A Escola Básica Integrada de Ponta Garça acolhe 334 alunos com idades compreendidas entre os 3 e os 20 anos. Destes, aproximadamente 82% beneficiam de escalões da Acção Social Escolar. Do quadro social e económico das famílias, são perceptíveis carências relacionadas com dificuldades económicas. A baixa escolaridade dos pais, uma vez que provêm e residem numa localidade rural, ultraperiférica, onde predomina a agro-pecuária, faz com que a educação formal não seja valorizada.
Correio dos Açores – Pode fazer um ponto de situação da Escola Básica e Integrada da Ponta Garça?
Natália Abreu (Presidente do Conselho Executivo da EBI da Ponta Garça) – As duas grandes temáticas, que nos preocupam, são a acção social escolar e a indisciplina. A nível de acção social escolar, temos cerca de 82% de alunos associados a um escalão, de grosso modo, ao primeiro e segundo escalões. Isso significa que existe uma grande carência em termos económicos e financeiros. Apesar de tentarmos estabelecer algumas metas, de modo a reduzir esta situação, na escola, por vezes, não é possível dar estas respostas de forma ideal.
Quanto às situações de indisciplina, a parte do bullying está cada vez mais evidente. Embora não tenhamos dados estatísticos ainda apurados, estamos a fazer uma análise durante este ano lectivo para perceber e começar a implementar um plano a nível de prevenção do bullying e, ainda, de situações de cyberbullying que já começam a aparecer.
Em que faixa etária são mais evidentes os casos de bullying?
Notamos que o cyberbullying é mais evidente a nível do 3º ciclo, ou seja, 7º, 8º e 9º ano. Por casualidade, os casos que temos declarados são a nível do 7º ano. Contudo, notámos também alguma agressividade no tracto entre miúdos do primeiro ciclo, uns com os outros. Isto é algo notório, durante os intervalos nos recreios. Por exemplo, às vezes, em vez de chamar à atenção ao colega através do diálogo, começam logo a dar pontapés. No fundo, são atitudes mais agressivas a nível comportamental. Importa referir que estes são dados baseados apenas na percepção, pelo que não temos dados estatísticos. Mas, nota-se esta tendência.
O que é que a escola tem feito para combater estas situações?
Em termos de acção social escolar, tendo em conta os dados estatísticos que nos apontam para 82% de alunos carenciados, o que temos feito são pequenas acções. O gabinete escolar tem feito uma sensibilização da alimentação. Estamos a tentar que os miúdos tenham o cuidado de ter, pelo menos, uma refeição completa. De grosso modo, a maior parte dos consumidores das refeições da escola são alunos do primeiro ciclo. Esporadicamente, quando são identificados alunos que não tomam o pequeno-almoço, por exemplo, também o financiamos, de uma forma discreta, tendo o cuidado de não identificar as famílias. De facto, estamos numa escola que abrange apenas alunos de Ponta Garça e sabemos que toda a gente se conhece, no entanto, temos tido algum cuidado com esse pormenor.
Aderimos, também, ao Regime Escolar de fruta e leite. Este é um programa que existe e está aberto a todas as escolas dos Açores. A fruta é disponibilizada a todos os alunos do primeiro ciclo, gratuitamente, e o regime de leite é disponibilizado a todos os alunos do pré-escolar e do primeiro ciclo, de forma gratuita, aluno a aluno. Para os alunos dos segundo e terceiro ciclos, o leite está disponível num local fixo e todos os que o queiram beber podem fazê-lo.
Paralelamente, por iniciativa da Associação Unojovens de Ponta Garça, existe um projecto que se chama Ponto de Estudo. Apesar de ser uma iniciativa da Associação, a escola aderiu ao projecto prontamente.
Este programa foi criado e é financiado pelo Governo Regional. Numa fase inicial, três vezes por semana, a Unojovens disponibiliza transporte da escola para a Associação e presta apoio ao estudo. Este programa abrange alunos do terceiro e quarto ano, sendo que o perfil de estudante escolhido acaba por recair em alunos carenciados. Além de prestarem apoio no estudo, fornecem um lanche a meio da tarde. Para além dos lanches, do apoio ao estudo e da realização de trabalhos de casa, também são feitos alguns ateliers de dança e de cozinha, e os miúdos estão expostos a estas experiências diferenciadas.
A nível de indisciplina, sentimos essa dificuldade apesar de termos um agente com sensibilidade para a área. Temos, cada vez mais, o apoio da Escola Segura, mas o número de efectivos que existe na esquadra, se calhar, é insuficiente para abranger as escolas do concelho. Talvez seja pertinente considerarem, a longo prazo, o número de agentes da PSP alocados a esta valência, que é a Escola Segura.
Não temos tido grandes preocupações associadas a questões de drogas ou de agressividade, por exemplo, mas sentimos que a presença mais assídua do agente da PSP na escola, tendo em conta que o convidámos a fazer mais algumas passagens pela escola, fez diferença. O facto de existir um agente da autoridade por perto impõe algum respeito e os miúdos acabam por se conter nas questões de mau comportamento e de agressividade entre pares.
Sentem falta de auxiliares de acção educativa na escola?
Sem dúvida. Efectivamente, se formos a ver o rácio e o que está estipulado na Portaria, nós temos o número cumprido. A fórmula matemática aplica-se com sucesso na nossa escola. Todavia, as escolas não são só números e as características da nossa escola, designadamente o quadro envelhecido de funcionários, acaba por ser um handicap. Na última Portaria de Janeiro, felizmente, fomos contemplados com dois assistentes operacionais. Contudo, mesmo quando os concursos terminarem e esses dois assistentes entrarem para os quadros, será uma preocupação porque não serão suficientes para as dimensões e características da escola.
Além disso, a situação é agravada pelo facto de haver funcionários de baixa médica e, como é do domínio público, ainda não existe uma figura que consiga responder, de forma eficaz, à substituição destes funcionários.
Além de termos uma funcionária permanentemente de baixa há algum tempo, temos outros funcionários que estão em atestados intermitentes, como costumo dizer. Ou seja, esta semana estão dois dias, para a semana estão três dias, depois regressam e estão mais um dia ou dias. Ora, estes acabam por ser funcionários com os quais não se pode contar. Não se pode contar com o seu trabalho no mesmo bloco, de forma sistemática. Por outro lado, temos muitos funcionários com “amor à camisola”, todavia sentimos que eles estão exaustos.
Efectivamente, houve um período de grande número de funcionários ao abrigo dos programas, todavia, em Setembro, perdemos cerca de sete funcionários dos programas. Numa escola, passar de 28 para 21 efectivos, faz diferença.
Essa postura dos alunos reflecte-se em termos de avaliação final?
Não tenho dados estatísticos que possam consolidar esta questão, mas posso adiantar que apesar de termos essas dificuldades na realidade socioeconómica da escola, a percentagem de alunos repetentes é muito residual, não chegando a 5% por ciclo.
Sabemos que os anos terminais de ciclo, nomeadamente o 4º, o 6º e o 9º ano, são os anos em que os alunos têm menos sucesso e que as disciplinas com mais insucesso são a Matemática e o Inglês. Em termos de estatística global, temos bons resultados na escola. Na prática, os alunos passam de ano, embora a maioria deva ser de nível 3, numa escala de 1 a 5.
A baixa escolaridade dos pais e as baixas condições socioeconómicas fazem com que as expectativas dos alunos não sejam muito elevadas e ambiciosas. São poucos os alunos que acabam por ter uma ambição de tirar um curso superior. Este é um aspecto ainda muito evidente na Ponta Garça.
Apesar de dar este feedback não tão positivo, a percentagem de alunos que dão continuidade aos estudos ronda os 100%, porque estamos a nível do 9º ano. Aliás, não será de 100%, na medida em que temos casos de alunos com 18 anos que terminam o 9º ano com esta idade, pelo que não precisam de prosseguir para o ensino secundário. Isto é, completam a escolaridade obrigatória pela idade e não pelo nível de ensino expectável para aquela faixa etária.
A título exemplificativo, temos um curso de formação profissionalizante na escola composto por apenas oito alunos, sendo que destes, seis completam 18 anos no final do ano lectivo. Este é um curso que dá equivalência ao 9º ano.
De forma sucinta, o abandono, no sentido literal da palavra, que significa abandonar a escola antes de completar os 18 anos, não tem existido. Por outro lado, se a questão do abandono escolar se colocar no prisma de ter a garantia de que os alunos, entre os 18 e os 20 anos, conseguirem concluir o secundário, apesar de não dispormos destes dados, prevê-se que alguns não terão o equivalente ao 12º ano, ao atingir essa idade.
Quais as opções dos alunos que dão continuidade aos estudos?
Sensivelmente, parece-nos que 50% dos alunos optam pelo ensino profissional e os outros 50% acabam por ingressar na escola secundária do concelho. Porém, importa salvaguardar que alguns deles também optam pelo ensino profissional, embora seja na escola de ensino “regular”.
Carlota Pimentel