A escassez de medicamentos que se verifica a nível mundial tem sido motivo de preocupação para a população. Além de Portugal continental, os Açores também estão a ser afectados com a falta de alguns medicamentos nas farmácias. Insulinas e alguns fármacos pediátricos são os que têm registado maior falta na Região.
Ricardo Gaspar é farmacêutico na Farmácia Vasconcelos Raposo, que se situa na Rua do Rossio, na vila das Capelas. Ricardo Gaspar admite que, “neste momento, já se começa a notar que há muitos medicamentos que estão esgotados a nível regional e nacional”, o que dificulta na resolução, porque “quando é a nível regional ainda conseguimos resolver, mas a nível nacional torna-se muito complicado.”
Para alguns medicamentos consegue-se arranjar alternativas no mercado, no entanto, em casos pontuais, o caso muda de figura. O farmacêutico afirma que a falta incide especialmente em medicamentos para crianças, tais como alguns Brufen xarope de 40 mg e o Maxilase. No primeiro, Ricardo Gaspar explica que se consegue fazer o ajuste da dosagem, utilizando o de 20 mg. Porém, relativamente ao Maxilase, “não há hipótese, aliás existem comprimidos, mas as crianças não os podem tomar.” E continua: “O Maxilase xarope é um anti-inflamatório para crianças que esteve esgotado muito tempo. Apesar de haver outros anti-inflamatórios, há crianças que só podem fazer este e não há igual, pelo que se torna complicado fazer a substituição.” Além destes, existe carência de alguns medicamentos para asmáticos, mais concretamente algumas bombas que estão esgotadas.
O farmacêutico afirma que o cenário podia ser pior, não fosse o grupo possuir três farmácias e ter a capacidade de gerir o stock, passando de umas para as outras. Além disso, Ricardo Gaspar reforça que pelo facto de saberem de “antemão que há medicamentos que esgotam com alguma regularidade, já fazemos um stock acima do normal.”
No que toca às insulinas, que estiveram esgotadas o ano passado, por terem sido utilizadas para outros fins que não o tratamento da diabetes, o farmacêutico refere que foi feito um stock acima do normal para salvaguardar eventuais situações semelhantes. Porém, admite que “haja farmácias na ilha em que o fármaco esteja esgotado, mas no nosso grupo não está, por termos essa capacidade de fazer stock.”
Ricardo Gaspar considera que há dois aspectos a relevar, nomeadamente a capacidade de fazer stock e ter alguém responsável a ver o que está esgotado e a encomendar antecipadamente: “Quando o sistema faz o pedido e a pessoa só pediu naquela altura, não há hipótese. Pedimos antecipadamente para evitar que isso aconteça, contudo vai chegar a uma altura em que se não há em lado nenhum, vamos acabar por não ter também.”
“Já se nota um aumento de preços nos medicamentos de venda livre”
Quanto ao aumento de preços em determinados medicamentos, o farmacêutico declara que “nos medicamentos de receita, em que os preços vêm marcados por fábrica, ainda não se sentiu o acréscimo que vai haver, porque ainda existem muitos medicamentos no mercado e enquanto estes não forem escoados, os novos não dão entrada”, adiantando que “já recebemos orientação de que vai haver actualização de preços.”
Por outro lado, nos medicamentos de venda livre, Ricardo Gaspar diz já notar “um aumento de preços nas facturas”, visto que “como esses não vêm marcados, do laboratório até ao armazém, é mais fácil mexer nos preços.”
Ricardo Gaspar defende que a falta de medicamentos, transversal a todo o país, justifica-se com o facto de “como não temos produção a nível nacional, vem tudo de fora e os países produtores acabam por não escoar os produtos para outros países, porque primeiro vão servir os seus.” Outro motivo prende-se com a questão comercial dos laboratórios: “Os laboratórios preferem vender para países onde os medicamentos são mais caros. Aí, cabe aos governos fazerem alguma coisa nesse sentido.”
Romeu Dinis: “Em alguns casos as pessoas ficam mesmo sem medicação”
Romeu Dinis, director técnico da Farmácia Vieira e Botelho, admite sentir igualmente alguma escassez de determinados medicamentos.
Romeu Dinis refere que “para alguns medicamentos conseguimos arranjar solução, seja por ajustar as quantidades, seja por mudar de laboratório, todavia, em alguns casos não é possível e as pessoas ficam mesmo sem medicação.”
O director técnico da farmácia situada na baixa de Ponta Delgada, afirma que “até há pouco tempo, um anti-inflamatório muito conhecido, o Maxilase esteve esgotado, tanto a formação em xarope como em comprimidos.” Entretanto, apareceram quantidades muito limitadas, pelo que o fármaco entrou para a lista de produtos rateados, ou seja, “chamamos rateados aos medicamentos que ainda têm circulação, mas muito mais reduzida.”
E prossegue: “No caso do maxilase, sendo um anti-inflamatório enzimático em substituição ao ibuprofeno, que é um anti-inflamatório não esteroide, há complicações na minha óptica. Se não podemos dar um anti-inflamatório não esteroide, por haver alergia por exemplo, não havendo um substituto, fica complicado.”
Relativamente à subida de preços dos medicamentos, Romeu Dinis acredita que este será no sentido de acompanhar a inflação e não pelo facto de haver escassez, até porque “isso não está associado ao preço de fabrico, mas a outros motivos mais complexos.”
Tendo em conta que os transportes marítimos são o “maior meio de transporte de medicamentos para a Região”, Romeu Dinis acredita que, como os preços dos contentores aumentaram, isso se traduza numa subida de preço dos medicamentos.
Quanto à escassez a nível mundial, o farmacêutico acredita que, além da falta de matérias-primas, o motivo esteja relacionado com as fábricas de medicamentos. Romeu Dinis explana que estas “não têm diversas vias para fabricar diferentes produtos e que alteram a sua conformação para fabricar uma determinada molécula ou produto. Quando atingem o stock pressuposto para aquele ano, é feita a alteração da conformação da fábrica para fabricar novas moléculas.”
O director técnico da Vieira e Botelho admite ser este o seu entendimento e “é essa a justificação que temos dado às pessoas, no sentido de apaziguar os ânimos que têm estado um bocado exaltados, como é normal.” ~
Beatriz Pinto: “Antidiabéticos e insulinas é o que há mais falta”
Por sua vez, Beatriz Pinto é técnica de farmácia na Farmácia Popular. Segundo Beatriz Pinto, “tem havido alguma falha de medicamentos, alguns em laboratório, outros em fornecedor, outros mesmo pela falta de matéria-prima, e outros ainda pelas questões de atrasos de transportes e afins.”
Antidiabéticos e insulinas é o que há mais falta na Farmácia Popular. Além destes, “o Maxilase também esteve esgotado uns tempos, assim como alguns antidepressivos, como o Zoloft.”
A técnica da Farmácia Popular entende que a carência de “alguns medicamentos é a nível regional, ou seja, é mesmo falha em armazenista”, contudo, noutros “tem sido geral, especialmente o caso do Ozempic, da insulina, que tem havido falha, pois as pessoas começaram a utilizá-la para outros fins.”
Relativamente ao aumento de preço dos medicamentos, Beatriz Pinto refere que, à partida, haverá uma alteração, mas desconhece as razões que a justificam, bem como o prazo da sua entrada em vigor.
Anabela Soares: “A falta de determinados medicamentos é grave”
Anabela Soares, proprietária da Farmácia Central, situada em frente ao supermercado Manteiga, e da Farmácia da Ribeirinha, afirma que “tem havido muitas faltas de medicamentos, mais do que o habitual, apesar de estas serem faltas transitórias, tendo em conta que alguns medicamentos são repostos posteriormente, e de em alguns casos também não ter grande impacto, por haver outros substitutos que colmatam as faltas.”
Todavia, Anabela Soares considera que “a falta de determinados medicamentos é grave”, por não haverem substitutos, como por exemplo “alguns antibióticos para crianças, com o espectro mais baixo, que são os de primeira linha no tratamento das infecções primárias. Muitos destes estão esgotados e estes são faltas realmente irremediáveis.”
A proprietária da Farmácia Central salvaguarda que embora haja falta de alguns medicamentos na Região, a situação a nível nacional “ainda é mais dramática.”
No que diz respeito aos motivos que justificam este cenário, Anabela Soares acredita ser devido à “conjuntura actual”, não descartando a hipótese de haver “algum aproveitamento, ou não, por parte de alguém da situação.”
Relativamente aos preços, há uma subida gradual que não se faz sentir ainda no dia-a-dia, enquanto não se escoar os stocks antigos: “Provavelmente, no futuro próximo, vamos sentir um pouco mais, mas creio que é algo relativo na proporção que é. São oscilações relativamente pequenas que, muitas vezes, nem são perceptíveis.”
Questionado se o aumento de preços poderia servir para evitar situações de ruptura, Anabela Soares não é de opinião que “este tipo de aumento se traduza nesse objectivo”, adiantando que não me parece que o aumento de preço vá colmatar as faltas na conjuntura em que vivemos.”
Teresa Almeida Lima: “Na Região sempre houve medicamentos rateados”
A Delegada da Associação Nacional de Farmácias nas ilhas de São Miguel e Santa Maria, Teresa Almeida Lima, defende que a falta de medicamentos não é um assunto inerente apenas à Região, mas abrangente ao país e ao mundo inteiro, na medida em que existe falta de matérias-primas.
Teresa Almeida Lima afirma que “na Região sempre houve medicamentos rateados” e que os fármacos em falta “não estão esgotados indefinidamente, mas apenas em algumas temporadas.” A delegada salvaguarda que “a maior parte dos medicamentos esgotados são substituíveis.”
Quanto ao aumento do preço dos medicamentos, Teresa Almeida Lima diz que “no início do mês de Janeiro, o Governo foi o próprio a anunciar que ia haver subida de preço de medicamentos.”
“Nos fármacos até 10 euros, prevê-se um aumento de 5%; de 10 a 15 euros, o aumento será de 2%; e, acima de 15 euros, ainda não está definido, estando a aguardar uma comparação com quatro países da União Europeia, o que significa, neste caso, que alguns podem aumentar, mas outros podem até diminuir”, refere Teresa Almeida Lima.
E conclui: “Os medicamentos em que há rupturas, assim como os mais baratos, até aos 10 euros, o que acontece é que se há menos quantidade de produção, os países produtores vendem a quem lhes pagar melhor. Ou seja, este aumento de preços pode vir a beneficiar o próprio utente, de modo a que não haja falta do medicamento.”
Carlota Pimentel