Nova regulamentação deve ser conhecida este mês

Se o Governo não comparticipar os salários de todos os bombeiros “as coisas vão começar a parar” na Associação de Ponta Delgada

Foi recentemente aprovado pela Assembleia Legislativa Regional, um aumento de 8% sobre o valor do ordenado mínimo regional em 2023 a ser aplicado a todos os corpos de bombeiros da Região, por proposta do PAN/A, na discussão do Plano e Orçamento Regional 2023. Este aumento veio como uma questão de “justiça social” para uma profissão de muito “desgaste” e “sacrifício”, mas as associações humanitárias temem que não consigam fazer face ao pagamento de todos os encargos se o aumento não for comparticipado pelo Governo dos Açores, não só aos bombeiros que estão vinculados ao Serviço Regional de Protecção Civil e Bombeiros, como também aos voluntários. O Governo está a concluir a regulamentação do Estatuto do Bombeiro que deverá ser conhecido este mês.
João Paulo Medeiros, Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros de Ponta Delgada, diz que “é necessário que o Governo alargue” o aumento de 8% ao salário dos bombeiros voluntários, pois a Associação Humanitária de Ponta Delgada, que “já passa por várias dificuldades, não terá meios suficientes para fazer face a esse aumento, que corresponde a cerca de mais 250 mil euros anuais, acrescendo, ainda, os impostos”. Isso para já não falar do aumento de 80% na electricidade que João Paulo considera “absurdo”. A Associação, que cobre os concelhos de Ponta Delgada e Lagoa - cerca de 85 mil habitantes -conta com 95 elementos, metade dos quais voluntários.  

Correio dos Açores - Este aumento será aplicado aos bombeiros profissionais, bem como aos voluntários?
João Paulo Medeiros -Vai aplicar-se a todo o corpo de bombeiros. No caso da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada, são cerca de 95 bombeiros. Em termos de valores nominais, estamos a falar de um encargo para a Associação Humanitária na ordem dos 250 mil euros, por ano, a mais, daquilo que já eram os valores que pagamos aos nossos bombeiros, que anda à volta dos 2 milhões e 200 mil euros por ano, em termos de vencimentos.

“Os aumentos acabam por
ser uma questão de justiça social...”

O Governo vai comparticipar esse aumento?
Estamos a aguardar que seja definido, durante este mês, um pacote de ajuda financeira que prevê uma lei de financiamento das associações humanitárias dos bombeiros voluntários dos Açores, e que uma das componentes tem a ver exactamente com esse aumento dos 8%. Porque, de facto, os custos são muito elevados para as associações. É verdade que era uma necessidade que os vencimentos tivessem aumento, porque os bombeiros estavam a receber o mínimo e para uma profissão de desgaste, de sacrifício e de muito trabalho que fazem todos os dias, alguns deles já com 20 e tal e 30 e tal anos de associação, é complicado. Daí que os aumentos acabam por ser uma questão de justiça social, mas para as associações tem um impacto financeiro muito grande. Vivemos com muitas dificuldades, todos os dias. Chegamos sempre ao fim do ano com prejuízo entre as receitas e as despesas e, agora, mais cerca de 250 mil euros, mais ou menos, é um aumento muito grande e não conseguimos ir buscar esse valor a nenhum outro lugar que não seja através de um apoio financeiro do Governo.
Estamos a crer que o que estava em trânsito na Secretaria Regional da Saúde e do Desporto era exactamente essa lei de financiamento das associações, que previa uma comparticipação para o aumento dos vencimentos. Mas não está nada definido e ainda estamos a aguardar que o Governo defina essa regulamentação.

Mas o Governo só vai comparticipar o aumento dos bombeiros profissionais?
Sim. A nossa expectativa é que este aumento comparticipe aquela que é a base salarial de todos os bombeiros com vínculo profissional. Isto em termos jurídicos percebemos que não é uma situação fácil de definir e de regulamentar, porque aquilo que o Governo normalmente faz é a comparticipação apenas e só dos bombeiros que trabalham nas ambulâncias - na urgência, no socorro – e aí trabalham 30 bombeiros, mas depois temos todos os outros que fazem as suas funções, todos os dias, nos transportes de doentes não-urgentes, no aeroporto, nos incêndios, nos acidentes. Enfim, todo o resto do corpo de bombeiros acaba por beneficiar desse aumento e a associação não tem meios suficientes para fazer face a esse encargo. Portanto, é preciso que o Governo alargue essa base de apoio para que possamos suportar essa diferença salarial, que é muito acentuada.
Para além disso ainda estão os impostos da Segurança Social, o IRS e os seguros de acidentes de trabalho. Tudo isso somado, são muitas centenas de milhares de euros, que vêm somar a uma situação que já não era nada fácil e muito débil da Associação. Em termos de salários, pagamos por mês cerca de 120 mil euros e, em termos de impostos, anda numa média de 55 a 60 mil euros, por mês, também. Isto com base agora nos vencimentos antes dos aumentos, que ainda não estão a ser aplicados.  

E se o apoio só se aplicar aos bombeiros profissionais, como é que vão pagar aos voluntários?
As coisas estão bem encaminhadas. A Federação de Bombeiros da Região Autónoma dos Açores tem liderado o processo em nome de todas as associações, e há aqui um compromisso do Governo que neste Março esta situação ficaria definida.
O Governo vai ter de comparticipar, não há outra solução, porque senão as coisas param, e temos de dizer que não é possível. Começamos a recusar transporte, começamos a não conseguir ir aos doentes. Quando houver fogos, as pessoas, se calhar, vão ter de esperar meia hora pelos bombeiros. Portanto, é impensável e tem de haver um aumento de investimento nos bombeiros, senão as coisas vão começar a parar.

“É incomportável para
nós manter estes custos”

Estão com uma campanha para angariação de fundos e de sócios...
É verdade, mas a campanha é apenas para fazer face a necessidades de investimento em viaturas e equipamentos. Isto é uma necessidade estrutural, não é para pagamento de ordenados. Por exemplo, um dos problemas que temos é a factura de electricidade, que aumentou mais de 80%, do ano passado para este. Passamos de uma factura mensal de seis mil euros, para quase 11 mil euros. Estamos com um problema gravíssimo entre mãos, pois se continuar esta média de consumos, vamos chegar ao fim do ano com cerca de 120 mil euros de despesa só de electricidade. O Governo também está a analisar esta situação, porque precisamos de ajuda. É incomportável para nós manter estes custos, para além dos custos que temos vindo a sofrer com o aumento dos combustíveis. Agora, este aumento da electricidade é quase um absurdo.

A Associação está a receber apoios para combustíveis e electricidade?
Para os combustíveis, sim. Há um plafond definido por lei para todas as associações. Há sempre um custo que a Associação assume, de 40 mil euros por ano, mas sempre é uma ajuda significativa em termos anuais.
Em relação à electricidade, neste momento, não há. São valores que estão a ser sentidos pela primeira vez.
Quer a Câmara a Municipal de Ponta Delgada, quer a Câmara Municipal da Lagoa têm vindo a aumentar os seus apoios, os seus protocolos anuais. As câmaras têm estado bastante sensíveis às nossas problemáticas e às nossas dificuldades.

Mas apesar de tudo, os apoios não são suficientes?
É sempre insuficiente. Temos um orçamento de quase 3 milhões de euros. Mesmo assim, os recursos são insuficientes. Estamos a sentir um aumento exponencial do número de serviços. Só para dar uma ideia, as nossas ambulâncias fazem cerca de oito ou nove mil quilómetros por mês. Há todo um conjunto de custos e de gastos mensais que são de dimensão colossal. Equipar um bombeiro para combater um incêndio, desde o capacete às botas, custa cerca de 2.500 euros. É tudo muito caro. Por exemplo, depois deste sismo na Turquia, onde procuravam vítimas soterradas, ainda não temos uma câmara térmica, mas já a encomendamos. Uma câmara térmica custa 3.000 euros, mas claro que é necessário porque pode acontecer alguma tragédia, não só um sismo, mas também um incêndio num edifício em que seja preciso procurar uma vítima que esteja inanimada. Tudo isso são equipamentos muito caros, mas muito necessários. Uma viatura de transporte de doentes custa 55 mil euros. As nossas viaturas têm vinte e tal anos. Precisamos urgentemente de duas viaturas de transporte de doentes e estamos a falar de cerca de 110 mil euros.

Não há apoios para aquisição de viaturas.
Não. Nem sequer podemos candidatar-nos a fundos comunitários, que é algo que nos revolta muito e que não percebo. É daquelas coisas que ninguém compreende. A legislação não o permite e nunca foi alterada. Apesar dos apelos que fazemos, continua tudo igual. Portanto, vivemos das nossas receitas, dos nossos trabalhos, das comparticipações do Governo, das câmaras e do hospital, mas claro que é insuficiente. O nível de exigência é tão grande. Estamos a fazer mais de 200 transportes de doentes por dia, entre hemodiálises, oncologias, tratamentos, fisioterapias... É um incremento colossal entre o que era antes da pandemia e o que é depois da pandemia.

Têm também falta de pessoal?
Temos falta de pessoal. Vamos começar agora, dia 20 de Março, uma nova recruta, com 18 candidatos a bombeiros. É mais um investimento da associação, em formadores, fardamentos, formação, mas é necessário. Temos de ir renovando os quadros.

Mariana Rovoredo

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Autor: CA

Categorias: Regional

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