, de facto, no Produto Interno Bruto. Não estou a falar do dinheiro para a Agricultura porque este dinheiro tem os seus níveis de execução e é um dinheiro que todos os agricultores da Europa recebem.
Estou a falar do dinheiro que vem para estes projectos que surgem. Há já uma máquina montada para fazer os projectos e gastar dinheiro nos projectos, etc. São verbas que beneficiam, pontualmente, algumas empresas de construção civil, com trabalhadores vindos de fora porque não existem na Região e que, depois, não têm efeito especial na economia.
Se querem pagar a dívida, por cada milhão de dívida paga, aumenta-se 60 empregos. E, portanto, vale a pena criar emprego automaticamente. Ou seja, reduz-se a dívida, cria-se logo emprego. Tem muito mais efeito do que, pontualmente, gastar dinheiro em mais um centro qualquer – e já temos não sei quantos centros vazios – que depois não têm efeito nenhum. Mais vale pegar neste dinheiro que são para obras e projectos que não demonstraram viabilidade, e pagar a dívida.
Pode ser que surja um projecto que seja financiado pelo PRR, que se pague depois pelo rendimento e pelos impostos que gera para pagar este investimento. E isto é a forma séria de fazer isto. Se o projecto não for viável, se não tivermos ideias que sejam viáveis, mais vale que não venha o dinheiro e que sirva para reduzir a dívida.
A forma melhor de gastar dinheiro do PRR é reduzir na dívida. Reduzir a dívida é o melhor investimento dos Açores neste momento. E tem de se rever o modelo de transportes e vender grande parte da SATA como está agora a ser feito. Além de passar para as 40 horas a função pública em geral e, naturalmente, no Serviço Regional de Saúde. Isto reduz o gasto regional e aumenta, pelos vistos, o desempenho das pessoas.
E, depois, pode-se ainda criar níveis de produtividade marginais e se possa pagar aos funcionários consoante a sua produtividade. E, no caso dos médicos, pagar mais ou menos consoante o número de consultas feitas. E, em termos de uma escola com níveis qualificação elevados, pagar melhor a estes professores.
Hoje toda a gente considera o Estado como um peso e é importante que produza um pouco mais

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Correio dos Açores (Novembro de 2020) - Se fosse governante quais as medidas prioritárias que assumiria?
Economista Tomaz Dentinho - Controlar e pagar a dívida; promover a concorrência entre escolas pelos alunos e premiar as que apresentem mais melhorias; promover a concorrência entre unidades de saúde e premiar as que tenham melhor desempenho; combater a concentração da indústria de lacticínios e pagar subsídios pela provisão de serviços do ecossistema; liberalizar os transportes marítimos e aéreos internos e externos; combater o livre acesso aos stocks de pesca. Apoiar a Universidade pela existência de cursos completos de direito, engenharia e medicina em Ponta Delgada e Gestão e Veterinária em Angra do Heroísmo.

João Paz *

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Autor: CA

Categorias: Regional

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