Inaugura amanhã às 18 horas e estará patente até 31 de Março

“Relink” junta Milagres Paz a Nina Medeiros e Sofia de Medeiros num olhar conjunto da natureza e das ilhas através da arte no Teatro

A ideia partiu de Nina Medeiros, que tomou a iniciativa de desafiar Sofia de Medeiros para criarem a sua própria narrativa. Além de uma vontade incontrolável de fazer acontecer algo, Nina sentia necessidade de se reconectar com a sua linguagem e de retomar o seu percurso artístico que fora interrompido pela pandemia. Sofia aceitou o repto e após um longo processo e várias conversas, as artistas chegaram à conclusão de que pretendiam desenvolver uma narrativa com itinerância, que incluía uma proposta de parceria, envolvendo sempre um convidado nos diferentes locais onde serão expostos os seus trabalhos.
Assim, nasceu a exposição “Relink” que, como o próprio nome indica, significa reconectar. E reconectar implica voltar à base, onde tudo começa na criação artística, e culmina com a apresentação ao público, algo intrínseco à profissão do artista. Para Sofia de Medeiros esta mostra proporciona, ainda, uma espécie de regresso às origens, visto que não exponha os seus trabalhos nos Açores há muito tempo.  
Além da necessidade de se reconectarem, as artistas consideram haver, na conjuntura actual, a ideia de que os artistas devem esperar por um convite, ao invés de colocarem mãos-à-obra e fazerem as coisas acontecer. Na opinião de Nina Medeiros e de Sofia de Medeiros, o artista deve tomar a iniciativa de criar a sua própria narrativa.
Este projecto está inserido no âmbito da Pop Up Gallery, um conceito que existe no mundo das artes e que pode ser descrito como uma galeria de artes sem espaço físico, surgindo em diversos ambientes durante um determinado período de tempo.
Inicialmente, as artistas colocaram a possibilidade de alugarem um sítio para expor mas, na sua busca, encontraram locais inusitados, decadentes e inclusive perigosos, pelo que esta opção foi descartada até que surgiu o Teatro Micaelense.
Apesar de ser um recinto invulgar para exposições do género, na medida em que estes espaços ligados à cultura privilegiam outras artes que não as expositivas, Nina e Sofia consideram que estes sítios podem ser lidos de outra forma e prova disso será esta exposição. Além de ser dotado de salas fantásticas e de oferecer excelentes condições, o Teatro Micaelense cedeu no espaço e apoio logístico, tornando-se, assim, parceiro doprojecto.  
Nina Medeiros, Sofia de Medeiros e Milagres Paz assumem expressões artísticas bastante diferentes, o que torna esta reunião pouco usual. Mas, as artistas conseguiram, de forma harmoniosa, combinar os seus trabalhos e linguagens, através de um fio condutor: a natureza. Como a natureza foi o mote desta abordagem, azul, verde, terra, mar e céu foram as palavras que surgiram imediatamente nas mentes de Nina e Sofia. Através de um olhar diferente sobre os vários tons de verde e azul, cores tão presentes nos ilhéus e no seu quotidiano, as artistas pretendem transmitir o olhar dos artistas que nasceram e residem nos Açores, desmistificando a ideia de que quem vem de fora é que pode trabalhar sobre estes assuntos ligados à natureza dos Açores.
 “É o olhar de quem vive cá, de uma forma extremamente contemporânea, um olhar peculiar e com sentimento, com base no que foi vivenciado desde a infância”, afirmam.  
A exposição conjunta, que ocupa duas salas do Teatro Micaelense, começa com um repertório do bailado de Milagres Paz, artista convidada para a mostra em São Miguel. O desafio lançado, por Nina e Sofia à conceituada coreografa e bailarina e concretiza-se com uma abordagem através de suportes como a fotografia e o vídeo.
“Primeiro, tenho repertório do meu bailado. Não quis mostrar coisas tão específicas como uma perna alta ou uma pirueta, mas o corpo de uma forma mais artística. Tenho fotografias lindíssimas, tiradas pelo meu marido, por Hugo França, por Eddy Ferreira e emoldurei-as. É outra forma de ver a arte”, refere Milagres Paz.
Apesar da predominância assentar no azul e no verde, outra cor presente na exposição é o vermelho, por ser uma cor impactante. Em complemento a umas peças escultóricas vermelhas, de Sofia de Medeiros, ocorreu a Milagres Paz projectar o filme de um bailado que fez sobre o touro, por ser contra as touradas e a morte de animais: “Tenho algumas fotografias a vermelho, seguidas das peças da Sofia e, no fim, o touro acaba morto, com a cara coberta de sangue. É forte. O vermelho causa sempre algum impacto”. Embora a sua linguagem seja outra, manifestando-se através da dança, nos últimos bailados Milagres Paz fez o périplo pelas ilhas com o projecto “Açores, Uma Jornada de Sonho”, sendo esta uma ligação que faz com Sofia e Nina, um olhar pelas ilhas através do corpo.
A bailarina acredita que, em termos de arte, quando há alguma afinidade, os artistas encaixam, e foi este o caso, tendo-se criado uma comunidade de linguagens e de estética nesta exposição.
A exposição prossegue com a instalação de Sofia Medeiros sobre o ritual da água, onde se podem observar 52 bacias de água com bordado a matiz que convocam a cultura açoriana e intercalam com o vídeo de Milagres Paz.   
“Há uma série de rituais da nossa cultura que se pode evocar aqui. A instalação das bacias tem a ver com a questão ritualística que pode até ser o lava-pés e os bordados remetem para o próprio ritual do bordar infinitamente”, explica a escultora.
A artista plástica confessa que para esta mostra, de modo a explorar as texturas e as cores, desenvolveu mais trabalhos têxteis do que peças em ferro, ao contrário do que faz habitualmente, que é uma conjugação equilibrada entre ambos. Por estar ‘obcecada’ com a cor azul, as suas peças, que incluem objectos tridimensionais, remetem sobretudo para paisagens subaquáticas.
Sofia de Medeiros leva esculturas inéditas para esta mostra, algumas criadas especialmente para a ocasião e outras que, apesar de já terem sido expostas noutros locais, nunca o foram cá e intercalam com o fio condutor que é a natureza. Prova disso são as ‘Casinhas da Rainha’, uma série de casinhas feitas para uma exposição no Convento de Santa Clara, em Coimbra, sobre a Rainha Santa Isabel. Apraz a Sofia abordar a questão do feminino nos seus trabalhos e estas casinhas são extremamente femininas, além de que intercalam perfeitamente com o trabalho de Nina Medeiros, cujo título é ‘O Jardim da Rainha’.  
Nina Medeiros traz para a exposição uma série de 22 aguarelas sobre um jardim. Embora possa ser sobre qualquer jardim, a pintora confessa que foi o jardim do Palácio de Sant’Ana, as suas plantas e os seus cheiros que lhe serviram de inspiração.
Além disso, a artista confessa ser fortemente influenciada pelo cinema, pelo filme “The King’s Garden”, sobre um jardim de Versalhes, que também contribuiu para a pintura das aguarelas que compõem ‘O Jardim da Rainha’. Aliás, a própria forma como a série de aguarelas está montada relaciona-se com o cinema, por ser uma narrativa que se vai desenrolando, remetendo aos frames dos filmes. A apresentação é feita de forma horizontal, de modo a que a pessoa vai caminhando e olhando para a paisagem, a qual vai mudando ao longo do percurso, pois cada aguarela tem uma vista distinta.
“Esta narrativa não é objectiva, é mais a nível de símbolos, códigos e sensações. As aguarelas estão expostas de forma a que a pessoa tem a oportunidade de fazer, do primeiro ao 22º desenho, o percurso que eu fiz, tendo a oportunidade de sentir o caminho percorrido. Esta exposição é sobre valorizar a estética, aquilo que é aprazível ao olhar e ao bem-estar, no fundo, é saber olhar e estar bem na natureza”, realça Nina Medeiros.  
Sofia de Medeiros e Nina Medeiros são as curadoras da exposição, e o seu propósito é divulgar e comercializar o seu trabalho. Existe um tabu acerca da venda do labor de um artista que, segundo Sofia e Nina, não devia existir e, de certa forma, estas exposições legitimam o trabalho dos artistas.
As artistas plásticas vão mais além, afirmando que, nos dias que correm, a função de curador está banalizada e que o seu papel se tornou num cliché. Esclarecem que a vantagem deste género de projectos é que não existe a obrigatoriedade de prestar contas a ninguém, apenas convidando e juntando as pessoas com quem gostam de trabalhar, com a particularidade de ser onde, quando e o que querem fazer. Todavia, este aspecto não descarta a possibilidade de estarem abertas a convites.   
O projecto inaugura-se em São Miguel, no Teatro Micaelense, seguindo para o Museu de Angra do Heroísmo, na Terceira e, posteriormente, a exposição estará patente no Museu de Indústria Baleeira, no Pico.                                 

Carlota Pimentel

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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