Patrícia Aranha, médica no Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada

“O problema das doenças raras é que podem ser evidentes à nascença, mas também podem demorar décadas até serem diagnosticadas”

Aonde vai decorrer este simpósio e quantas pessoas são esperadas em Ponta Delgada?
O simpósio ocorre no último fim-de-semana do mês de Fevereiro, a propósito da celebração do Dia Mundial das Doenças Raras, que se assinala a 29 de Fevereiro. Este ano será realizado nos dias 25 e 26 de Fevereiro e incluirá um curso pré-simpósio a decorrer no dia 24, e para o qual já não existem vagas de inscrição disponíveis. Este encontro contava no final da semana passada com mais de 75 inscrições, o que nos faz estimar que entre palestrantes e participantes o simpósio reunirá mais de uma centena de profissionais.

Há alguma temática especial escolhida para este Simpósio?
O curso pré-simpósio será dedicado, como habitualmente, às Doenças Lisossomais de Sobrecarga com terapêutica disponível. O simpósio abordará múltiplas patologias, nomeadamente as porfirias, a Doença de Castleman, a Síndrome de Cushing, a Neurofibromatose, entre outras. Permitam-me destacar ainda a Doença de Machado-Joseph, por ser uma doença tão próxima à população açoriana. Outro tema em destaque no simpósio, pela estreita relação a todas estas patologias raras, será a Genética. Falaremos ainda de biotecnologia e contaremos com a presença da RD Portugal e da Associação Portuguesa de Doenças do Lisossoma.

Qual a importância de um evento destes para a comunidade médica nos Açores?
A comunidade médica dos Açores já participa regularmente nestes eventos. A diferença é que a grande maioria destas reuniões se desenvolvem em Portugal continental o que para os profissionais da Região implica participar através de modalidade online ou então acomodar o tempo e custos extra que as inscrições e deslocações ao continente implicam. Ao realizar-se nos Açores, o simpósio permite aos profissionais locais estarem em formato presencial e partilhar casos com os especialistas convidados. A experiência é mais enriquecedora.

Falando concretamente das doenças raras, há noção de quantas são consideradas como tal actualmente no mundo?
É considerada doença rara aquela que tem uma incidência de 1 caso em cada 2.000 pessoas. O último relatório da Rare X´s - Power of Being Counted, publicado em Junho de 2022, aponta para um total de 10.867 doenças raras. É o reconhecimento de aproximadamente mais um terço no número de doenças raras conhecidas, face aos números com que nos familiarizamos na última década e que oscilavam entre as 7.000 e 8.000 doenças. O aumento deste número traduz o avanço realizado ao nível do nosso conhecimento e capacidade de diagnóstico destas doenças que em 80% são de origem genética.

Quais são aquelas com maior incidência na Região?
As doenças raras mais comuns em todo o mundo são também as doenças raras mais comuns nos Açores. Estamos a falar de doenças raras, mas que dentro deste grupo têm uma maior incidência do que as outras e que são mais reconhecidas da população em geral. Alguns exemplos são a esclerose múltipla, as hemofilias, as amiloidoses, a fibrose quística ou o Síndrome de Cushing. Existe depois variedade territorial, já que 80% destas doenças são de origem genética, que faz com que por exemplo uma doença possa ser muito rara num determinado local (baixa incidência) mas mais “comum” noutro país ou região, como são exemplos a polineuropatia amiloidótica familiar (vulgarmente conhecida como doença dos pezinhos) no norte de Portugal, ou a doença de Machado-Joseph aqui nos Açores.

São doenças que colocam em risco a vida dos doentes?
Algumas sim, mas estamos a falar de um grupo muito variado de doenças com apresentações clínicas e progressão também muito diversos. O problema destas doenças é que podem ser evidentes à nascença, mas também podem demorar décadas até serem diagnosticadas. Em Portugal estima-se que 25% destes doentes esperam entre 5 a 30 anos pelo diagnóstico desde o aparecimento dos primeiros sintomas da doença, percorrendo uma média de 5 a 7 especialistas até ao diagnóstico definitivo. Ora como habitualmente estas doenças são graves, crónicas, progressivas e muitas vezes degenerativas traduzem-se frequentemente em incapacidade funcional, falta de autonomia motora com resultante dependência de terceiros e em última instância com consequente perda de qualidade de vida do agregado familiar.

Quais são as maiores dificuldades com que se deparam os médicos no tratamento destas doenças na Região?
Os médicos da Região já trabalham em estreita relação com a comunidade médica nacional e internacional. A insularidade dos Açores não se traduz no isolamento dos profissionais relativamente ao conhecimento médico mais atual. Os laboratórios dos nossos hospitais trabalham em parceria com laboratórios no continente e qualquer exame e/ou tratamento que não se faça na Região pode ser realizado fora desde que com a devida justificação clínica. Para que todos os doentes possam beneficiar do máximo de experiência, existe uma rede de referenciação eficaz através de Centros de Referência que prestam cuidados diferenciados e de elevada especialização e em integração em redes de conhecimento europeias (ERN – European Reference Network). No nosso país estão já designados vários centros com capacidade para diagnosticar e tratar 9 grupos diferentes de doenças raras.

A população nos Açores está desperta para esta realidade?
Penso que no geral as pessoas ficam mais despertas para esta realidade quando são diagnosticadas com uma doença rara ou conhecem alguém a quem tenha sido diagnosticada uma destas doenças. Sendo as incidências tão baixas habitualmente sentem-se desamparadas, mas é nestes momentos que as associações de doentes assumem uma grande importância.
Existem vários locais com informação privilegiada para estes doentes, principalmente disponibilizados pelas Associações de doentes ou pela indústria farmacêutica. Em Portugal aconselhamos a consulta do site ou o contacto com a RD-Portugal, União das Associações das Doenças Raras de Portugal, na forma de federação, que representa as mais de 30 associações nacionais e que promove a defesa e promoção dos direitos e interesses das pessoas e famílias afectadas por doença rara e/ou com incapacidade provocada por esta.
A nível do Serviço Nacional de Saúde existem várias publicações úteis da responsabilidade da Comissão Interministerial de Coordenação da Estratégia Integrada para as Doenças Raras, entre elas o Manual de Informação de Apoio à Pessoa com Doença Rara.

O que se poderia ou deveria fazer melhorar a detecção e tratamento das doenças raras na Região?
Na Região, como em qualquer outro ponto do país, suspeitar é o primeiro passo. Depois, existem Centros de Referência que nos ajudam na confirmação diagnóstica e avaliação de indicação terapêutica.
O desafio das doenças raras assenta, mais do que na confirmação definitiva, na suspeita diagnóstica porque só podemos diagnosticar o que conhecemos. Simpósios como este ajudam a comunidade médica a estar mais alerta para estas doenças, a promover uma cultura de baixo limiar de suspeição diagnóstica para a possibilidade de poderem estar perante uma pessoa com doença rara, particularmente quando um quadro clínico se desvia do seu padrão habitual.
Existem 300 milhões de pessoas no mundo com estas doenças. A Comissão Europeia estima que na Europa sejam entre 27 e 36 milhões de pessoas e em Portugal o número estimado é de cerca de 800.000 pessoas. A questão é que aproximadamente 50% destas pessoas não tem diagnóstico, e em relação às doenças já identificadas, 90% continua sem tratamento. É com o intuito de ajudar a melhorar estes números que o NEDR organiza este simpósio e é com grande satisfação que este ano o acolhemos nos Açores.                                        

Luís Lobão

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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