“Enquanto católico e crente considero que a mensagem da Páscoa é a Ressurreição e não tanto a Morte”, destaca Francisco Faria e Maia

(Correio dos Açores) - Participava em actividades na Igreja em criança?      
(Francisco Faria e Maia) - Quando era criança e adolescente fui acólito, mas quando estive a estudar na Universidade afastei-me um pouco da Igreja. Não era tão praticante e, mais tarde, quando regressei a São Miguel, voltei a ter uma participação intermitente. O que me levou a acentuar a minha ligação à Igreja foi mesmo o movimento de Romeiros. Fui num primeiro ano de romaria e isso claramente acendeu o rastilho, a fé, a ligação a Jesus. Isso levou-me a ser uma pessoa mais presente na Igreja. Vou sempre à Missa, faço parte de vários movimentos na paróquia de São José e a minha vivência religiosa tem sido assim. 

Quais são as suas primeiras recordações da Páscoa?
Lembro-me bem da Páscoa quando era muito novo, em que havia uma tradição que hoje em dia não há muito; a visita às igrejas no primeiro dia do Tríduo Pascal. Era algo muito comum . Depois de jantarmos em casa da minha avó, íamos percorrer todas as igrejas da cidade que normalmente tinham o Santíssimo exposto e iluminado. Essa é uma das recordações mais presentes que tenho da Páscoa em criança. É verdade que as Igrejas agora estão abertas à 5ª Feira, mas já não é como antigamente; fecham mais cedo, não têm ornamentação, o Santíssimo já não está exposto da mesma maneira. Era uma tradição muito comum e cruzávamo-nos com muitas pessoas ao longo das igrejas de Ponta Delgada. 

Na sua família, a celebração da 
Páscoa era seguida à risca?
Não diria que era 100% à risca porque, na minha juventude, muitas vezes aproveitamos a Páscoa para irmos de férias. Mas lembro-me de, por exemplo, estarmos na Eurodisney e toda a família parar num círculo às 3 da tarde para rezarmos e invocarmos a hora da morte do Senhor. Por muito que estivéssemos distantes fazíamos sempre essa evocação. 

Mas como a celebravam quando 
estavam em São Miguel? 
Era um ajuntamento mais alargado da família. Enquanto a minha avó era viva, tínhamos sempre um jantar em sua casa e depois íamos às Igrejas ver o Santíssimo exposto. A Sexta-Feira era um momento de reflexão e neste dia não comíamos carne. Era um dia de jejum por natureza e depois, no Domingo, íamos à Missa e juntávamo-nos todos à mesa para almoçar. Em termos de iguarias, não me recordo de haver um prato fiel e que estivesse sempre presente, mas a reunião familiar existia sempre.  

São lembranças positivas?
Sim, a Pascoa sempre foi vivida pela positiva, pela Ressurreição e não tanto pela morte. Obviamente que para ter havido a Ressurreição existiu a morte e considero, enquanto católico e crente, que a mensagem da Páscoa é a Ressurreição e não tanto a morte. Penso que a Igreja já está mais para aí virada hoje em dia e dá mais luz ao Sábado Aleluia do que na morte do Senhor na Sexta-Feira.  

Como eram celebrados esses dias de Páscoa na Igreja? Que diferenças encontra comparativamente aos dias de hoje?
Acho que quando era mais novo a Semana Santa era pesada. Lembro-me também muito bem da antiga Procissão da Morte do Senhor em Ponta Delgada, era um clima um pouco sombrio e, hoje em dia, na Paróquia onde celebro activamente a minha vida católica, em São José, vive-se mais a luz do Sábado Aleluia do que a Sexta-Feira Santa. Penso que a Igreja, nestes 25 anos em que acompanho de forma mais activa, evoluiu um pouco passando a celebrar mais a Ressurreição do que a Morte. É uma grande mudança.

E isso, na sua opinião, faz sentido?
Faz mais sentido e penso que é a forma mais corrrecta de celebrar a Páscoa. A mensagem de Jesus Cristo é essa; não estarmos agarrados à Morte, mas sim à Ressurreição e do que fez por nós. 

As celebrações contavam a presença 
de mais pessoas do que actualmente?
Hoje em dia a Igreja está muito envelhecida. Frequento regularmente as missas e verifico isso. Vê-se numa festa ou outra os núcleos da Cataquese mas, infelizmente, está muito envelhecida. A Palavra não chega a todos, mas isso são vicissitudes da sociedade em que vivemos, onde tudo é muito efémero, muito rápido... As pessoas todas querem fazer mil e uma actividades e nem sempre estão disponíveis a parar um pouco. As pessoas actualmente refletem pouco. Nós, como católicos em São Miguel, temos condições únicas para viver a Quaresma e a Páscoa porque temos o movimento das romarias que é muito marcante. É  uma semana em que podemos estar em isolamento, a reflectir e encontrar nos Irmãos a mensagem de Jesus Cristo. Vivendo a Romaria temos uma forma muito mais genuína de vivenciar a Páscoa.

E como vai viver a Páscoa deste ano?
A Páscoa começou no Domingo de Ramos e depois, na Quinta-Feira, tivemos em São José o Lava Pés aos bombeiros, como é tradição. Na Sexta-Feira, houve a celebração da Morte do Senhor. Quando estou cá vou a todas as celebrações na Igreja de São José e na Sexta, às 15h00, a Celebração e depois o Sábado Aleluia, com a vigília às 20h00. Essa é uma das celebrações mais bonitas e mais marcantes na Igreja. Neste Domingo de Páscoa haverá celebração às 11h00. As tradições vão-se mantendo e na Sexta-Feira continuamos a fazer jejum à carne e tentamos também fazer um jejum de palavras. Neste Domingo vamos reunir quase 40 elementos da família e vai ser um almoço alargado em casa dos meus pais. É um dia de festa que tem de ser celebrado com quem mais gostamos. 

O que significa para si esta época?
Para mim, e para todos os católicos praticantes, esta deve ser a época maior do ano. Todos os anos revisitamos a data, são os mesmos textos, os mesmos momentos, mas isso também significa que estamos cá todos os anos para revisitá-los. Considero muito importante na nossa caminhada na vida que tenhamos estes momentos para reflectir, para pensar no que aconteceu, as razões para isso e o que podemos tentar mudar em nós. Revisitamos igualmente os passos que foram dados há 2023 anos atrás. É um momento de revisitar, mas, essencialmente, um momento de reflectir, de tentar parar um pouco, porque a nossa vida é sempre muito agitada e a Páscoa é esse momento de interiorização. 

Hoje em dia o foco das pessoas está muito direccionado para o materialismo e para o imediato?
Está tudo muito focado na crítica, no apontar o dedo e em denegrir. Até estava à espera que com a pandemia as pessoas ficassem mais positivas, mas sinto que estão muito azedas. Penso que lhes falta reflectir, interiorizar, pensar no próximo, conseguir ouvir um pouco a Palavra e a Mensagem que escutamos na Igreja e transpô-la para os seus dias. Não sou mais santo do que ninguém por frequentar a Igreja, sou tão ou mais pecador dos que outros, mas vou porque preciso de me redimir dos meus pecados e necessito daquele espaço de paz. É um ambiente com o qual me identifico, de que gosto e faz-me falta quando não vou. A Mensagem de Jesus Cristo é de amor ao próximo, a quem mais precisa e, infelizmente, vivemos numa sociedade de egoísmo e, por isso, criam-se estas fraturas. Verificamos que a sociedade está como está porque, infelizmente, a evolução não tem sido tão positiva como deveria ser. A Igreja também se meteu em caminhos nebulosos e não tem feito chegar a mensagem. Nos Açores, temos uma religiosidade católica vincada, com as celebrações do Espírito Santo, com o Santo Cristo, mas muitas vezes as pessoas celebram como o fogo de artificio; há a festa, lança-se a roqueira e depois acaba. Vivem o momento, mas depois não tentam interiorizar a mensagem nem dar continuidade. Também é importante o mensageiro porque, infelizmente, a Igreja tem muitos mensageiros, os padres, que nem sempre a conseguem passar; não é clara ou não é adequada aos tempos modernos. 
Na Paróquia de São José, penso que o Padre Duarte Melo tem a capacidade de desmontar, de modernizar a Palavra e adequá-la aos tempos actuais. Muitos dos textos da Bíblia são difíceis e são duros porque são de uma época e de uma sociedade completamente diferente da nossa. 

Pensa que a celebração da Páscoa pode sofrer algumas alterações no futuro?
É sempre difícil olhar em frente porque há tradições que se mantêm há tantos anos. Penso que o Papa Francisco conseguiu mudar muito e tem feito um bom trabalho em tornar a Igreja mais descomplicada. Ainda se olha para a Igreja e vê-se uma estrutura pesada, antiga, muito agarrada a dogmas. Há essa ideia de uma Igreja um pouco acinzentada e penso que o que a Igreja tem vindo, e tem de continuar a fazê-lo, a tentar chegar às pessoas. Isso só se faz com uma mensagem mais adequada, tirando-as da sua casa, do seu sofá para estarem em comunhão com os irmãos na celebração na Igreja. Nestas grandes celebrações, como a Páscoa, ainda há uma boa afluência de pessoas que vão partilhar a sua fé. Obviamente que é uma população muito envelhecida, mas também há a nova geração da Catequese e é um pouco isso que espero que continue a acontecer.                              

Luís Lobão    
 

Print
Autor: CA

Categorias: Regional

Tags:

Theme picker