Num dos cafés da freguesia da Relva, fomos encontrar Manuel Aguiar de 71 anos, mais conhecido por Manuel Guerra. Nascido e criado na Relva, o encarregado de obras reformado recorda que quando nasceu esta era uma freguesia muito pobre: “Era tudo terreiro. Não havia água, nem luz. Cheguei a passar muitas necessidades na minha infância, assim como toda a minha família e a maioria dos habitantes da freguesia.”
Manuel Aguiar é casado e pai de quatro filhos. Apesar de ter vivido 20 anos no Grupo Central, dos quais dois no Faial e 18 anos no Pico, Manuel decidiu regressar à sua terra natal, pelo facto de toda a sua família se encontrar na Relva. Actualmente, vive com a esposa, a filha e uma cunhada que, por ter tido um AVC, está aos cuidados da mulher de Manuel Aguiar há 18 anos.
Manuel Aguiar: “temos que
cortar muito e nem penso
em comprar roupas...”
Manuel e a esposa, que era cozinheira, recebem a sua reforma, e a filha do casal também trabalha. Com a subida do custo de vida, o antigo encarregado de obras explica que se tem conseguido desenvencilhar juntando todos os rendimentos e “dividindo o mal pelas aldeias”. Ainda assim, “temos que cortar muito e nem penso em comprar roupas, ao preço que as coisas estão.”
Manuel tem por hábito ir todas as semanas, à Quinta-feira, à feira de Santana em Rabo de Peixe, para comprar algumas hortaliças e para se “distrair.” Nestas visitas, constata que “as coisas estão muito caras.”
E prossegue: “Um quilo de cenouras está a 1,50 euros, um repolho pequeno custa um euro, os brócolos estão a 2,39 euros o quilo e a couve-flor a 2,40 euros. E ainda vêm com os talos e as folhas. A batata também está cara. Somos a ilha que produz mais batata e um quilo está a custar 1,20 euros.”
Manuel recorda que sempre plantou as suas “hortaliças, batata, couves, alfaces, cebolas, salsa, tudo o que era necessário”, todavia, actualmente não se sente com forças para trabalhar na terra, e adianta que “hoje em dia, peço a um homem para cavar o meu quintal e ninguém quer. Na minha altura, o quintal cavava-se em 3 horas, hoje levam dois dias e eu pago 80 euros. Não compensa fazer agricultura porque não há quem queira.”
Em 76 foi obrigado a ser camponês
para sustentar os dois filhos
Para Manuel, o cenário que se vive actualmente traz-lhe à memória a crise de 1976, após o 25 de Abril, altura em que foi obrigado a trabalhar de camponês para sustentar o casal de filhos que tinha. Segundo Manuel, a guerra na Ucrânia não é justificação plausível para tudo e opina que “os grandes industriais é que estão a encher a carteira e o pobre é que paga tudo.
“Ainda ontem fui a um hipermercado comprar um desodorizante. Vi um de 4,48 euros, que estava em promoção, passando a custar 2,70 euros. Quando cheguei ao caixa, se não estivesse atento, ia pagar os 4,48 euros. Se aconteceu comigo, acontece com mais pessoas e em vários artigos”, alerta Manuel Aguiar.
Maria Cordeiro: “A vida
é muito sofrida”
Maria da Conceição Cordeiro está à porta de casa a estender a roupa. Tem 70 anos e vive da reforma do marido, pois embora tenha trabalhado, diz que nunca atingiu o suficiente para ter direito a uma reforma.
Em casa do casal vivem ainda um irmão de Maria da Conceição, o filho, a nora e a neta de quatro anos. O irmão de Maria da Conceição é reformado e o filho trabalha.
“A vida é muito sofrida. O meu marido tem uma reforma de 400 e tal euros. Pagamos as despesas e resta cerca de 200 euros. O que dão 200 euros para a vida? Antes, íamos ao supermercado com 25 euros e já se comprava muita coisa, agora paga-se a dobrar. Os dois sacos que trazia com 25 euros, custam 50 euros”, refere Maria da Conceição.
“Não se pode comprar peixe
e carne. Vamos voltar
ao tempo das couves...”
E continua: “Vamos voltar ao que era antigamente. Lembro-me perfeitamente da minha criação, com muitos sofrimentos. A minha mãe era paralítica e éramos muito pobres. Comia-se muitas sopas com couves e passava-se muita fome.”
Maria da Conceição partilha que, apesar de não passar fome actualmente, “fechamos os olhos a muita coisa. Não se pode comprar peixe porque está tão caro e a carne também está cara. Vamos deixando tudo para trás. Então, o que vamos comer?”, questiona.
Maria é católica e acredita estamos a presenciar o final dos tempos: “Deus sempre disse que havia de chegar ao fim do mundo e que, quando chegasse este tempo, iam aparecer muitas calamidades, tais como a guerra, a fome, as tristezas, que é o que estamos a enfrentar.”
Lúcia Faria: “Há meses em que
o dinheiro não estica e a carne
está cara...”
Algumas habitações acima mora Lúcia Faria, de 75 anos, em casa da filha e do genro, ambos trabalhadores, com os cinco netos, de 7, 10, 15, 17 e 18 anos.
Lúcia trabalhou na Casa dos Bordados, da Rua dos Mercadores, durante bastantes anos, numa altura em que “não havia descontos” e quando passou a haver Lúcia “já estava casa” para tomar conta dos filhos. Lúcia vive da pensão que recebe do marido.
Com o aumento do custo de vida, “há meses em que o dinheiro não estica até ao fim do mês”, porque “as coisas estão cada vez mais difíceis e o que se comprava com 50 euros, agora paga-se 100 euros”, afirma Lúcia.
“As carnes estão muito mais caras. Enquanto o meu genro ia à praça e trazia 100 euros em carnes, galinha, chouriços, agora já não faz isso”, refere.
Apesar de a filha de Lúcia e o genro trabalharem, com cinco filhos viram-se “obrigados a cortar nas quantidades” e a fazer “comidas que rendam mais, comidas de panela como fazíamos antigamente.”
Lúcia recorda que, quando se criou, o pai era padeiro “por isso pão nunca nos faltou”, mas “havia pessoas que passavam muitas dificuldades e estamos a voltar a estes tempos.” Além da falta de possibilidades financeiras, Lúcia defende que vão faltar bens essências: “Acho que vamos ter dinheiro mas não vamos ter o que comprar, já dizia a minha avó”, conclui.
Maria Amaral: “Vamos voltar
aos tempos antigos...”
Numa das casas junto ao mar, vive Maria Amaral de 63 anos, com o marido e o neto. Maria está reformada e era operária de máquinas na Fábrica de Tabaco Micaelense.
Maria diz que está a suportar o aumento do custo de vida, vivendo o dia-a-dia e “tirando umas coisas”, avançando “não se pode ter tudo o que tínhamos antes.” E avança: “Se formos às compras, de semana para semana vê-se que os preços aumentam e oscilam, especialmente o azeite e o óleo.”
Tal como a maioria, Maria entende que a guerra não é o único motivo do aumento de preços em todos os alimentos: “De alguns até pode ser, como é o caso dos cereais que vêm de fora, mas o leite e a manteiga por exemplo, julgo que não é devido à guerra.”
Maria perspectiva um futuro “muito negro se a guerra não acabar e a inflação continuar a subir” e defende que “vamos voltar aos tempos antigos.”
Célia Pereira: “Tem que se
apertar muito para chegar
ao final do mês”
Célia Pereira tem 45 anos. É assistente operacional no Hospital do Divino Espírito Santo. Vive com o marido e a filha de 16 anos. Embora Célia e o marido trabalhem, não está a ser fácil suportar o incremento do custo de vida.
“Tem que se apertar muito para chegar ao final do mês e tem que se abdicar de muita coisa. Não está fácil. Antes costumava fazer as compras ao mês, enquanto que agora faço à semana e só compro o indispensável”, afirma Célia que confessa que mudou alguns hábitos alimentares na sua casa, passando a “comer menos peixe e menos carne.”
“Às vezes, amanhávamo-nos com pão e queijo, mas agora nem sequer queijo se pode comprar, e até as hortaliças para fazer uma sopa estão caras”, lamenta.
Célia defende que o Governo devia regular o aumento constante do preço dos bens essenciais e diz que “o preço do transporte dos alimentos e a guerra” não são razões plausíveis.
“Aumenta tudo e os nossos
ordenados ficam sempre iguais?”
“Aumenta tudo e os nossos ordenados ficam sempre iguais? Além da alimentação, temos que pagar a casa, o carro e as despesas daí inerentes. No meu caso, o carro é um bem essencial porque trabalho por turnos”, afirma Célia.
Célia revela que perante a conjuntura não consegue poupar dinheiro, o que ainda fazia antes, de modo a salvaguardar o futuro da sua única filha, para o qual não tem “boas perspectivas.”
Por sua vez, João Ferreira, de 61 anos é um pouco mais optimista. João é proprietário de uma oficina de automóveis há mais de 20 anos e prefere não se lamentar. Apesar de notar que “as coisas estão mais caras, como tenho trabalho e fonte de rendimento, não me posso queixar da falta de dinheiro”, diz João.
Por outro lado, o mecânico refere que há clientes que se queixam do aumento de preço dos materiais, sendo que algumas peças, tais como os amortecedores, viram os seus preços duplicarem. Para ficar tranquilo com a sua consciência e numa tentativa de salvaguardar a clientela, João não aumentou o preço da mão-de-obra, mantendo-o como estava antes.
Questionado se o rendimento auferido é suficiente para fazer face às despesas, João Ferreira responde: “Graças a Deus não tenho dívidas, por isso vou andando.”
Carlota Pimentel