António Grilo tem 57 anos e é alfacinha de gema, natural de um dos bairros mais icónicos de Lisboa, a Mouraria. O lisboeta apaixonou-se por uma micaelense e escolheu São Miguel para viver há 30 anos. Juntos, abriram as lojas Lua Cheia, situadas na baixa da cidade de Ponta Delgada, das quais são os proprietários.
Já quando nasceu, António Grilo foi considerado um “grande bebé”, tendo em conta que pesava 5,500 quilos. Hoje, com 1,84 cm e 100 e muitos quilos, o proprietário da Lua Cheia confessa que sempre viveu e lidou bem com o facto de ter peso acima da média: “Sinto-me bem como sou e, mesmo na escola, quando era miúdo, nunca me senti mal por ser gordo, apesar de ter visto isto noutros colegas.”
“Nunca tive complexos com o meu corpo ou com a minha imagem, cada qual é como é”, garante o lisboeta, adiantando “vou à praia e não deixo de fazer a minha vida por causa do excesso de peso”, mas confessa que se “sentiria melhor se tivesse menos peso, porque podia fazer mais coisas.” “Há-de haver coisas que nunca fiz por ser gordo, como as corridas por exemplo”, reconhece.
Quanto à prática de exercício físico, António Grilo reconhece a sua importância e os seus benefícios, contudo admite não ser “a sua praia.” “Quando estava no secundário, houve um professor que me disse que tinha tamanho para experimentar o rugbi, mas fui lá espreitar e não passou disso”, recorda. Quando António Grilo fez a inspecção militar, perguntaram-lhe se praticava desporto e a sua resposta, em jeito de brincadeira, foi: “se o xadrez contar, sou campeão.”
No que toca a doenças relacionadas com o excesso de peso, revela que, além da diabetes, tem um problema nos joelhos, para o qual o “ortopedista alerta que basta emagrecer para não ter dores.” O lisboeta admite que este problema lhe impede de pegar em caixas na loja da qual é proprietário e relata um episódio com a sua filha: “Durante anos fui a muitos concertos com os meus sobrinhos e eles estavam sempre às cavalitas. Quando a minha filha era pequena, eu já tinha uma idade mais avançada, 40 e tal anos, e ela só foi para as cavalitas uma a duas vezes por causa dos meus problemas com o joelho.”
António Grilo refere que é difícil encontrar roupa em São Miguel para o seu tamanho: “Estou nos Açores há 30 anos e acho que só comprei uma vez uma camisa na Londrina. De resto, compro tudo fora, porque aqui tenho dificuldade em encontrar roupa para o meu tamanho, tanto que desisti sequer de procurar cá.”
O empresário chama à atenção para pormenores simples do dia-a-dia, para os quais as pessoas com excesso de peso têm de ter uma atenção especial: “Por exemplo, quando vou ao café, procuro uma cadeira de madeira que não vá partir. As cadeiras de plástico sempre foram um problema devido ao peso, pois fico sempre a pensar que vão partir”, afirma.
Ao contrário da maioria das pessoas, que ganhou peso com o confinamento proporcionado pela pandemia, para António Grilo esta foi a altura em que conseguiu ter maior controlo na sua alimentação, comendo melhor e mais saudável, tendo inclusive perdido algum peso: “Tivemos maior cuidado com a alimentação nos dois meses que estivemos em casa. Como a família estava toda em casa e tínhamos tempo, conseguimos fazê-lo. Aliás, no confinamento até perdi algum peso.”
Explica que em circunstâncias normais, na azáfama do dia-a-dia, é difícil estabelecer horários, definir rotinas e ter o devido cuidado com o que se come. “Como eu e a minha mulher estamos todo o dia na loja, os almoços são estranhos, os lanches não existem e à noite tendemos a vingar-nos no jantar. Por vezes, é uma sandes ao pequeno-almoço, outra ao almoço, acabando por comer muito pão, o que não é o ideal”, assevera.
“Fizemos um pacto lá em casa que não íamos comer batata frita, que é das coisas que mais gosto. No mês de Fevereiro, só comi um dia batata frita, porque fomos jantar fora”, partilha..
Considera que, em alguns casos, a obesidade está relacionada com a compulsão alimentar, mas acredita que, noutros, também terá a ver com a genética: “A minha filha é a que se preocupa mais com a alimentação lá em casa e ela já me disse que não percebe como é que sou tão gordo, pois não como em grandes quantidades. Além disso, dizem que beber muita água ajuda quem quer emagrecer e eu digo que é mentira, pois no Verão bebo entre três a quatro garrafas de 1,5 litros de água e não emagreço. É certo que já fui mais gordo. Creio que venho de trás com este peso e com o que como mantenho-o, não consigo livrar-me dele”, declara.
“A minha filha não tem excesso de peso, mas não é magrinha como as colegas que comem, segundo ela, dois bolos de manhã sem que isto se traduza no seu peso. Ela tem que ter cuidado com a comida e se come um pouco a mais começa logo a notar diferença na balança. Ela diz que eu é que sou o culpado”, relata, entre risos.
O empresário considera que ainda existe preconceito e discriminação em relação à população obesa por parte da sociedade açoriana, especialmente nas mulheres mais jovens: “Há muita pressão nas mulheres, especialmente nas adolescentes, da própria família e mesmo dos colegas na escola, que fazem bullying, o que acaba por resultar em problemas de auto-estima.”
Confrontado com um estudo que demonstra que as pessoas obesas geralmente estão em desvantagem, tanto na vida pessoal como profissional, estando mais susceptíveis de serem discriminadas na busca de oportunidades de emprego, António Grilo afirma nunca ter sentido isso na pele, porque trabalha por sua conta desde os 21 anos, todavia sabe que este é um problema que existe, de facto: “Por vezes, aparecem pessoas à procura de trabalho na loja e, em conversa, apercebo-me de que o peso é uma das razões que dificultam na busca de emprego. Normalmente, as pessoas não querem pessoas gordas a trabalhar em lojas”, adianta.
O proprietário das lojas Lua Cheia revela ter quatro funcionários nos seus estabelecimentos e garante que não os contratou “com base no seu peso.” António Grilo vai mais além e acredita que esta é uma questão cultural: “Em Portugal, o peso e a idade são factores que contam muito quando se está à procura de emprego. No Brasil, eles não vêem impedimento numa pessoa mais velha arranjar emprego, ao passo que no nosso país ninguém quer dar emprego a alguém de 50 anos.”
“É importante ter cuidados na alimentação. A meu ver, as pessoas mais novas têm um maior cuidado, por haver mais informação disponível. Comer menos carne e peixe, e mais vegetais faz uma grande diferença nas pessoas, estando mais do que provado que é o melhor”, conclui António Grilo.
Carlota Pimentel