Aventureira que se rege pela sua intuição, Angélique Verdel nasceu na Holanda, trabalhou como cantora e actriz na Alemanha, explorou outros quantos cantos e recantos, mas em 2021 decidiu viver nos Açores e residir no Faial, lugar que chama de casa e onde desenvolve uma série de projectos. É guia turística, faz artesanato com lã, é anfitriã no alojamento agroturístico Pátio e é life coach (instrutora de vida) para ajudar as pessoas a relembrarem os seus sonhos e talentos e a “encontrarem-se a si próprios”, ao mesmo tempo que desfrutam da ilha azul. No Faial aproveita todos os seus talentos e tenta juntar turistas e locais em diversas actividades. Na entrevista ao Correio dos Acores, Angélique fala de novos projectos, como voltar a actuar, ou a dinamização de novas actividades, tais como workshops de feltragem. Para a holandesa, é muito importante integrar-se, convivendo e dinamizando encontros com a comunidade local.
Desde cedo em contacto com a música e o teatro, ao lado da sua mãe que tocava guitarra, a holandesa apercebeu-se que era feliz nos palcos. Fez o seu primeiro papel num musical aos oito anos, mas em vez de seguir uma formação no teatro, decidiu ver mais do mundo, quando acabou os estudos. Foi para Berlim, Alemanha, em 1986, onde começou a aprender alemão, trabalhou como cantora, e fez parte de uma afamada banda de blues.
Após a queda do muro de Berlim, Angélique conta que sentiu um sinal de que deveria ir para Porto Alegre, no Brasil. “Quando sinto algo muito forte, apenas faço, não penso”. Foi o que fez, comprando um bilhete só de ida para a América do Sul, com 23 anos. Lá, começou a aprender português, cantou, descobriu a bossa nova e viveu uma grande paixão. Foi nessa época que surgiu o gosto por Portugal que a traria aos Açores. Após um ano no Brasil, Angélique teve de voltar para trás, e desta vez foi para a Baviera, Alemanha. Começou uma carreira como cantora e actriz de teatro. Participou em musicais, teatro improvisado e peças solo. Cantou desde o rock & roll e folk, ao jazz. Começou a sua formação como instrutora vocal e de respiração (“Vocal and Breath Coach”). Após adquirir o gosto por esta área, continuou a sua formação, como instructora de BIO –Energia e Psicoterapeuta (naturopata).
Na pandemia, resolveu visitar os Açores. Conheceu todas as ilhas com excepção de Santa Maria. Aquando o seu regresso à Alemanha, surgiu-lhe a proposta de uma agência de viagens para trabalhar como guia turística nos Açores, pois tinha conhecido muito sobre o arquipélago. Angélique aceitou, sem pensar duas vezes, conta, e é evidente que não se arrependeu: “Voltar ao Faial, para mim, foi mesmo como voltar a casa”. Desde então, tem desenvolvido vários projectos, não só com turistas, mas também com os habitantes, sendo essa a parte mais importante para si. Conta que tem-se tentado integrar na ilha a que chama de casa.
“Sinto-me em casa aqui.
Não voltaria para a Alemanha
ou para a Holanda”
No Faial, Angélique pode por em prática todos os seus dons e talentos e desenvolver os seus projectos: “Aqui consigo fazer tudo o que quero”. No Inverno, acorda cedo para trabalhar no seu pequeno moinho, que é o seu escritório, a escrever, aprender português, a fazer feltragem e também inventando novas ideias para os retiros, workshops e para o teatro, que pretende retomar. “Qualquer dia vou ao teatro, porque sinto falta disso, para dizer a verdade”, revela. Conta que, por vezes, faz também pilates, hidroginástica, e caminhadas com o seu cão Lucky: “Adoro caminhar e apenas sentir a ilha e ser uma só com a ilha”.
No Verão trabalha como guia turística, mostrando a ilha aos visitantes. Com hóspedes do Pátio, faz também sessões de meditação na Caldeira, ou visitas ao Capelo, “sentir a terra nova”, conta a holandesa. “Mostro-lhes que nos Açores podes sentir a terra e que a mãe natureza está viva. E é o que eles sentem também. Reparei que quando faço terapia aqui, chego mais rapidamente ao objectivo, porque parece que aqui as pessoas estão mais conectadas a si próprias”, sente.
De vez em quando vai ao continente, para respirar outros ares. “Acho que é importante sair da ilha, de vez em quando, só para perceber o quão bom é viver aqui”, expressa.
No Pátio, tem dinamizado vários jantares, alguns dedicados à culinária de outros países, e sunsets que juntam estrangeiros e locais ao fim do dia, com música ao vivo e comes e bebes, para disfrutar do pôr-do-sol a partir da freguesia dos Cedros, onde o alojamento se situa. De acordo com Angélique, os visitantes e estrangeiros devem misturar-se com a cultura e a comunidade local e aprender a língua. É o que tem feito desde que cá chegou, “Não quero ser vista como estrangeira, e é por isso que estou a aprender português”. O alojamento a norte da ilha abre-se à comunidade com actividades dinamizadas por Angélique.
Na sua experiência como anfitriã, conta que há sempre alguma coisa a acontecer e histórias para contar. “Temos muita gente a trabalhar aqui”, e os funcionários já a consideram da família. “Quando as pessoas têm problemas vêm falar comigo. É também bom para mim porque posso treinar o meu português.” No entanto, Angélique confessa ter um certo “medo” em relação ao turismo na época baixa. “Acho que vai ficar lotado, este Verão, porque os Açores estão muito populares”.
O alojamento tem uma grande aposta na oferta dos passeios a cavalo, e já conta com cerca de 30 animais, mas Angélique confessa que esta não é uma das suas actividades: “É engraçado, tenho um bocado de medo de cavalos. Estou a fazer amizade com eles, mas ainda não estou preparada para montar”.
Feltragem continua viva na ilha
e lã vem das ovelhas locais
É também no Faial que Angélique tem se dedicado à feltragem. Conta que adora criar novas coisas e que durante a pandemia reparava algumas roupas com lã, mas que foi na ilha azul, no Inverno, que começou a fazer arte a partir da lã. O processo é livre e intuitivo: “Quando começo não sei o que vai sair dali”. Das suas mãos têm nascido flores coloridas que servem de decoração ou acessórios, animais marinhos, e muitos outros objectos.
Esse recurso usado pela artesã vem das ovelhas do Faial, que um habitante da freguesia dos Cedros lhe cedeu. Os seus produtos, bem como os de outros artesãos da ilha, são expostos e divulgados pelo Centro de Artesanato do Capelo, que a convidou a apresentar a 1.ª edição do workshop de feltragem, que acontecerá a oito de Abril, revela a artesã. Para Verdel, é importante que estas e outras actividades incluem estrangeiros e habitantes.
“Fábrica da Luz”consiste em
retiros para quem se sente vazio,
exausto ou quer se reencontrar
Angélique viu nos Açores uma oportunidade e um local propício para desenvolver um projecto com o qual sonhava. Com ‘Fábrica da Luz’, a instrutora ajuda quem se sente vazio e sem rumo e que precisa de passar algum tempo sozinho para reencontrar o propósito da sua vida, através da meditação, encontros de partilha de experiências, treinos de respiração (breath coaching) e de vida (life coaching). O objectivo é relembrar as pessoas sobre os seus sonhos e talentos e sobre “quem realmente são”.
“Às vezes, as pessoas ficam neste comboio da vida e esquecem-se de saírem. E a partir de certo ponto não sabem para onde estão a ir”, nota. Para a holandesa, os Açores são o lugar ideal para ver as coisas de outras perspectiva e a natureza faz já parte do trabalho: “Quando as pessoas vêm cá e olham para o mar conseguem relaxar e eu posso ajudá-las a libertar as suas tensões. Foi por isso que comecei a ‘Fábrica da Luz’. É sempre um perigo as pessoas perderem-se e esquecerem-se quem realmente são. Acho que quando se tem muitos dons e talentos – toda a gente os tem - devem segui-los, porque eles são a bússola na vida”.
“Cada ilha é diferente. Visitar outra
ilha é como ir de férias”
Angélique rapidamente percebeu que cada ilha açoriana é única e tem muito para oferecer: “É como se fosse umas pequenas férias quando vais a outra ilha”, sente, nomeadamente quanto atravessa o canal para ir ao Pico. A sua formação de guia também permitiu-lhe ficar a par das tradições e da história dos Açores. “Aprendi muito sobre baleação, vinha, vulcões. Sei cada vez mais”.
Tendo já explorado oito ilhas, só lhe falta a mais antiga, Santa Maria. São vários os lugares que adora no arquipélago. No Faial, adora ir à Caldeira. Na Graciosa, considera que lá se pode sentir a essência dos Açores. Gosta também de São Miguel, “mas não na época alta”. Conta que um sítio “especial” para si, é o Faial da Terra e também a Povoação, que considera não ser um lugar muito “turístico”, mas que é lindo de explorar. Na Terceira, a guia encontrou a sua cidade açoriana preferida, Angra do Heroísmo. Em São Jorge, adora caminhar, adora os trilhos e as fajãs. No Pico, o seu lugar de eleição são as Lajes. Reconhece também a beleza das Flores e do Corvo, mas não se imaginava a viver numa ilha tão pequena, admite.
Mariana Rovoredo