Correio dos Açores – Que significado tem a Páscoa para si?
Rogério Massa (Grupo Coral de São José) - A Páscoa para mim fundamenta-se numa vivência litúrgica para a vida. Prepara-nos para outra dimensão da vida e entrar na vida na sua profundidade. Exige de nós uma grande espiritualidade, uma busca pelo nosso mais profundo ser, o nosso lado mais humano, questiona a nossa moral e a nossa relação com os outros. Tem sempre a ver com a minha participação na liturgia. Eu não posso dissociar o meu sentir a Quaresma e a Páscoa, da minha participação no Coral de São José, onde estou desde 2001. O Coral de São José nasceu em 1967. Na preparação das músicas, que são sempre diferentes nesta época, são mais dolentes, há um registo diferente na música. Isso também me toca bastante. À Páscoa associo sempre mais espiritualidade e menos materialismo.
Como a celebra, interiormente?
Celebro interiormente, mas ninguém consegue sozinho. Temos de participar na liturgia. A música eleva-me e permite-me fazer essa reflexão. Vou sempre por via da música. Como se diz, quem canta reza duas vezes, não é mentira nenhuma, tem essa profundidade. Obviamente que nós meditamos, fazemos a nossa introspecção. Mas aqueles momentos na vivência de Cristo são dramáticos, mas faz parte de mim. Todo esse momento é muito dramático.
Na igreja de São José, como se celebra esta data?
A Igreja de São José celebra a Páscoa com muita espiritualidade, com muito apelo. Esta semana passada já houve um momento de reconciliação, num tipo de confissão comunitária que nós, Coral de São José, também animamos este momento. Somos muito apelados para a espiritualidade, há muitos momentos de reflexão. Neste aspecto o Padre Duarte Melo tem sido uma pessoa que nos tem conduzido muito bem. Ele remete-nos aos silêncios, mesmo na hora da eucaristia, com o propósito de pensarmos o que é que há de bom e de mau. Obviamente que agora vem sempre ao de cima as guerras. A Igreja de São José dá uma preparação para a Páscoa e a música tem muita influência. Se calhar somos das poucas igrejas nos Açores que ainda se canta acompanhados de um órgão de tubos, do século XVIII. A música marca muito a Igreja de São José. Temos cantos bastante profundos que nos obrigam a reflectir.
Na Igreja de São José dá-se muito relevo à música?
Sim. A vivência pascal fundamenta-se muito na música. Temos cânticos com letras e melodias muito profundas. As igrejas enchem-se nesse dia.
Acha que o sentido original da Páscoa se tem vindo a perder ao longo do tempo ou se tem mantido forte?
Penso que se terá perdido alguma coisa em alguns aspectos, mas noutros vai se recuperando. As igrejas enchiam mais. Havia nas freguesias muitas vias sacras. Ainda há hoje, pontualmente. Há algumas procissões de passos, na altura da Quaresma, mas que acontecem aqui ou acolá. A Igreja de São José tinha a procissão dos Terceiros e a procissão dos Passos, e isso deixou de acontecer.
Acredito que quem vai à Igreja sabe o sentido da Páscoa e sabe ao que vai. Acho que já não se vai muito pela questão da tradição, porque as pessoas já estão muito despertas em tudo. A mensagem de Cristo está presente, esta semana, então, muito mais. A mensagem pascal, a mensagem de cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. A Páscoa abala-nos. É reviver, é renascer. O conceito é esse morrer para a vida. É uma questão de fé. Acredito, não porque me disseram para acreditar. Revivo isso, em actos e ações.
Pela sua experiência, que observação faz sobre o modo como se celebra a Páscoa hoje em dia, em comparação com o que se fazia no passado?
Antes, acho que as pessoas assumiam um carácter mais piedoso. Pelo menos transparência que tinha um carregado mais piedoso, as senhoras de véu e toda a gente de negro.
Antigamente as igrejas forravam as imagens dos altares com panos roxos, para depois, na noite de Aleluia, surgir a alegria e a luz. Esse carácter fechado fazia parte. O ser humano também tem a necessidade daquele lado dramático. Vive-se menos: procissões deixaram-se de fazer algumas. Agora há a parte material, das amêndoas e dos ovos, mas a mim isso não diz nada. A Páscoa fundamenta-se numa vivência na liturgia, na igreja. Também é interior e pessoal, mas é também assumida no interior da igreja. Quando digo interior não é no sentido fechada entre quatro paredes, é o interior, na mensagem que é muito forte nestes dias.
Como é que a juventude vive a Páscoa?
É difícil descrever. Vejo pontualmente alguns jovens. Penso que passam um pouco ao lado. Há casos e casos. Há grupos que estão mais vocacionados, que são mais ligados ao espiritual, como é o caso dos grupos de escuteiros e alguns movimentos com os quais a igreja tem alguma correlação. Mas penso que, numa generalidade, há algum afastamento em relação à Páscoa.
O Coral de São José está a contar neste momento com muitos jovens?
O coral teve uma fase de menos jovens, e mais gente madura, que já vinha desde o início. Depois foram se renovando e agora temos um grupo de jovens, que vêm do conservatório, por exemplo. Temos à volta de 40 elementos e temos um grupo de jovens interessante, o que é muito bom.
Frequenta a Igreja desde criança?
Sim, desde que me lembro. Com cinco anos ia com a minha avó, para a igreja, para a missa das 06h00 da manhã do Domingo. Na altura, em 1960, ainda não havia luz nos Arrifes. Íamos com uma lanterna, a pé, para a igreja. Essa relação com a igreja permitiu que eu sempre vivesse esses momentos da Páscoa e do Natal, mas considero a Páscoa mais forte. A Páscoa, para mim, é o momento mais importante na nossa vida de cristãos. A música tem muito impacto nisso. Há cantos que só se cantam nesta época.
Mariana Rovoredo