Correio dos Açores – Em que estado se encontra a Central de Valorização Energética de São Miguel?
Ricardo Rodrigues (Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo e da MUSAMI) – Em Maio de 2021, tivemos o visto do Tribunal de Contas e, no dia seguinte, fizemos a consignação da obra. Ou seja, neste momento, no que diz respeito à Central de Valorização Energética, estão já a fazer as fundações. Estão a ser encomendados todos os equipamentos tecnológicos necessários e, da parte da construção civil, já se iniciaram as obras. Já estamos a mais de um ano de execução.
O projecto foi adjudicado por 58 milhões de euros e, nesta fase, temos executados um pouco mais de 10 milhões de euros relativamente à Central de Valorização Energética.
Ficou provado que a gestão de resíduos em São Miguel passava, necessariamente, pela instalação da Central de Valorização Energética…
Sim, é verdade. Houve uma altura em que se discutia se devíamos transportar os resíduos para a Terceira ou se não devíamos. Isto ficou ultrapassado. Porque a Terceira não tinha capacidade para receber a nossa produção de resíduos. Além de que, transportar lixo de uma ilha para a outra não é, ambientalmente, a coisa mais sustentável que se pode fazer.
Nós estamos satisfeitos porque todo o Ecoparque da ilha de São Miguel, gerido pela MUSAMI, está a ter uma evolução bastante significativa. Nós terminamos a obra da Central de Tratamento Mecânico dos resíduos que nos custou cerca de 4,5 milhões de euros. E, agora, em Março a Abril, terminaremos a Central de Tratamento Biológico. Estas duas unidades, juntando ainda a de separação de embalagens, ficamos com todo o processo necessário para termos um tratamento adequado dos resíduos de São Miguel.
A partir de Maio, provavelmente, não existirá entrada directa em aterro sanitário de nenhum resíduo. Todos eles terão um tratamento e a Central de Valorização Energética só tratará o refugo de cada uma destas três unidades.
A Central de Tratamento Biológico é um projecto que está a terminar que nos custou 12 milhões de euros. E, em simultâneo, o tratamento mecânico, o tratamento biológico e a estação de triagem são os equipamentos cujo refugo irá para queima. O refugo é aquele tipo de resíduo que não tem nenhuma valorização nem nenhuma capacidade de ser valorizado e que irá para a Central de Valorização Energética.
E qual é o impacto da Central de Valorização Energética na gestão dos resíduos em São Miguel?
É enorme, primeiro porque deixamos de colocar qualquer tipo de resíduos em aterro. Os aterros estão condenados em todo o mundo desenvolvido e, portanto, temos de encontrar sempre uma solução para o tipo de resíduos que não é valorizado. Qualquer uma destas centrais de tratamento, quer seja a biológica, seja a mecânica, quer seja ainda a das embalagens, terá sempre refugo. São sempre resíduos que não têm nenhuma valorização e que, das duas, uma, ou iriam para aterro ou iriam para incinerar. E, dentro daquilo que é a lógica da economia circular, a valorização energética ainda é uma valorização. Se fosse para aterro, não teria nenhuma valorização. Pôr este refugo em aterro só dá prejuízo e só é mau para o ambiente.
Através da incineração do refugo dos resíduos conseguimos ter ainda alguma valorização energética …
Pode explicar como vai produzir energia com este refugo dos resíduos?
A queima dos resíduos é que produz energia. Estamos a falar de uma queima que pode atingir mil graus de temperatura e é este calor que, libertado, se transforma em energia. É este o mecanismo da Central de Valorização Energética. Ou seja, vamos produzir energia por queima dos resíduos de refugo.
Está garantido que esta energia entrará na rede de distribuição eléctrica?
Digamos que é exacta a fase final do processo. Há um processo legal que tem a ver com a recepção de energia por parte de quem distribui a energia, neste caso, é a EDA. Entraremos na linha daqueles que produzem energia. Naturalmente que está legislado e assegurado a recepção pela EDA da energia que for produzida.
Já produzimos energia através do metano libertado pelo aterro sanitário e que já é suficiente para a a nossa necessidade interna. Mas, com a Central de Valorização Energética, ficaremos com um excedente que poderemos colocar na rede eléctrica da ilha.
Ficamos com um parque ecológico bastante desenvolvido e com as técnicas mais recentes da área do tratamento dos resíduos.
A Central de Valorização Energética não terá qualquer impacto ambiental?
Já começamos a fazer testes no local onde estão a construir a Central de Valorização Energética interligada com a Central de Tratamento Mecânico e a Central de Tratamento Biológico. Estamos a fazer testes ao ambiente, ao ar para depois podermos comparar e demonstrar à população que não existem impactos negativos com a Central de Valorização Energética. Ou seja, estamos a fazer testes no sentido de medir todas as partículas do ar que já existem, neste momento, naquele local para poder comparar com aquilo que vai ser quando estiver a central em funcionamento para tranquilidade dos micaelenses e de todos que queiram saber qual é o impacto do funcionamento de uma Central de Valorização Energética.
A nossa convicção é que o ambiente vai ficar um bocadinho melhor do que estava. Nós temos filtros, nós temos a tecnologia adequada para termos uma central de valorização o mais moderna possível. É natural, quem constrói agora, fá-lo com todas as exigências que são feitas. E isto implica termos um tratamento adequado de todos os fluidos que podem ser expedidos pela central de valorização.
Foi sempre um defensor da instalação da Central de Valorização Energética. Apesar de todas as vozes contra, manteve sempre a sua posição. Está satisfeito?
Eu estou satisfeito. Mas não sou só eu. Todos os seis Presidentes de Câmara da ilha de São Miguel estão. Este foi sempre um processo discutido. Analisado em conjunto. E todas as decisões foram tomadas por unanimidade. É evidente que assumi, desde o início, esta responsabilidade mais directa por ser o Presidente da MUSMI, mas nenhuma decisão foi tomada sem a unanimidade de todos os colegas.
Todos os processos que são inovadores, que apresentam e criam alguma inovação, tem sempre oposição, uns mais fundamentalistas do que os outros. Eu percebo que são dúvidas que existem e que precisam de ser esclarecidas. E procuramos sempre esclarecer.
Agora, aquilo que sempre foi verdade é que nós conhecemos este tipo de centrais em todo o mundo ocidental, quer seja na Áustria, no Japão, quer seja nos Estados Unidos e hoje esta tecnologia está perfeitamente testada no sentido de não produzir qualquer efeito secundário no ambiente. E, portanto, sinto-me tranquilo quanto a esta matéria.
O que era preciso era explicar e saber passar a mensagem de que aquilo que estávamos a fazer era o melhor para São Miguel e era a melhor forma de tratar os resíduos da ilha de São Miguel para todos atingirmos as metas que são exigidas quer pela Região, pelo país, quer pela União Europeia, no que diz respeito à valorização dos resíduos.
Qual o investimento global?
Esta era a última oportunidade de construir a Central de Valorização Energética com fundos comunitários. De facto, em todos estes projectos que estamos a falar, estão envolvidos mais de 90 milhões de euros investidos na ilha de São Miguel. Todos eles foram candidatos a fundos comunitários nacionais. Não temos nenhuma ligação a fundos comunitários regionais. Ou seja, não tiramos dinheiro à Região para fazer estes investimentos. E, nestes 90 milhões de euros, 85% foram a fundo perdido. E, portanto, era a última oportunidade que a ilha de São Miguel tinha para ser tornar competitiva ao nível do tratamento dos resíduos e para atingirmos as metas de valorização.
Os fundos comunitários, a partir do próximo quadro de apoio, já não apoiam este tipo de investimentos não porque eles não sejam ecologicamente aceitáveis e desejáveis, mas sim por razões que têm a ver com toda a Europa. E, de facto, na Europa continental, já existem centrais de valorização a mais para a quantidade de resíduos que são produzidos.
E, portanto, não havia mais qualquer hipótese de nos candidatarmos este projecto da Central da Valorização Energética a fundos comunitários.
E, como se está a ver, 90 milhões de euros investidos, nem as Câmaras Municipais, nem o Governo dos Açores tinham capacidade para poder executar este projecto.
Insisto que era a última oportunidade. Felizmente, conseguimos. Felizmente, está em curso e, portanto, tudo indica que daqui a curto prazo, tenhamos na ilha de São Miguel a capacidade de tratar convenientemente os resíduos que produzimos.
Quanto fala em curto prazo, está a referir-se a quanto tempo?
As duas outras centrais, a biológica e a de tratamento mecânico, começam já a funcionar. A de tratamento mecânico está já em testes, a de tratamento biológico deve terminar a obra de execução tecnológica em finais de Abril de modo que, em Maio, estas duas centrais de valorização estão aptas a trabalhar. A Central de Valorização Energética vai levar mais algum tempo. É um processo mais complexo, mais tecnológico e, hoje em dia, os fornecimentos são bastante atrasados quer, em primeiro lugar, derivado à pandemia, quer agora devido à guerra. Todos os fornecimentos que têm a ver com tecnologia, com ships, com tudo o que é tecnológico, sofreram alguns atrasos, mas a execução da obra é de dois anos e, portanto, no final de 2024, creio que teremos a Central de Valorização Energética a funcionar.
João Paz *