Hernani Costa, Presidente da IROA SA no Dia Mundial da Água

“Com mais 10 milhões de euros ficaríamos com sistemas mais robustos de abastecimento de água à agricultura mas Roma e Pavia não se fizeram num dia”

Correio dos Açores - Tem havido períodos do ano com falta de água para a agricultura?
Hernani Costa (Presidente da IROA SA) - Durante o Inverno, felizmente, não tem havido muita falta de água porque as nossas condições atmosféricas permitem que a chuva consiga repor os níveis das nascentes. Mas, já tivemos anos em que, nos meses de Verão, tivemos alguns períodos específicos de seca extrema que fazem com que o sucesso das explorações agrícolas fique colocado em causa por não haver água. 
Neste momento, a nível Açores, temos alguns condicionantes, designadamente nas ilhas de Santa Maria, Graciosa, Pico e São Miguel, onde as dificuldades de acesso de água são muito mais prementes do que em outras ilhas. Não quer dizer que nestas ilhas também não há situações, mas é nestas quatro que as dificuldades de captação e armazenamento têm sido superiores.

E qual o plano de investimento que tem para resolver estas dificuldades?
A IROA SA tem um plano de investimento plurianual, que vai dependendo do plano anual do Governo dos Açores que é aprovado na Assembleia Legislativa Regional. Consoante o orçamento anual, vamos dando sempre mais prioridade ao abastecimento de água sem descurar os caminhos agrícolas e as actividades de energia eléctrica. Mas, temos dado maior prioridade ao abastecimento de água.
Há cerca de duas semanas inauguramos uma lagoa em São Miguel, do Caldeirão Grande, no valor de um milhão de Euros e, neste momento, já começamos uma obra no concelho de Vila Franca do Campo no valor de 1.2 milhões de euros, para levar a água da freguesia de Água d’Alto para a freguesia de Ponta Garça. 
Estes são projectos estruturantes que podem fazer face a estes possíveis períodos de seca extrema no futuro. Estamos a preparar-nos para isso. Mas vou ser sincero, é preciso que haja também mais meios financeiros para que possamos fazer mais armazenamento de água para podermos ficar com sistemas mais robustos capazes de dar resposta às necessidades que o sector agrícola enfrenta.

Quando diz que era preciso investir mais, está a referir-se a mais quanto?
Na IROA SA temos identificada uma série de possíveis lagoas artificiais para poder executar nos Açores. Poderia dar o exemplo da lagoa do Paúl, na ilha do Pico; a lagoa dos Barreiros, na ilha Graciosa; podia dar-lhe o exemplo de uma segunda célula na lagoa das Contendas, em São Miguel; e uma segunda célula na lagoa do Pico, na ilha Terceira. Estamos a falar de investimentos que podem rondar os 10 milhões de euros. A realização deste investimento iria tornar mais robustos os nossos sistemas de abastecimento de água. Agora, logicamente, Roma e Pavia não se fizeram num dia e queremos ter aqui prioridades, nos locais onde verificamos que é mais urgente agir, onde a prioridade está á vista de todos. E estamos aqui para colaborar neste sentido.

Como está a funcionar o sistema de cobrança de água à entrada das explorações agrícolas?
Esta questão é importante. Não é só ter a água. As pessoas têm que se capacitar que a água tem de ser cobrada. E cobrada porquê? Porque tudo o que é de borla não tem valor. E, então, quando a água é cobrada, temos aqui um estudo que demonstra que a necessidade de água reduz drasticamente. 
Os próprios agricultores têm-se apercebido que mais vale ter um ramal na sua própria exploração com contador onde pagam a água no final do mês. Esta solução é mais rentável do que estar a fazer o transporte da água de outros locais com gastos de combustível, mecânica das viaturas e perda de tempo. Sai-lhes mais em conta ter a água na exploração ligada a um contador, com água de qualidade assegurada.
A cobrança da água agrícola é uma das nossas prioridades. Já temos vários projectos a desenvolverem-se pelos Açores, nomeadamente nas Velas em São Jorge; na Madalena, no Pico; na Ribeira Grande, em São Miguel. Já temos água cobrada na bacia leiteira de Ponta Delgada e já temos água cobrada na zona central de São Miguel.  
Vamos inaugurar agora uma obra proximamente com mais 120 contadores no concelho de Nordeste. Estamos a fazer este trabalho estruturante. Não estamos a tomar medidas avulsas de colocar água onde é necessário, mas sim colocando água onde os agricultores estejam estabelecidos, água para a parcela, que seja cobrada e que tenha qualidade para que os agricultores possam fazer um produto final de valor acrescentado.

Como têm reagido os agricultores à decisão de terem de pagar a água?
A questão de cobrar a água foi pacífica entre os agricultores. O agricultor açoriano é inteligente e não estou aqui a fazer uma campanha de charme. A verdade é que o agricultor açoriano tem um produto – o leite – de excelência reconhecido internacionalmente. E, portanto, tem de ser, por si, um produtor inteligente. A questão da cobrança de água está neste contexto. O próprio agricultor percebe que mais vale pagar pela água de qualidade do que não pagar correndo o risco de não ter água. 
Esta é uma solução pacífica. A própria Federação Agrícola dos Açores, quando se começou a montar sistemas de cobrança de água, foi de acordo que, de facto, se deveria avançar por esta via porque é preciso também percebermos que todos os investimentos no abastecimento de água que fazemos, fazemo-lo com base em fundos comunitários e as directivas comunitárias também nos direccionam para que passemos a fazer a cobrança de água e  haja uma gestão racional  cada vez mais eficaz e eficiente 
O agricultor açoriano tem aceitado com naturalidade a cobrança de água porque sabe que é um recurso natural que não é inesgotável. Tem um custo de produção tal e qual o combustível, a ração, a erva e outros custos que tem na exploração.
 

Passa pelos projectos da IROA montar um sistema de transformação de água salgada em águas para a agricultura?
Neste momento, ainda não é uma opção que se esteja a tomar. Não vou dizer que, no futuro, não possa ser uma hipótese em algumas das nossas ilhas, principalmente Santa Maria e Graciosa. Mas, neste momento, ainda não é uma opção que se esteja a considerar. Porquê? Porque, em nossa opinião, ainda existe muita água, só que ela não está devidamente captada nem está armazenada e o nosso trabalho tem sido mais neste sentido. Se ainda existe a possibilidade de expansão dos nossos sistemas de abastecimento de água, principalmente, na sua captação e sistema de armazenamento. Mais tarde, numa segunda ou terceira fase, aí sim poderemos pensar numa solução deste género. Mas, penso eu, serão soluções esporádicas num contexto específico de ilha e não num contexto regional geral. 

Está tranquilo sobre o abastecimento de água da agricultura açoriana nos próximos anos?
Estou tranquilo porque a IROA SA tem-se revelado uma sociedade anónima com capital exclusivamente público (Ou seja uma empresa do sector publico empresarial regional) que, apesar da sua pequena dimensão, especializou-se neste tipo de obras de ordenamento agrário. 
De facto, os sistemas de abastecimento de água são aqueles em que temos evidenciado maior eficiência e onde temos mais investido porque, de facto, são aqueles que têm mais impacto na vida do dia-a-dia dos agricultores. E, portanto, eu estou optimista em relação ao futuro. Sei que tanto o Secretário da Agricultura como o Presidente do Governo olham para a IROA como um instrumento fundamental neste ordenamento agrário futuro dos Açores. Eles sabem da importância que a água tem no futuro do sector primário dos Açores e, portanto, já me deram garantias que este investimento não irá abrandar nos próximos anos. 
Sei que a IROA SA tem os meios humanos e técnicos capazes de fazer ainda muito mais por este sector primário que é tão importante para a nossa economia regional.

João Paz

Print
Autor: CA

Categorias: Regional

Tags:

Theme picker