Investigadora da Universidade dos Açores, Graça Silveira, defende reabertura do debate

Temos de voltar a falar sobre OGM e produtos transgénicos nos Açores

 E se os organismos geneticamente modificados e transgénicos trouxessem mais vantagens do que desvantagens à Região? A professora da Universidade dos Açores (UAc) Graça Silveira afirma que é preciso reabrir o debate.
Sustenta que a “imagem verde” açoriana não ficaria em causa. “Se não tivermos culturas resistentes, vamos ter de utilizar herbicidas e pesticidas. Portanto, essa marca verde também não acontece”, defende Graça Silveira, que apresentou o tema, recentemente, numa palestra no Rotary Clube de Angra do Heroísmo.
A investigadora sublinha que, “em termos de impacto ambiental, a utilização de transgénicos é uma grande vantagem, porque podem ser introduzidos genes, por exemplo, de resistência à seca”.
No caso do milho Bt, o único transgénico com produção comercial autorizada na União Europeia, resistente à lagarta “broca do milho”, não é necessária a aplicação de pesticidas.
“Um estudo recente da Universidade de Maryland reuniu 40 anos de dados e provou que, não só quem cultiva milho Bt têm muito menos perdas de maçarocas, como a própria praga à volta dos campos de milho é erradicada. Acaba por funcionar como um biocontrolo”, precisa.
A discussão, considera Graça Silveira, não pode ser contaminada por questões puramente políticas e ideológicas. “O debate tem de ser menos apaixonado e mais esclarecedor”, frisa.
O preâmbulo do Decreto Legislativo Regional 28/2012/A, de 26 de Junho, que declara os Açores uma região livre do cultivo de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), realçou as “dúvidas ainda existentes sobre a interferência dos OGM no equilíbrio dos ecossistemas e na contaminação da cadeia alimentar”.
Foi entendido que podia ficar comprometida “a imagem e os certificados de qualidade dos produtos emblemáticos dos Açores, em particular da carne de bovino e dos laticínios”.
Graça Silveira aponta as contradições: “No entanto, os produtos que contenham ou sejam constituídos por OGM que tenham autorização válida para colocação no mercado português não carecem de qualquer autorização ou notificação para introdução no mercado regional. Ou seja, nada garante que as batatas que comemos no restaurante não sejam fritas com óleo de soja transgénica e o mesmo é válido para as rações que importamos, logo a ‘contaminação’ da cadeia alimentar não está salvaguardada”.

O que são?

A investigadora lembra que “desde sempre fomos seleccionando plantas e animais com determinadas características, geralmente de maior produtividade, através da selecção e triagem de sementes e cruzamentos entre determinados indivíduos com as vantagens que se queria apurar”.
A evolução da ciência transportou este processo para outro nível. “A engenharia genética permitiu a transferência dos genes responsáveis por determinadas características de um organismo para outro. Assim, explicando duma forma muito simplista, produzem-se organismos geneticamente modificados”, precisa.
Já quando a troca de genes é feita entre indivíduos de espécies diferentes, chamam-se transgénicos. “Estes genes conferem às plantas onde são introduzidos, resistência a pragas, reduzindo a utilização de pesticidas químicos e baixando o tempo e custo de trazer os alimentos ao mercado”, indica.
Tolerância aos herbicidas, resistência a doenças (vírus, fungos ou bactérias), tolerância ao frio, à seca e à salinidade, são outros argumentos das plantas geneticamente modificadas, capazes de vingar em solos que antes não seriam considerados férteis.

Transgénicos e saúde

Mas são os custos para a saúde um mito? Provavelmente. “As culturas geneticamente modificadas são cultivadas comercialmente desde 1996, desde então 44 países concederam aprovações regulamentares a 385 eventos de modificação genética para utilização em alimentos, abrangendo 24 espécies, das quais as mais modificadas são o milho, a batata, a soja e a canola. A maior variedade de culturas geneticamente modificadas é cultivada nos EUA, com mais de 175 eventos de transformação aprovados. Em contraste, a produção comercial na Europa está restrita ao milho Bt (MON810), resistente à broca do milho devido à introdução dum gene do Bacillus thuringiensis, que expressa uma proteína inseticida”, elenca a investigadora.
Assegura que, “passados que são 25 anos do cultivo do milho Bt, a sua segurança foi testada extensivamente e comprovada” e que “até hoje nenhum estudo revelou qualquer impacto na saúde”.
A “retórica”, aponta “continua a ser que os transgénicos ‘poderão’ aumentar as alegrias e a resistência a antibióticos”. Mas sem dados científicos que o comprovem.

O problema central

A investigadora do pólo da Universidade dos Açores em Angra do Heroísmo explica que o princípio da precaução adoptado pela União Europeia está ligado sobretudo a uma tentativa de evitar o controlo corporativo da agricultura.
“Na União Europeia, a aprovação comercial de uma cultura geneticamente modificada pode custar até 11 milhões de euros, pelo que só as grandes multinacionais é que têm a capacidade de o fazer. Neste momento 60% do mercado mundial de sementes é controlado por seis grandes empresas. A compra recente da Monsanto pela Bayer, concentra ainda mais este mercado, juntas, detém praticamente metade das variedades transgénicas registadas”, explica.
“Além disso, a prioridade de culturas de alto rendimento, cultivadas em grandes monoculturas intensivas, em detrimento de culturas nativas mais resistentes a grandes mudanças climáticas, das quais as populações locais dependem, pode por um lado, torná-las mais vulneráveis à escassez de alimentos e por outro levar ao declínio na variedade de culturas, o que representa um risco potencial para a biodiversidade dos nossos recursos genéticos”, reflete.
Graça Silveira considera que ultrapassar este impasse assenta numa decisão política: “Teria de existir um instituto público a nível mundial, com a participação de instituições como a FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura, uma agência especializada das Nações Unidas) e a UNICEF, com equipas de investigadores a trabalharem e em que o conhecimento que daí resultasse fosse público, com utilização livre”.
Por agora, Graça Silveira alerta para a armadilha europeia. “A adopção de uma política excessivamente restritiva sob o ponto de vista regulatório, em nome do princípio da precaução proibitivo terá consequências para o desenvolvimento tecnológico. Negar o direito à biotecnologia constituirá um retrocesso civilizacional que, certamente, iremos pagar muito caro no futuro, afastando a Europa da inovação, da aposta no conhecimento e da fixação dos nossos talentos”.

OGM e a resposta à alimentação
mundial: O caso negro do arroz dourado

Um exemplo de como a “ideologia, o princípio da precaução e o medo do desconhecido” podem ter um preço pesado é o caso do arroz dourado.
A professora da Universidade dos Açores recorda que este foi desenvolvido, durante a década de 1990, por cientistas da Fundação Rockefeller, num projecto sem fins lucrativos.
“O arroz foi modificado geneticamente para passar a sintetizar beta-caroteno, o precursor da vitamina A no organismo, cuja tecnologia foi doada em 2000, para suprir a carência em vitamina A”, precisa.
“A Organização Mundial de Saúde estima, que por ano, meio milhão de crianças ficam cegas por causa da deficiência de vitamina A e mais de 100 mil crianças (com idades inferiores a 5 anos) morrem por esta deficiência. Em 2016, 109 vencedores do Prémio Nobel assinaram uma carta aberta contra a campanha da Greenpeace, que se opõe ao cultivo de alimentos transgénicos, em particular, do arroz dourado, considerando mesmo esta posição da Greenpeace um ‘crime contra a humanidade’. Um campo experimental de arroz dourado foi completamente destruído em 2013, sem que o vandalismo alguma vez tenha sido punido e até hoje ainda nunca foi cultivado, devido a obstáculos políticos e disputas ideológicas”, lamenta Graça Silveira.
Os organismos geneticamente modificados são uma parte da resposta para a alimentação da população mundial.
“A ONU projecta que em 2050 a população global alcançará quase 10 bilhões de pessoas, em virtude disso, a produção de alimentos terá de aumentar 70% até lá. Só a produção de cereais, precisará crescer 3 biliões de toneladas em relação aos actuais 2,5 biliões. Sem o uso de culturas geneticamente modificadas, só para manter a produção mundial nos níveis de 2016, teria de se plantar mais 22,4 milhões de hectares de soja, milho, algodão e canola. Isto à custa da desflorestação, levando à intensificação das emissões de CO2 e consequentemente com todos os impactos que isso teria para as alterações climáticas”.
Salienta que “a adopção de culturas transgénicas resistentes a herbicidas e a pragas, que representa 84% do número de características modificadas, permitiu uma redução de 775,4 mil toneladas de herbicidas e pesticidas, entre 1996 e 2018”.
“Estas culturas, permitiram ainda uma redução considerável no consumo de combustível, equivalente à remoção de 15,3 milhões de automóveis das estradas. O recurso a culturas transgénicas é óbvio e inegável. Não é a resposta, mas é seguramente uma parte da resposta, neste desafio enorme, que nos convoca a todos, que é o combate à fome. A solução não está apenas no lado da produção, mas na justa distribuição de alimentos. Hoje, por ano, são desperdiçados 931 milhões de toneladas de alimentos no mundo. Na África subsaariana, perde-se cerca de 44% da pouca produção local, por incapacidade de armazenamento. É urgente encontrar novas soluções, técnicas, sociais e políticas, contra o desperdício alimentar”, alerta Graça Silveira.
                      

Helena Fagundes, DI

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Autor: CA

Categorias: Regional

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