Uma situação de abuso sexual de menores é um episódio marcante para a vítima, mas também para a sua família mais próxima. Nesta reportagem, tentamos transmitir os sentimentos, as reacções e os passos dados por uma mãe cujo filho sofreu este trauma. A conversa não é fácil e ‘Maria’ (nome fictício) destaca que a sua vida se alterou radicalmente no dia em que o filho lhe confidenciou ter sido abusado sexualmente por um homem mais velho.
“Já andava com a ‘pulga atrás da orelha”, começa por afirmar embora admita nunca ter imaginado a amplitude do problema e da revelação que iria escutar.
“Ele pediu para falar comigo e fomos para a garagem. Foi-me contando as coisas gradualmente… tentei manter a calma à frente dele, mas senti um aperto muito grande enquanto ele me contava. Estava a visualizar na minha cabeça tudo o que ele me estava a dizer. Como é que é possível?”, dizia para si própria. ‘Maria’ percebeu imediatamente que a situação tinha de ser denunciada às autoridades e “nessa noite nem consegui dormir bem”, confessa.
“Protegi a minha filha durante anos para que ela não fosse vítima de abusos sexuais. Normalmente temos sempre a tendência de proteger mais as meninas. Nunca na vida pensei que isso pudesse acontecer ao meu filho”, realça.
Denúncia às autoridades
No dia seguinte foi com o filho (“ele queria fazê-lo”, garante) apresentar queixa na Polícia Judiciária.
“Graças a Deus encontrei uma pessoa muito compreensiva na Judiciária porque fui a tremer fazer a denúncia. Fui muito bem recebida quando apresentei a queixa e, nesse dia, o meu filho até revelou outras coisas que não me tinha contado. Fiquei chocada”, sublinha.
‘Maria’ admite ter pensado por “várias vezes” falar directamente com o agressor, mas o seu pensamento principal passava por “nunca me prejudicar, nem ao meu filho”.
“Tentei manter a calma e até fui muito criticada por isso. No fim, até acabei por me revoltar um pouco comigo própria por não ter ido a casa dele dar-lhe umas bofetadas (…) mas percebia que isso seria pior porque já tinha colocado o assunto nas mãos da Justiça”, reforça.
Durante todo o processo a grande preocupação era o filho e perguntava-se no “que ele estava a sentir ao reviver tudo aquilo”. A pressão social, porque a situação foi conhecida, foi outro dos problemas com que foi necessário conviver e ‘Maria’ lembra que “a certa altura até parecia que eu o meu filho estávamos a inventar tudo. Decidi que me ia manter firme e levar o caso até ao fim”.
A mudança de comportamento
do filho
A mãe lamenta ainda que o filho viesse depois a “sofrer de bullying na escola porque toda a gente acabou por saber da situação. Era muito difícil perceber que gozavam com ele na escola”, confessa. Com tudo isto, ‘Maria’ admite que o menor começou a ter “um comportamento diferente”.
“Antes deixava-me brincar com ele, tocar nele e agora já não me deixava tocar nele…. Tive de me adaptar à reacção dele. Ficou frio, mais distante”, afirma emocionada. A gestão dentro de casa também foi complicada e “não falávamos nisso à frente dos outros”. Para além disso, o relacionamento com “os homens adultos” alterou-se.
“Chegou um momento em que ele perdeu a confiança. Prejudicou-se na escola porque não conseguia interagir nas aulas com professores homens. Andava calado (…) Ainda hoje tem alguns comportamentos estranhos, mas vou-lhe dar sempre o benefício da dúvida”, garante.
Apesar de salientar que “a grande preocupação era com ele e não com o que estava a sentir”, ‘Maria’ confessa que lhe “chegaram a vir as lágrimas ao olho enquanto trabalhava”. Também era abordada por outras pessoas que afirmavam “não perceber porque é que eu não fazia nada. Parecia que me estavam a culpar por não ir mais além”, refere indignada.
Quando finalmente chegou o dia do julgamento, recorda-se perfeitamente de ter visto o agressor, “de cabeça baixa”, sentado no banco dos réus. À saída da audiência admite ter ficado com “um grande sentimento de culpa”.
“Deixou-me a pensar que devia ter reparado em algumas coisas, mas eu não sou uma pessoa maldosa por natureza. Se estivesse estado mais alerta talvez pudesse ter evitado...”, afirma emocionada.
Passo seguinte: o acompanhamento psicológico
Reviver todo o processo é doloroso e depois de se recompor, ‘Maria’ conta que o filho negou inicialmente receber acompanhamento psicológico.
“Tentamos na escola que ele tivesse acompanhamento depois das aulas, mas ele não quis. Ele estava a ser muito pressionado e isso estava a fazer-lhe mal”, salienta.
Antes de ter aceite o acompanhamento psicológico, situação que só ocorreu depois de ter sido reencaminhado para APAV, ‘Maria’ lembra as vezes em que este teve de contar a sua versão.
“Teve de ir à Protecção de Menores e à médica legista contar a situação. É um processo doloroso porque teve de repetir a história várias vezes. Pediam-me sempre para eu sair da sala para que ele pudesse falar à vontade”, recorda.
Ultrapassadas todas essas etapas, a mãe revela agora que o filho “não quer sair”.
“Tornou-se um pouco anti-social e se tiver de ficar sozinho no carro, tranca-se lá dentro. Agora não quer ir a festas e até era um miúdo que gostava de sair”, realça.
Numa outra vertente, ‘Maria’ aconselha que as famílias tenham “uma relação muito aberta com os seus filhos”.
“Se não existir, no ambiente familiar, essa confiança vai ser complicado o filho ou a filha contarem aos pais. Aconselho que tenham uma relação muito aberta com os seus filhos, porque assim podem ter a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, eles contarão”, destaca.
Esta mãe considera também que se devem tentar deixar de lado os impulsos iniciais de “fazer justiça pelas próprias mãos” quando se é confrontado com uma situação destas.
“Não o façam e não estraguem a própria vida. Sou contra isso e a justiça existe por algum motivo. Temos uma vida longa pela frente e temos de pensar nisso”, refere.
Olhando para trás, ‘Maria’ continua convicta de que fez “o que devia e voltava a dar os mesmos passos”. Hoje em dia, esta mãe confessa sentir-se “aliviada”.
“Quando contei ao meu filho que o seu agressor tinha sido condenado, ele sentiu-se bem e tranquilo. Se ele se sente bem, para mim está tudo bem”, garante.
A terminar e apesar desses sentimentos, ‘Maria’ admite: “Já passou, mas nunca se esquece”.
Luís Lobão