Correio dos Açores - Porque insiste em viver nos Açores?
Rui Bettencourt - Eu adoro os Açores. Esta é a minha terra. Esta é a terra que eu gosto. Eu sou açoriano. Eu sentir-me-ia bem em muitos sítios do mundo. Gosto de Paris. Gosto muito de Montreal, no Quebec. Mas eu, realmente, gosto de estar nos Açores.
Já esteve a trabalhar na Europa…
Sim, já estive e poderei um dia voltar a estar. Tenho um filho em Paris que visito e vejo. Mas, neste momento, gosto de estar nos Açores. Gosto deste ambiente. Gosto de ver amigos, deste clima…
É verdade que os açorianos são cidadãos do mundo. Nós, açorianos, podemos estar nos Açores, estando em outros sítios do mundo. Eu vivi 24 anos fora dos Açores. São centenas de dias e de noites, e era rara a noite em que não se pensava nos Açores. Um açoriano fora dos Açores é como dizia o nosso escritor João de Melo: “É ser feliz com lágrimas”. Pode-se estar bem em outro sítio e pensar-se sempre nos Açores.
Esta é a Região com os piores indicadores sociais e económicos de Portugal…
Esta questão merece muita reflexão. Que investimentos foram feitos, afinal? Que retorno tivemos destes investimentos? Como é que se investiu imenso dinheiro, fundos comunitários e outros? Que retorno é que isto teve? Se bem que temos de temperar esta questão porque é verdade que investimos nos Açores muito dinheiro e a União Europeia colocou à nossa disposição muito dinheiro durante muitos anos. Mas também colocou aos outros E, nesta caminhada, os outros também não estão parados. Nós, para atingirmos o nível dos outros temos de andar mais depressa do que eles. Esta é que é a questão. Eles também estão a andar.
As outras regiões da União Europeia estão a andar depressa. E nós temos de andar super-depressa. E há aproximações que se fizeram. Mas há questões que merecem reflexão.
O investimento na educação é para mim uma questão central.
É um homem da Formação. E nunca se atingiu o sucesso que se pretendia…
Atingiu-se em certa parte. Quando eu estive na Direcção Regional do Emprego durante década e meia, em 64 trimestres, tivemos apenas em três a taxa de desemprego superior à nacional. Em 61 trimestres tivemos a taxa de desemprego abaixo da nacional. Este é o único período em que a média do desemprego é abaixo da nacional de 2.3 pontos percentuais.
A formação profissional eu penso que vale a pena. É necessário insistir na questão da educação e da formação e esta é uma questão de uma década, de uma geração. E o facto é que quando houve investimento na formação profissional houve uma aproximação do Produto Interno Bruto per capita e há um desemprego menor. Isto não há dúvida.
Em simultâneo com a redução da agropecuária, podemos estar a cair na monocultura do turismo. Destes dois mundos qual o pior e o melhor?
Cada um deles têm coisas boas e coisas más. E já monitorizamos aquilo que é positivo e aquilo que é negativo, todos sabemos. No turismo, há uma coisa boa: pode haver criação de emprego e criação de riqueza…
Mas é um emprego mal pago!
O problema é este. E, nos próximos meses vamos ter grandes dificuldades de mão-de-obra. Isso não deriva apenas de um factor mas há um factor que é importante, que é o da remuneração. Encontrei um dia um aluno com um curso de mesa-bar, ao nível do décimo segundo ano e estava a trabalhar numa sapataria. Perguntei porquê e ele respondeu-me que “às 20h30 estava em casa”. Portanto, é necessário pensar esta questão. É necessário pensar que este investimento na formação profissional no turismo só pode ter efeito se, depois, as pessoas sentirem que podem ter uma remuneração conveniente. É difícil pedir a alguém que trabalhe das 11h00 até à meia-noite com remunerações próximas do ordenado mínimo.
Há forma de travar o turismo, sabendo que é próprio da natureza humana ganhar sempre mais?
Há um ditado no Japão que diz: “as árvores não crescem até ao céu”. Não podemos ter o turismo a crescer até ao infinito. É necessário que um dia haja um controle. É capaz o mercado poder acertar o limite. O meu receio é se este acerto feito pelo mercado for por perdermos qualidade. Se o número de turistas que possam vir aos Açores aumentar de tal maneira que, depois, perdemos qualidade no acolhimento, na natureza, etc., e aí as pessoas deixam de vir. Esta é uma maneira de controlar o turismo. Mas tem de haver outra forma de controlar o turismo. Não podemos ter um turismo de massas e isso não quer dizer que não tenhamos um turismo que traga proveito. Isto coloca outra questão também. É que os proveitos têm que ser geridos, têm de ser partilhados. E esta é que é a maior dificuldade do turismo, a partilha da riqueza que o turismo traz.
Como se pode caminhar para uns Açores mais ricos com uma melhor distribuição de riqueza?
Esta é uma questão central no projecto açoriano. É assim no turismo como em outros sectores. Temos que colocar no centro da criação de riqueza o factor trabalho. Todo o trabalho tem uma dignificação própria. E pagar convenientemente, ter uma remuneração justa é uma forma de reconhecer o trabalho.
Eu, por exemplo, sou contra o apoio à contratação de trabalhadores. Não estou a dizer que não se deva apoiar empresas na sua actividade, mas não através da contratação, porque isto dá a entender que o trabalho é um factor menor no negócio da empresa. O trabalho e a remuneração deste trabalho devem ser centrais num projecto empresarial. E, quanto há criação de riqueza, pois passa por aí.
Não se pode criar a ideia que tem de se dar dinheiro para se criar emprego, não. Aliás, uma empresa deve ser uma entidade que cria riqueza, não que absorve riqueza. Isto em todos os sectores. No funcionamento de uma empresa, na sua própria organização, deve estar o factor trabalho, a remuneração como maneira de distribuir a riqueza criada.
Os alemães e os dinamarqueses têm uma noção muito interessante de empresa. Entendem que, na empresa, tem de haver um espírito de cidadania empresarial. E cidadania empresarial é isto, a preocupação em que o centro da questão é a criação de riqueza, certo, mas também é a distribuição de riqueza através do trabalho.
A distribuição de riqueza nos Açores, noutros sítios também, tem de ser feita através do trabalho. Não se pode dizer que se quer menos gente no Rendimento Social de Inserção, para que as pessoas trabalhem e, depois, não seja a trabalhar que se crie riqueza. Não é normal, não é compreensível haver pessoas que trabalhem e que estejam em situação de pobreza.
Há muitos casos destes na Região!
Exactamente. O trabalho deve ser o vector essencial para distribuir riqueza criada numa organização.
Mas esta é uma questão de cultura e os açorianos não têm esta cultura…
Mas é necessário começar a injectar isto. É necessário começar esta cultura e, depois, aí, entra a questão da qualificação, entra depois aí a questão da produtividade…
Por exemplo, a questão do acolhimento no turismo tem de ser compensado através de uma maior remuneração do trabalho. É verdade que não há esta cultura mas, sem esta cultura temos problemas que ninguém vai resolver. A questão de ser atractivo para ter mão-de-obra, trabalhadores em alguns sectores, tem de passar por aí.
A questão não se resolve com a ideia que corre que é trazer mão-de-obra de fora. Não se resolve. Nós temos nos Açores ainda um leque de pessoas. Estamos a falar de 15 a 20 mil pessoas que podem estar no mundo do trabalho. Temos um certo número de inactivos. Temos um certo número de jovens que são os ‘nem nem’ (são os jovens que não estão nem a trabalhar, nem a estudar, nem em formação). E já estamos a falar de milhares de pessoas.
E as políticas públicas para o trabalho, para o emprego, no meu entender, têm de passar por uma reflexão séria e uma acção muito consistente para atrair estas pessoas para o trabalho.
Resolvíamos várias questões e não só a do emprego. Resolvíamos a questão da actividade e da criação de riqueza, a questão da distribuição de riqueza e a questão da pobreza. E resolvíamos também a questão da falta de mão-de-obra e, certamente, vai haver este ano.
É fundamental valorizar o trabalho?
Temos de caminhar para soluções de emprego através do trabalho, valorizando o trabalho, atraindo mais gente para o mundo do trabalho através de incentivos centrados não na posição de postos de trabalho, mas centrados na pessoa. A ideia é valorizar, qualificar as pessoas, atraí-las para o mundo do trabalho e não incentivos para a contratação, porque isto é inútil.
Aliás, há uma expressão de um amigo, economista, perito em questões de emprego e que escreveu vários livros sobre esta questão: ele dizia “investir na contratação numa altura em que há falta de mão-de-obra, em que o mercado de trabalho está muito tenso, é como dar um medicamento para abrir o apetite a um obeso”. Se, realmente, o mercado está a funcionar e há falta de mão-de-obra, tem que se agir é junto das pessoas para atrair mais gente para o mundo do trabalho.
As escolas profissionais estão em dificuldade hoje em dia…
E não há razão para isso. Instalou-se nos Açores a convicção errada de que há pouca gente e as escolas profissionais estão a ficar com menos gente. Como assim, pouca gente? Repare: O Código de Trabalho obriga as empresas a formar todos os anos, pelo menos, 10% do seu pessoal. Havendo entre 45 mil a 50 mil pessoas nos quadros das empresas, quer dizer que tem de estar cinco mil empregados por ano em formação. Depois, nós temos milhares de jovens que não estão nem em formação, nem em emprego e são as escolas profissionais que dão resposta. E são milhares. Depois, temos alguns inactivos que é necessário aliciar, é necessário atrair para o mundo do trabalho. Nós temos, certamente, 5 a 8 mil pessoas por ano a formar, que não estão a ser formadas. E quem pode fazê-lo? São as escolas profissionais. Não há outras entidades. Ou há por aí algumas entidades hadoc, sem histórico, sem condições…
A União Europeia disponibiliza dinheiro para que as escolas profissionais funcionem…
Sim, e houve um reforço gigantesco do Fundo Social Europeu para fazer formação. Tem que se canalizar estas verbas para pôr as pessoas em formação nos Açores.
E há um outro erro em que se está a pensar. As escolas devem fazer cursos chamados de nível IV. São cursos que dão equivalência escolar ao décimo segundo ano. Mas as escolas profissionais podem fazer outras coisas. Podem formar activos, podem formar trabalhadores, podem formar desempregados. Há, potencialmente, três a quatro mil desempregados para formar.
A formação é feita para transformar competências. Pega-se em pessoas que tem poucas competências em determinada área e, no fim do processo, elas são competentes para trabalhar naquela área. E, portanto, é necessário encaminhar centenas ou milhares de desempregados para esta formação. Há financiamento e há um conjunto de necessidades para que se faça isso.
Escolas profissionais: “O falso debate…”
Há o receio de as escolas profissionais sejam substituídas pelo ensino regular…
É um falso debate pensar-se que as escolas regulares estão a pegar nos formandos das escolas profissionais. Não, há lugar para todos. Há uma imensidão de gente para formar. Se nós quisermos que a formação seja uma estratégia para pessoas competentes para que as empresas funcionem convenientemente, nós estamos a falar de 5 a 10 mil pessoas por ano a formar. Estão a formar 20% disso. Portanto, é necessário aumentar.
E o meu receio também é que, não estando operacionais as escolas profissionais com o Fundo Social Europeu, que disponibiliza, pelas minhas contas à volta de 50 a 60 milhões de euros por ano aos Açores… É verdade que podem dizer que foi aprovado mas não está regulamentado. É verdade, mas pode-se avançar.
Quer na transição do quadro para 2001, quer depois para 2007, nestas transições, nunca se parou nos Açores. A nível nacional não parou a formação. Ela continua. Portanto, o que é que se está a passar aqui? O momento é agora. Agora é que tem de ser e já se vai tarde. Vamos entrar na época alta do turismo e não há pessoas suficientemente qualificadas para o mercado do trabalho.
É um homem dos Açores, é um homem da ilha, é um homem da cidade. Os Açores estão em crise. As crises sempre geraram oportunistas. Vive os problemas do dia-a-dia e os aumentos de preços estão na ordem do dia. Há quem esteja a fazer especulação e, por vezes, a fiscalização tem dificuldade em ser eficaz…
(sorriso). Com o aumento do custo de vida, há entidades que estão a enriquecer e outras pessoas que estão a ter dificuldades em chegar aos produtos. E eu entendo que é necessário fiscalizar. Mas não é só isso. É necessário ver o que está a acontecer e é necessário também ajudar aqueles que estão a ter muitas dificuldades. Estamos a atravessar um momento muito difícil.
A propósito, tenho estado a pensar no seguinte: como é que se compreende que, numa altura em que há uma explosão do turismo (boom), com resultados económicos impressionantes, como é que neste mesmo momento há muita dificuldade nos Açores? É necessário perceber isto. Cá está. O valor trabalho está aqui presente.
Mas não é só isso. É também uma questão de controlo que tem de haver de abusos que nós sentimos. Todos, na cadeia de valor, dizem que “o aumento do custo não vem de mim”. Então vem de onde? Porque é que há estes aumentos assim e aumenta mais numas coisas do que em outras? Não sei se está a ser feito, mas se não se está a fiscalizar em massa nos Açores, isto tem de ser feito.
E se está a ser feito, devia ser público e não esconder os resultados das acções da fiscalização?
Sim, é preciso dar a conhecer. O que é que está a acontecer? Não sabemos. Está a haver controlo? Como é que está a ser feito. A nível nacional houve há dias uma operação e foi explicado o que está a acontecer. Não sei se isto está a ser feito, mas não tenho notícias de que haja alguma acção neste sentido.
“É necessário haver nos Açores
um espírito e liderança”
Há por aí uma série de pessoas que julgam que são os donos disto tudo. Há falta de lideranças açorianas?
É necessário haver nos Açores um espírito de liderança entre os açorianos. A palavra liderança está muito ausente do projecto açoriano que estamos a viver. É necessário que haja líderes, não só políticos, mas também económicos. É necessário haver líderes açorianos. E, antes de mais, é necessário que se crie este espírito. E é necessário também que se ponha travão em relação a algumas arrogâncias que aparecem nos Açores. Há pessoas que julgam que são todos poderosos e não pode ser assim. É necessário que se ponha travão a isto. E, cá está. É preciso liderança para fazer isto. É necessário que se lidere o travão à arrogância. E é necessário que hajam açorianos líderes para ter mão num certo número de projectos de desenvolvimento dos Açores, quer em termos políticos, quer em termos económicos. Criação de riqueza, emprego, saúde, questões de educação. Em tudo isto é necessária liderança…
Lideranças açorianas?
Exactamente. Nós estamos com um problema a este nível. É preciso ter em atenção que, quando há um vazio, vem sempre alguém ocupar este vazio.
O que acontece é que os nossos grandes talentos procuram o futuro em outras paragens. E o vazio que poderia ser ocupado por eles, é ocupado por outros…
Houve um grupo de jovens da Dinamarca que me disse uma coisa que poderíamos adoptar nos Açores que é “nada sobre nós, sem nós”. Ou seja, não se deveria fazer nos Açores nada em que nós açorianos não estejamos implicados. E quando digo envolver os açorianos nas decisões é também nesta domínio. Mas isto é necessário ser liderado. Isto não é auto-expontâneo. Tem que ser liderado, tem que ser organizado, tem de ser feito, tem que ser explicado, tem de ser dito e temos de o fazer. Senão, temos um problema também. Além de desaparecerem as lideranças açorianas, são os açorianos que estão a ficar desinteressados das coisas.
A juventude açoriana não pode ficar desinteressada das suas coisas, senão, depois, alguém vêm mandar por eles. E isto é muito mau pelo seguinte: Os jovens açorianos de agora (por exemplo um jovem de 20 anos) vão ficar na história dos Açores até ao ano 2070. E, portanto, ao longo do século XXI, os jovens de agora que têm de 15 a 20 anos são eles que vão ter que tomar decisões, vão ter que criar riqueza, vão ter que trabalhar, vão ter que liderar. E, portanto, é necessário que este jovem já esteja no terreno tomando consciência da importância que tem. Eu não sei se isto está a ser feito. Mas não me parece. E se não é feito, há outras pessoas que hão-de ocupar este espaço. E isto não é bom!
João Paz