Correio dos Açores - Quando descobriu o seu talento na arte e por que razão a escultura a fascinou e foi a “predilecta”?
Susana Aleixo Lopes (Artista plástica) – Desde pequena que sou muito curiosa e observadora e, quando dei por mim, estava mais concentrada a desenhar, a pintar, a modelar ou construir. Estive na área de ciências, talvez para seguir as pegadas dos meus pais, mas percebi cedo que queria aprender mais sobre o que me realmente entusiasmava fazer e mudei para Artes. Não sei se se trata apenas de talento ou vocação. Creio que seja uma combinação entre vontade e curiosidade de trabalhar numa forma de expressão e através dela levantar questões, num processo criativo no qual considero necessário fazer muitas experiências.
A escultura aborda a tridimensionali-dade, a construção de uma ideia no espaço. Fascina-me o imaginar tridimensional e transpor essa visão para a realidade. A possibilidade de na experimentação cruzar várias disciplinas, várias dimensões, faz-me sentir mais livre na exploração de ideias, materiais e formas.
Como idealizou “Whether There Be Shine or Gloom”? Isto é, em que se inspirou para criar a exposição?
A temática desta exposição já era um assunto que me interessava há muito tempo e já tinha pensado em trabalha-la. Abordo muitas vezes os estados emocionais no meu trabalho. O que me inspirou foi sentir que há uma ligação entre o estado de espírito das pessoas e o clima. Ao relacionar a natureza e a dos seres humanos, emocional e mental, surgiram-me várias questões. De que forma é que o tempo meteorológico nos afecta? Existe um sincronismo ou influência entre as diferentes estações do ano e o nosso humor? De que forma é que a nosso estado mental e emocional reflecte o estado do tempo e o quê que isso reflecte na sociedade? Será que certos estados em que nos encontramos connosco próprios são tão efémeros quanto a sazonalidade? No fundo, o levantamento de questões como estas e outras que são possíveis de se fazer, assim como de múltiplas interpretações e pontos de vista, estão presentes nesta exposição, em que procuro fazer uma analogia entre o estado do tempo e o nosso estado emocional e mental.
Sempre me questionei sobre a associação entre cada estação, ou condição meteorológica, ao estado de espírito das pessoas. Talvez por viver numa ilha e sentir as rápidas mudanças meteorológicas, características deste local, estas perguntas sempre tenham estado muito presentes na minha mente.
Em “Whether There Be Shine or Gloom” abordei mais as condições extremas que podem ser muitas vezes usadas metaforicamente em relação a estados psíquicos ou emocionais. Neste sentido, usei as tempestades precisamente como uma comparação com estados depressivos, ansiosos, de pânico e melancólicos.
Por que motivo escolheu designar a exposição “Whether There Be Shine or Gloom”?
Se repararmos no título da exposição, estamos perante uma contradição. Nos meus trabalhos, gosto sempre de comparar realidades opostas. Desta vez, a contraposição incide nos extremos: o quente e o frio, a luz e a sombra, o caos e a ordem, a adrenalina e a apatia, a pressa e a calma, o previsível e o imprevisível, a euforia e a disforia. O título foi inspirado num poema de Jonh Keats. O verso em que me inspirei para o título pareceu-me reflectir a possibilidade da analogia que quero transmitir nas minhas peças. Através da minha perspectiva, das minhas experiências e vivências, procuro demonstrar que devemos estar atentos à durabilidade e intensidade de alguns estados de mente e emoções menos bons, para que possamos perceber que há amparo e existe forma de nos erguermos quando se ama a beleza do abismo. Resta-nos ser vigilantes sobre o nosso próprio “estado de tempo”, dele ter percepção, quer haja brilho ou escuridão.
A exposição é composta por “vários trabalhos essencialmente escultóricos”. Por quantas peças é composta a exposição e o que cada uma representa? Tem alguma peça favorita?
Não diria que tenho uma favorita, apesar de haver uma peça que pode sobressair. A exposição tem seis trabalhos escultóricos. Existem cinco peças de chão, quatro delas inspiradas nas antigas caixas de luz para leitura de cartas meteorológicas, que estabelecem a ligação entre o estado ansioso, muitas vezes manifestado fisicamente na nossa respiração, e fenómenos naturais. Além destas, há uma escultura de maior dimensão, a qual convida o espectador a entrar. Esta peça é uma representação de como determinadas condições humanas e meteorológicas nos levam a um maior isolamento. Aqui tento representar que este estado pode ter uma dualidade em relação aos pensamentos que daí podem advir e que, apesar da nebulosidade, nesta também podemos chegar a conclusões. Por último, uma peça de parede que, para mim, é o reconstruir após estes processos internos que, esperançosamente, nos levarão a abraçar tanto a clareza, como a escuridão.
Que materiais utiliza para a exposição “Whether There Be Shine or Gloom”?
Como em trabalhos anteriores, há uma continuação da minha linguagem na utilização de madeira superficialmente queimada. Também já trabalhei com vidro e espelho, que continua a estar presente. Nesta exposição experimentei novos materiais e formas de instalação. A interligação entre o estado meteorológico e o nosso estado mental, físico e emocional inspirou-me a criar peças que estabeleçam uma interactividade imediata com o espectador. Isto levou-me a utilizar sensores em todas as peças e um propulsor de vapor de água, para que as peças reajam à presença do público, através do seu movimento e do seu toque.
“Whether There Be Shine or Gloom” é a sua primeira exposição individual no Arquipélago. O que isso representa para si?
Considero que o Arquipélago é uma instituição muito importante para a cultura açoriana. Ao albergar várias vertentes artísticas, eventos de diversas áreas, espectáculos, projectos e artistas, é um local de relevo para a Arte Contemporânea nos Açores. Já expus neste espaço, numa exposição colectiva e, com satisfação, volto a poder marcar presença, desta vez de forma individual. Para mim, é um marco importante na minha carreira ter uma exposição individual num local que já me é familiar não só como artista, mas também como parte do público.
Como é ser artista nos Açores? Consegue sustentar-se a partir da sua arte?
Desde já, ser artista, para mim, é um estilo de vida, independentemente de onde estou a viver. Sou natural de São Miguel, mas, desde que me formei em Belas Artes, já vivi e trabalhei no Porto, Coimbra e Lisboa. Voltei às origens em 2020 e por cá permaneci, continuando a desenvolver o meu trabalho. Esteja onde estiver, os desafios para viver da arte são transversais às várias regiões do país. Felizmente, mesmo perante algumas adversidades, tenho conseguido ter projectos, residências artísticas e financiamentos que me permitem dizer que trabalho enquanto artista plástica.
Como caracterizaria o seu trabalho e como vê a sua evolução desde que começou até agora?
O meu trabalho é um lado de mim, da minha forma de ser, de observar, de sentir, de me relacionar com o mundo, de me expressar. Desta forma, vejo a evolução do meu trabalho como um fio condutor indissociável da minha evolução pessoal. Acho que tenho uma relação simbiótica com as minhas peças. Crio-as através da minha experiência, das minhas vivências, das minhas reflexões, da minha evolução. Em simultâneo, após a conclusão de um trabalho, por vezes, cresço ao observar, reflectir e sentir o que expressei nas minhas criações. Resumindo, certas linhas que são inatas e características do meu trabalho, como as cores escuras, a madeira queimada, são uma metáfora que materializa o purgar de algumas emoções, visões e sentimentos que fazem parte de quem eu sou.
Quais foram os principais desafios que experienciou ao longo da sua carreira?
Todas a novas etapas são um novo desafio e esta nova exposição não foi excepção. O estudo a que a temática me levou foi um deles. Acabei por aprofundar alguns conhecimentos, de forma autodidacta, que já eram do meu interesse, no que diz respeito ao conceito, mais concretamente, a área da psicologia e a da meteorologia. Em termos práticos, trabalhar com electricidade, vapor de água e sensores, foi uma aprendizagem que, tal como em relação à parte conceptual, me fez crescer enquanto artista, aprofundando outros saberes. Embora esta nova etapa, de introdução de outras áreas nas minhas peças, tenha sido desafiante, o que aprendi foi recompensador pelo resultado final, ao qual não teria chegado sem a interajuda com profissionais de, por exemplo, da área da electricidade.
Que artistas são as suas referências e inspirações?
Louise Bourgeois, David Nash, Rui Chafes, Volker Schnüttgen, Leonard Cohen, entre outros.
A arte é…
Um grande ponto de interrogação. Pela subjectividade que lhe é inerte, claro. De forma mais objectiva e geral, acho que a arte está presente em todas as dimensões da vida. É transversal e universal.
Que projectos tem em carteira para o futuro?
Tenho sempre muitas ideias em mente. Preciso de circunscrevê-las para que se tornem projectos e de ir procurando as oportunidades certas para os realizar. De momento, estou ocupada com a inauguração de “Whether There Be Shine Or Gloom”, que contou com o apoio à criação artística concedido pelo Governo Regional dos Açores.
Carlota Pimentel