Ana Lopes venceu o prémio de “Best Actress in a Romance” através do International Film Awards ACTRESS UNIVERSE

Actriz Ana Lopes cria base de dados de actores açorianos Islanders Productions

 Correio dos Açores - Qual é a sua ligação aos Açores?
Ana Lopes (Actriz) - O meu pai é de São Miguel e a minha mãe é de Coimbra. Os meus pais conheceram-se na Universidade e eu nasci em Coimbra. Vim para os Açores com um ano de idade, quando a minha mãe terminou o curso, tendo crescido e vivido em São Miguel desde esta altura até ir para a Faculdade de Direito. Actualmente, passo umas temporadas em São Miguel, ilha onde mora a minha família, os meus pais e irmã.  
 
A pandemia é que a trouxe de volta à ilha… Como é viver de um lado para o outro com a “casa às costas”?    
Estive nos Estados Unidos em várias fases, nomeadamente do final de 2006 ao final de 2008, altura em que fui estudar e consegui visto de trabalho para elaborar os meus primeiros projectos. Retornei a Portugal, onde fiquei de 2009 a 2013; de 2013 a 2014 estive em Londres; em 2015 voltei para os Estados Unidos; e em 2020 regressei novamente a Portugal.
Gosto de sentir que estou num sítio temporariamente por algum motivo. Apesar de já ter idade, não consigo assentar num sítio permanentemente.  Agrada-me a sensação de estar num lugar e saber que é por um tempo determinado.
A primeira vez que fui para os Estados Unidos, quando estava no aeroporto, apesar de ter sonhado com aquele momento durante tantos anos, fiquei com a sensação de não saber se ia conseguir viver longe da minha família. Porém, quando regressei a Portugal, senti que também não queria ficar permanentemente. Ao estar de um lado para o outro, parece que já não sei bem onde pertenço.
Acho que ainda estou à procura do meu sítio. Até lá, continuarei assim, o que é cansativo e, por vezes, chega a ser doloroso, na medida em que começar de novo implica adaptarmo-nos a casas, carros e amigos novos.
Por outro lado, sabe bem, pois sinto que tenho uma liberdade tão grande que quase nem sei o que fazer com ela. Como tenho toda esta bagagem e flexibilidade em adaptar-me aos sítios, sinto que estou preparada para ir morar para um país diferente. Neste momento, estou a ponderar para onde irei a seguir.   

Quais são as principais diferenças entre filmar na América do Norte e na Europa?
Em termos de trabalho, sinto que nos Estados Unidos há um pouco mais de brio em cada uma das diferentes áreas do cinema. O realismo em Portugal tem vindo a melhorar nos últimos tempos, no entanto, em termos da produção, noto que há menos cuidado nos outros departamentos. Apesar de ser actriz, reparo nestes pormenores. Na escola que frequentei, abordamos um pouco de tudo o que o cinema inclui, por isso sei como deve funcionar cada uma das áreas. Nos Estados Unidos, existe muito perfeccionismo e cuidado nas sessões do início ao fim. Em Portugal, sente-se que há partes que podiam ter ficado melhores, além de que, por vezes, parece que as pessoas estão a fazer apenas o seu trabalho, ao passo que nos Estados Unidos, como as pessoas respiram cinema, vê-se que estão a fazer aquilo por paixão.

O mês passado, recebeu o prémio internacional de “Best Actress in a Romance” através do International Film Awards ACTRESS UNIVERSE, pela sua participação na longa-metragem portuguesa Já nada sei, onde teve o papel de protagonista. Gostou de trabalhar neste projecto? Como foi interpretar a personagem Ana?
Olhando para o meu percurso, um papel que faço frequentemente é a protagonista romântica em filmes nos quais a história é centrada num casal. Como já fiz muitos destes papéis, creio que abracei um pouco essa “marca”.  
Diverti-me imenso a fazer o casting para este filme e queria muito conseguir o papel porque era uma história sobre um casal, um amor que não ia dar certo, que se inseria no tema. Quando soube que tinha conseguido o papel fiquei muito contente.
As filmagens foram um processo. Tivemos os nossos contratempos, inclusive o actor que ia fazer de protagonista teve que sair antes de começarmos a gravar e ser substituído, além de que, durante as filmagens, houve um momento muito duro na minha vida pessoal. À excepção disto, gostei muito de trabalhar com a equipa do Já Nada Sei. Luís Diogo, o realizador, deu-me a oportunidade de trazer duas amigas minhas, actrizes, nomeadamente Mónica Cabral e Helena Ávila, para fazerem o papel de amigas da minha personagem e foi muito especial trabalhar com elas.
O realizador costuma dizer que o Já Nada Sei se enquadra no género americano mumblecore, em que há muitos diálogos e é centrado nas relações pessoais. Quem for com a expectativa de ver um filme desse género, julgo que se pode divertir e sentir um pouco pelas personagens.
O Já Nada Sei é a primeira longa-metragem em que tenho um papel relevante quem vai estar nos cinemas. Até agora, todos os meus projectos como protagonista estiveram apenas em festivais de cinema e o público a que estes filmes chega é muito restrito. Ou seja, acabo por não ter um papel relevante nos projectos que me podiam dar visibilidade, para que as pessoas possam, de facto, ver o que eu tenho para oferecer enquanto actriz.

Estará presente em dois festivais nos Estados Unidos no mês de Fevereiro e Março com a longa-metragem pela qual recebeu o prémio. Há a possibilidade de ganhar mais prémios nestes festivais?
O Já Nada Sei tem percorrido imensos festivais e já ganhou muitos prémios de melhor filme estrangeiro em vários festivais, incluindo um muito importante na Índia denominado Lifft India Filmotsav. De facto, está a fazer um percurso interessante e eu estou muito feliz com o meu prémio.
Está confirmado que estarei no Alameda International Film Festival em São Francisco. Quanto ao Oneota Film Festival, em Iowa, ainda não confirmei a minha presença.
Enquanto estiver nos Estados Unidos, vou ao NewFilmmakers LA que é um festival de cinema em Los Angeles, por causa de outro projecto, que também tem estado em imensos festivais e eu ainda não tive a oportunidade de o ver no grande ecrã. Chama-se How to Hack Birth Control e é uma mini-série cómica, tratada de uma forma muito leve e incisiva, apologista da liberdade das mulheres, mais no sentido sexual. Tendo em conta o que se está a passar nos Estados Unidos em relação às leis do aborto, esta uma série está a fazer imenso sucesso lá, porque é um tema muito relevante. A cena em que apareço em How to Hack Birth Control foi filmada durante a pandemia, com a minha irmã, nos Açores.  Com este projecto, ganhámos um prémio conjunto de Melhor Elenco em 2022 no Downtown Film Festival Los Angeles.

Como encara estas distinções?
Já tinha recebido prémios em conjunto com o restante elenco noutros projectos, porém este é muito especial porque foi o meu primeiro prémio individual.  É um reconhecimento de todo o meu trabalho e esforço. Como sou muito autocrítica, a primeira vez que vi o filme comecei logo a pensar o que podia ter feito diferente, como podia ter feito melhor. Por isso, é sempre bom sentir que alguém achou que a prestação esteve à altura.

Já lhe aconteceu gravar dois papéis ao mesmo tempo? Como se coordena isso?
Durante as filmagens de A Lista, consegui o papel de protagonista na curta-metragem da grande e icónica Margarida Gil, Cavaleiro Vento. Tive de pedir uns dias para ir à ilha do Pico filmar, mas como era uma curta-metragem, foram apenas 10 dias, além de que o meu papel n’ A Lista era muito secundário, pelo que foi fácil adaptar os horários.
Tenho um azar impressionante com os timings. Quando aparecem as oportunidades, normalmente surgem em simultâneo e é muito difícil optar por um projecto em detrimento de outro. Isso tem sido uma constante no meu percurso. Tento lembrar-me sempre por que motivo escolhi essa área e qual é o meu grande objectivo, o que prevalece, na maioria das vezes, sobre o quanto vou ganhar.
Recordo-me de uma situação em particular, onde tive que eleger entre ir ao Brasil fazer uma filmagem em que ia ganhar muito bem, ou fazer uma pequena participação num telefilme da RTP. Como o que eu ia fazer ao Brasil não era ficção, decidi optar pelo o filme da RTP, fazendo apenas uma sessão e ganhando dez vezes menos do que ia ganhar no Brasil.
Participei no filme de Guy Pierce, intitulado The Infernal Machine, e a primeira data agendada para as filmagens no Algarve coincidia com as gravações de Já Nada Sei. Lembro-me de pensar como ia conseguir coordenar ambas as coisas. Neste caso, tinha que optar por um papel minúsculo num filme da Paramount ou o papel de protagonista num filme independente. Embora seja uma escolha muito difícil, creio que o papel de protagonista iria prevalecer. Por outro lado, ter o meu nome num filme da Paramount também seria importante.

Muitos actores/actrizes têm por vezes dificuldade em desligar-se dos seus papéis, mesmo após as gravações estarem concluídas. Já captou algo de algum personagem que não tenha conseguido deixar de lado?
Terei que referir o meu papel no filme Uma Cidade entre Nós de Maria João Ferreira. Estava a passar uma fase muito difícil em termos de crises existenciais. Foi uma fase em que as coisas não estavam a correr como eu queria a nível profissional e sentia-me um pouco perdida.
A personagem que desempenhei estava completamente bloqueada por não conseguir tomar uma decisão e andava há muito tempo num limbo, numa posição em que sabia que tinha de fazer uma escolha, contudo não a fazia.
Neste sentido, a coincidência de estarmos a passar uma fase semelhante, embora por motivos diferentes, sendo que as razões da personagem eram pessoais e as minhas profissionais, originou em dias de filmagens confusos. Ao desempenhar este papel, houve ocasiões em que me recordo de pensar: “quem está aqui a falar, a Ana ou a Joana?” Foi um processo único e foi a única vez que me aconteceu na vida. Maria João Ferreira foi um grande apoio, além de realizadora foi uma amiga.
Houve outro episódio, ao filmar uma das cenas da longa-metragem The Horizon is a Scar, My Love, de Vu Pham, na qual eu tinha de chorar compulsivamente durante cerca de 5 minutos, quando eles cortaram a cena, eu não conseguia parar de chorar. Estávamos no meio de uma floresta e eu tive de ir correr durante 20 a 30 minutos para tirar aquela sensação do corpo.
Quando são cenas mais fortes, por vezes, acontece deixar-nos levar pela emoção e não conseguimos desligar de imediato. Mas, temos presente  que a cena acabou, que temos de ser nós a lidar com isso e a expulsar do nosso corpo o que ficou daquele momento.

Dos projectos que participou na sua carreira, qual lhe deu mais gozo fazer?
Ao fazer A Cidade Entre Nós, ainda não sabia que era para este tipo de papéis que estava destinada, isto é, a protagonista romântica numa relação tóxica que não tem futuro. Depois deste filme, acabou por ser um papel recorrente. Em termos de resultado, acho que é o mais próximo daquilo que quero fazer enquanto actriz.
The Horizon is a Scar, My Love é uma longa-metragem, todavia filmámos apenas a versão da curta-metragem, em 2019, que é uma prequela da longa-metragem. Em 2020 íamos filmar a longa-metragem, o que não aconteceu devido à pandemia.
Todo o processo, desde o casting aos ensaios e à personagem, a Sunday, foi tão importante, porque aprendi lições de vida com ela. Por causa desta personagem, tomei decisões na minha vida pessoal e acabei com certas situações que não me estavam a acrescentar em nada. Em vez de olhar para a personagem, olhei da personagem para mim e consegui ver o que estava a fazer de errado. Neste sentido, creio que foi a personagem que teve mais impacto.    

Participou mais recentemente no programa de Luís Filipe Borges “Work in Progress” para a RTP. Como foi a experiência?
Gostei imenso. O Luís Filipe Borges foi uma das pessoas com quem fiz a minha primeira peça de teatro em 2001 ou 2002 e conheço-o desde o tempo da Faculdade de Direito. Ele sempre foi uma pessoa que me deu a mão, convidando-me para o programa 5 Para a Meia-Noite, além de que fiz alguns sketches com ele e recentemente convidou-me para o “Work in Progress”. Foi um desafio.
A entrevista foi divertida e a equipa é maravilhosa. Adorei aqueles dias. Apesar de ter tido pouco tempo para mergulhar na personagem Lucília, foi uma experiência muito boa da qual gostei muito.   

Em que outros projectos se encontra envolvida actualmente?
Nos Estados Unidos, tenho duas longas-metragens por estrear, nomeadamente The Girl in the Backseat e Night Mistress. Por estrear este ano em Portugal, tenho a série Rabo de Peixe da Netflix, na qual tenho um pequeno papel com muito orgulho. Aguardo ansiosamente a estreia para perceber que impacto vai ter nos Açores.   
Além disso, estou envolvida na Islanders Productions, a minha iniciativa de Casting.

Em que consiste a Islanders Productions?
A Islanders Productions foi fruto da pandemia e surgiu, inicialmente, como produtora. Porém, constatei que temos várias produtoras nos Açores a fazer um excelente trabalho e, como não estou aqui para competir com ninguém, mas sim para colaborar, procurei saber que lacunas temos neste meio, na Região. Como actriz, percebi que era bom ajudar os actores açorianos, tanto os que moram nos Açores como os que estão fora, através da criação de uma agência de actores. Posteriormente, achei que seria mais viável e produtivo em casting, em vez de agenciamento. De momento, a Islanders Productions é uma base de dados de actores açorianos. Pretendo ser, de certa forma, uma pessoa de referência que, quando pensarem em filmar nas ilhas, contactem para ajudar a formar o elenco, com pessoas açorianas. Por causa da questão da representatividade, o objectivo é que haja açorianos nos projectos, ao invés de serem continentais a fazer papéis de açorianos. Entendo que devemos estar representados nos projectos que são feitos sobre a nossa terra.
A propósito, na série Rabo de Peixe, estive a ajudar no casting local, pelo que tive a oportunidade de colocar alguns actores açorianos, menos conhecidos, em papéis pequenos. Ao mesmo tempo que foi prazeroso ver pessoas muito felizes por conseguirem o papel, foi muito estranho, para mim, ver pessoas a descartarem uma oportunidade deste calibre, porque eu vivo para conseguir um papel numa série da Netflix.

Representar é…
Representar é o privilégio de experienciar a vida na pele de outra pessoa e de ver o mundo através dos seus olhos, com as suas perspectivas. É a autorização para sentir emoções que não são nossas e ter reacções que não teríamos. O que me fascina na representação é o mergulhar profundamente na vida de alguém que eu não conheço, mas que vou passar a conhecer melhor que ninguém.

Que qualidades considera mais importantes num actor/actriz?
Tendo em conta a minha experiência, a primeira qualidade é a paciência. São inevitáveis as fases de instabilidade e os momentos em que achamos que podíamos estar a fazer muito mais. Paciência no sentido de saber que tudo leva tempo.
Já me aconteceu conseguir um papel num projecto enorme que acaba por não ser feito, ou o papel ser feito e o filme nunca sair, ou projectos que saem e a qualidade está aquém, ou não houve investimento na promoção e não chega às pessoas. É preciso paciência para conseguir o papel, para que o filme esteja feito, para que o filme saia e, quando sair, que corresponda às expectativas e que seja visto.
Como actor/actriz, creio que é necessário ser-se empático, na medida em que há que conseguir compreender as pessoas e ter disponibilidade para o que a personagem e o realizador pedem, respeitando os nossos valores. No fundo, é ter disponibilidade para quando o trabalho aparece, mesmo que se tenha outro trabalho. Ser actriz não é um trabalho, é uma forma de vida. Há vários factores que temos de aceitar para que consigamos ser actores e actrizes a tempo inteiro.

Que perspectivas tem de futuro?
O meu sonho é poder ter flexibilidade financeira para estar, constantemente, entre a Europa e os Estados Unidos, pois gosto muito da indústria americana. No fundo, o meu sonho é fazer projectos ao nível do que se faz em Hollywood. Como a minha carreira tem sido muito pautada por ser protagonista em projectos independentes ou ter papéis pequenos em projectos com distribuição, o meu sonho é juntar o melhor dos dois mundos e ser protagonista num filme que tenha grande distribuição.

Carlota Pimentel *

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Autor: CA

Categorias: Regional

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