Correio dos Açores - Os seus pais são terceirenses e as suas visitas à Terceira eram frequentes. Em 2020 mudou de vida e veio viver para a ilha...
Lúcia Moniz (Actriz e Cantora) – Desde sempre que passo temporadas grandes na Terceira. A vida dos meus pais, principalmente, empurrou-nos para o continente. Depois, o sismo de 1980 também foi uma data marcante e, de alguma forma, criou algum peso para estarmos fora da ilha. Para já, não me lembro da primeira vez que andei de avião, era recém-nascida quando fazia viagens Lisboa-Terceira, mas o curioso é que as minhas memórias de infância, aquelas que ficam e que eu recordo, são aqui, na ilha.
Estou a viver na Terceira desde a pandemia, portanto, desde Outubro de 2020, se não estou em erro. Fiz esta mudança total e já não tenho casa em Lisboa. Tenho as minhas coisas aqui, comigo. Mudei-me por várias razões, havia sempre uma vontade de estar mais tempo, quando vinha temporariamente. Quando me ia embora ficava sempre com vontade de apostar numa vida aqui e de estar aqui. Entretanto, surgiu-me um projecto muito interessante na Praia da Vitória, em que me juntei ao meu irmão Paulo Quedas, e neste momento somos uma associação cultural. Desenvolvemos um projecto na Praia, que se estende à ilha, pois temos alunos da ilha toda, que é um projecto de teatro. Começou com um grupo de adolescentes e, com o decorrer do tempo, houve interesse também das crianças e de adultos. Portanto, neste momento, já estamos no terceiro ano desse projecto e temos uma turma de adultos e outra turma de crianças.
Refere-se à associação cultural chamada “Gerónima”, em homenagem à avó e às mulheres e aos actores terceirenses.
A nossa associação cultural nasceu há pouquíssimo tempo. Eu gosto de falar do nome da associação porque tem um enorme significado, não só para nós, eu e o meu irmão, a nível afectivo e familiar, mas também para a Terceira e para os Açores. A associação chama-se “Gerónima”, em homenagem a uma mulher, que foi a primeira mulher a fazer rádio e primeira funcionária pública na Terceira. “Gerónima” era o nome de uma personagem que ela criou, para a rádio. O seu nome verdadeiro era Maria Vitorina, a nossa avó materna. Nós prestamos uma homenagem às mulheres da ilha, prestamos uma homenagem às artes e actores da ilha e também à nossa avó.
Que actividades fazem neste projecto de teatro?
Inicialmente, e para já, temos teatro. Fazemos teatro com estas três turmas: crianças, jovens e adultos. Mas, obviamente, a partir desta associação cultural temos intenção de nos expressar mais, de outras formas artísticas. Em breve, vamos assinalar o Dia da Mulher com um evento de leitura das “Novas Cartas Portuguesas”, no dia 5 de Março, na Praia da Vitória. Este será, digamos assim, o primeiro evento cultural a partir da criação da nossa associação. Para já, estamos focados no teatro.
Tem em mente outros projectos que gostaria de implementar nos Açores?
Não temos nada de concreto, mas a nossa intenção é que haja uma ligação entre teatro e educação, ou seja, que o teatro consiga, de alguma forma, ser um complemento da educação, nas escolas ou fora delas. Daí termos começado com o projecto para jovens, que é uma fase da nossa vida que temos muitas questões e sonhos, e às vezes baralha-se muita coisa. Achamos que o teatro é uma forma de conseguirmos exprimir, muitas vezes, o que sentimos, opiniões, dialogar, democracia. Começamos com jovens, mas a nossa intenção é que haja sempre um envolvimento com a educação, não sabemos ainda em que formatos. Neste momento, estamos com aulas fora das escolas, na Academia da Juventude, e recebemos jovens de muitas freguesias daqui da ilha.
O teatro tem de ser mais fomentado na Região?
Na Terceira, o teatro até é uma actividade bastante activa. Agora vem o Carnaval, que na Terceira é preenchido com peças de teatro e actuações, o que é muito curioso e rico nesse aspecto. O que nós sentimos na ilha é que o teatro era principalmente direccionado aos adultos, que havia companhias de teatro de adultos e pouca coisa direccionada aos jovens. Mais uma das razões para termos iniciado com as faixas etárias mais jovens. Só que, entretanto, os adultos também se juntaram e está a ser maravilhoso. Este ano queremos estrear dois espetáculos, em Junho, para os adultos e jovens, e para as crianças temos uma coisa mais intimista, que será uma apresentação para as famílias, para ganharem uma proximidade com o que fazemos com eles.
“Sempre me considerei açoriana”
Tenciona viver cá permanentemente?
Sim. Para já, não vejo razão nenhuma para voltar atrás, para Lisboa, antes pelo contrário. Adoro a cidade, mas de viver lá não tenho saudades. Gosto muito de viver aqui, junto das pessoas, do mar, do verde, do ar puro e de tudo o que envolve. Não podemos dar nada como garantido e eterno, mas enquanto for verdadeiro… e este amor pela ilha é gigante. Tenho as minhas raízes aqui e sempre me considerei açoriana, nunca me considerei alfacinha (risos). Faz sentido estar aqui agora.
Como vai continuar a trabalhar a partir dos Açores?
Essa foi uma das questões que coloquei quando decidi vir. Acho que foi mais complicado pensar nessas questões todas do que propriamente adaptar-me. Não foi nunca um impedimento trabalhar a partir da ilha. Desloco-me a Lisboa para trabalhar, e depois volto para casa, para o meio do Atlântico, com paz, sossego e a respirar saúde aqui na ilha. Ainda não foi impedimento nenhum o facto de viver aqui.
Sente-se diferente quando está nos Açores?
Sinto-me diferente, e as pessoas “sentem-me” diferentes. Sempre que vou a Lisboa visitar os meus amigos eles dizem que estou diferente, mais leve e que tenho uma cara mais saudável (risos). Sinto-me bem, não sei descrever. Algum dia hei de encontrar as palavras certas e responder melhor.
É cá que se sente em casa?
Sim, sem dúvida nenhuma. Sempre. Ainda há pouco tempo fui a um podcast e o que eu disse foi que muitas vezes a forma de definir a ligação que tenho com a ilha -na altura em que vinha cá visitar- é: “Quando aterro na ilha, é uma alegria e satisfação enorme de chegar. O descolar é uma nostalgia tremenda”. Eu nunca gostava de sair daqui. Agora o que acontece é, quando saio e vou trabalhar, estou desejosa de voltar. Adoro viajar, tanto em lazer como em trabalho, mas fico ‘doida para voltar para casa’.
Já visitou as outras ilhas? Quais são os seus lugares favoritos nos Açores?
Falta-me Corvo e Graciosa. Santa Maria conheço mal. São todas lindas e especiais. Acho que não é justo estar a dizer que uma é mais que outra, cada uma tem a sua particularidade. Cada vez que vou a uma ilha fico sempre pasmada e de queixo caído quando dou de caras com a força da natureza que cada ilha tem. Eu digo aos meus amigos: “Não digam que foram aos Açores só visitando uma ilha. Isso não vale.” (risos). “Têm de ir pelo menos a três”.
Aqui na ilha gosto muito de ir à Lagoa das Patas. Adoro pegar no carro e dar a volta pela ilha e pelas freguesias, pelo mato, dá-me imenso prazer. Aqui gosto de ir para o meio do verde. Tenho o privilégio de viver em frente ao mar, portanto é também uma sorte poder atravessar a rua e poder estar no mar. São tudo bónus de viver numa ilha.
Trabalhos e prémios de Lúcia Moniz
No cinema: Interpretou Aurelia, na comédia romântico-dramática de Richard Curtis, “O Amor Acontece” (“Love Actually”) de 2003, ao lado de grandes nomes como Colin Firth, Emma Thompson, Liam Neeson, Keira Knightley, Rodrigo Santoro, Hugh Grant e Laura Linney. Entre outros filmes contam-se “A Escritora Italiana” (2007), “Secondlife” (2009), “The Right Juice” (2014), “Refrigerantes e Canções de Amor” (2016), “Soldado Milhões” (2018), “Fátima” e “Listen” (2020), “Sombra” e “Amadeo” (2021), para além de várias curta-metragens.
Na televisão: Fez parte do elenco principal de inúmeras séries e telenovelas: “Santiago”, “Maternidade”, “Tempo Final”, “Na Corda Bamba”, “Coração d’Ouro”, “Na Porta ao Lado: Medo”, “Bem-Vindos a Beirais”, “Espelho d’Água”, “Olhos nos Olhos”, “Vingança”, “Saber Amar”, “Ajuste de Contas”, “Terra Mãe”, “A Grande Aposta”, “Incógnito”, “O Que as Mulheres Querem”, “Casos de Vida”, “29 Golpes”, “Quarenteens”.
Na música: Com 19 anos venceu o Festival da Canção de 1996, com o tema “O meu coração não tem cor”. Levou este tema ao Festival da Eurovisão, alcançando o 6.º lugar para Portugal. Lança o seu primeiro disco em 1999, intitulado “Magnólia”, seguindo-se o álbum “67” em 2002, “Leva-me para Casa” em 2005, “Fio de Luz” em 2011 e “Calendário” em 2015 (álbum solidário com Tozé Santos e Luís Portugal, e cuja receita total reverteu a favor da Liga Portuguesa Contra o Cancro).
No teatro: Participou nos espectáculos “Leonardo, Leo, Babette e os Anjos” (1998), “ABC da Mulher” (2005), “Música no Coração” (2007), “West Side Story” (2008/9), “Um Eléctrico Chamado Desejo” (2010), “Conversas Depois de um Enterro” (2013), “Alice no Jardim das Maravilhas” (2016), “Quase Normal” (2016), “Ricardo II” (2017), e “As Aventuras de João Sem Medo” (2019; encenação com Paulo Queda).
Outros projectos: Em 2013 editou o livro “Vou Tentar Falar Sem Dizer Nada” e desde 1997 tem realizado dobragens, nomeadamente de canções dos filmes de animação “Anastacia”, “Pocahontas II”, “Rei Leão II” e “Nanny Mcphee e o Toque de Magia”, “Príncipe do Egipto”, “Sininho e o tesouro perdido”. Em 2019, encenou a sua 1.º peça chamada “As Aventuras de João Sem Medo”, em parceria com o irmão Paulo Quedas.
Prémios
A interpretação em “Listen” (2020), valeu a Lúcia Moniz várias distinções: Globos de Ouro 2021 - Melhor Actriz Cinema; Raindance Film Festival 2021 – Melhor performance; Prémio Autores 2021 - Melhor Atriz Cinema; Prémios CinEuphoria 2021 - Melhor Atriz Público; Prémio Sophia 2021 – Melhor Atriz Cinema; XXVI Caminhos do Cinema Português 2020 e I Prémios Cinetendinha 2020 – Melhor Atriz. Recebeu também o Prémio MAC - Teatro - Melhor Actriz . 2017- “Quase Normal”; Personalidade Feminina do Ano 2016 -Revista Lux - Categoria: Actriz de Teatro - “Quase Normal”. A curta metragem “Thirty Minutes” valeu-lhe o New York International Film Awards2020 e Independent Shorts Awards 2020– Melhor Dupla, com Luka Peros; Five Continents International Film Festival 2021 – Actriz Principal de curta-metragem; Canadian Cinematography Awards – Melhor Actriz; Best Shorts Competition 2020 e Accolade Competition 2020 – Actriz Principal. Na sua carreira musical recebeu o troféu do 41.º Festival Eurovisão da Canção – 1996; e Prémio Sophia 2018 - Melhor Música Original - “Fim” - “Uma Vida à Espera”. M.R.
Mariana Rovoredo