Andreia de Sousa tem 33 anos e é natural de São Miguel. Licenciou-se em Psicologia, mas a sua paixão é a arte, especialmente a Pintura. Andreia considera-se autodidacta e dedica a sua vida à criação artística, procurando testar e desenvolver novas técnicas, suportes e materiais. O foco principal do seu trabalho assenta no ser humano e nas emoções. Inaugurou o seu estúdio/atelier em Vila Franca do Campo em 2020.
Correio dos Açores - Que relevância atribui ao Dia Mundial da Arte?
Andreia de Sousa (Artista plástica) - Acho óptimo que exista um dia que marque a importância da arte no mundo. Não sei se é uma data com grande relevância no universo açoriano, mas penso que, neste dia, poderíamos dinamizar mais actividades alusivas à arte e às suas múltiplas expressões, de forma a darmos a conhecer o enorme talento artístico que existe nas nossas nove ilhas.
Como surgiu o seu gosto pela arte em geral e pela pintura em particular?
A paixão pela criação artística sempre fez parte da minha vida.
Desde criança, fui incentivada a experimentar diversos materiais e técnicas, desde a escultura em barro, técnicas de papel-machê, execução de velas artesanais, decoração e pintura de móveis, etc.
O desenho e a pintura vieram mais tarde. A dificuldade, como artista autodidacta, de executar os trabalhos no nível que eu queria, levou-me a uma frustração nesta área, que eu só iria começar a ultrapassar em 2015.
Nesta altura, comecei a pintar exclusivamente para mim, por prazer e como terapia e meditação. Deixei de criar tendo por objectivo o produto final e criei pelo prazer do processo. Enfrentei os meus medos técnicos e dediquei-me à pintura de rostos a óleo. Em 2016 realizei a minha primeira exposição individual (“Musas”) e o resto é história...
Conte-nos um pouco sobre o seu percurso até aqui.
Em 2016 comecei a trabalhar exclusivamente como artista plástica. Após a minha primeira exposição individual foram surgindo diversas oportunidades de continuar a explorar a arte como profissão. Nos últimos anos realizei diversas exposições individuais e colectivas, um pouco por todos os Açores. Participei em vários festivais artísticos, inicialmente na pintura em tela, passando depois para os murais, instalações artísticas e, actualmente, escultura.
Além dos trabalhos realizados por encomenda, para cliente privados, associações e instituições regionais, trabalhei como decoradora de eventos nos últimos anos, para casas como o Teatro e o Coliseu Micaelense, criando decorações de raiz.
Em 2020 lancei a minha associação cultural, Talentos Salgados, e durante dois anos realizei, com a minha equipa, o projecto “Roteiro das Artes”, baseado em murais e actividades artísticas que conectam a arte e a saúde mental, realizados com a comunidade vila-franquense, tendo obtido apoio por parte da autarquia de Vila Franca do Campo e da DGArtes.
Desde então, continuo sem parar, desenvolvendo diversos trabalhos no meu estúdio, projectos com a comunidade, workshops, etc.
Exprime-se maioritariamente através da pintura. Além desta, quais os outros tipos de expressão plástica com que mais se identifica?
A pintura é uma das minhas grandes paixões e, sem dúvida, o meio que uso maioritariamente para exprimir as minhas emoções e ideias. Mas não estou limitada a esta técnica, antes pelo contrário.
A escultura, em diversos materiais, é outra das formas que uso para me exprimir e estou neste momento no processo de exploração de outras técnicas e materiais de expressão artística, como a arte da tatuagem.
O que mais a inspira e motiva na criação de algo novo?
A minha principal inspiração sempre foi o ser humano, as suas lutas, histórias, emoções... contar as histórias dos outros e as minhas, através da pintura, tentando fazer passar mensagens de empoderamento, de equidade, de positividade, e que levam a uma reflexão de quem somos, onde viemos e para onde caminhamos...
A motivação é diferente da inspiração. Eu sou motivada pelo desafio de criar algo pela primeira vez, de explorar um novo material ou técnica, de realizar obras com dificuldades crescentes, de me desafiar a mim mesma e às minhas capacidades físicas e técnicas.
Que qualidades considera fundamentais para o artista de hoje?
Disciplina e persistência! É muito difícil no mundo que vivemos, com a quantidade de distracções à nossa volta, conseguirmos manter o foco nos nossos objectivos e sermos disciplinados em manter uma rotina, no que toca ao processo artístico.
Trabalhar por conta própria exige, em qualquer área, uma disciplina rigorosa, principalmente na quantidade de horas que dedicamos semanalmente à nossa arte. O talento, que muitos julgam ser a condição principal para ser artista, é na realidade apenas uma das variáveis.
A minha experiência pessoal diz-me que é muito mais importante produzir pelo menos 40h por semana e não desistir, mesmo quando não há inspiração, quando o trabalho não corre como queremos. Importa, acima de tudo, manter o foco e a disciplina e produzir, produzir, produzir...
Qual o feedback do público?
Na sua grande maioria, o feedback é extremamente positivo e, sem dúvida, uma das principais forças que tive para começar esta carreira.
Embora haja sempre quem critique ou não se reveja na minha arte, a realidade é que ninguém é mais crítico do meu trabalho do que eu mesma, pelo que tento levar tanto o feedback positivo como o negativo da mesma forma, sem dar grande importância a ambos.
Nem deixar subir o ego, por valorizarem o que faço, nem deixar a minha auto-estima e confiança ir abaixo quando não gostam ou criticam.
De que forma a licenciatura em Psicologia está presente nas suas obras de arte ao longo da vida?
A minha área de estudos está presente em tudo na minha vida, logo reflecte-se em todo o meu trabalho. Desde o processo de criação, que uso como meditação, como processo de autoconhecimento, até aos temas que trabalho, empoderamento, luta pelos direitos de igualdade e equidade, entre outros.
Em muitos dos meus trabalhos de pintura estão reflectidas também as minhas batalhas internas, os processos emocionais pelos quais passei, e que só foram possíveis de realizar e ultrapassar graças aos meus estudos académicos.
Como concilia a psicologia com a pintura?
Eu incorporei os conceitos da psicologia na prática artística. Por um lado, de forma individual no meu próprio processo solitário no estúdio e, por outro lado, com o público que participa nas minhas formações e workshops.
Criei diversas actividades de autoconhecimento, de exploração de emoções, de identificação de expressões faciais, entre outras, para as mais variadas faixas etárias, tudo executado com recurso ao processo de pintura.
Esta é apenas uma das múltiplas formas que a psicologia pode ser colocada em prática através da arte, neste caso da pintura.
Que trabalho artístico lhe deu mais satisfação em executar?
Todos os anos a resposta a esta questão altera-se, porque os trabalhos que tenho mais satisfação em executar são sempre o último grande desafio ultrapassado.
Neste caso, diria que o último trabalho que me satisfez, tanto em termos de processo como em termos do produto final apresentado, e que foi um enorme desafio, foi uma escultura de um violino que se encontra na ilha do Pico, executada para o festival Cordas, em parceria com a Miratecarts.
Como é ser artista nos Açores?
É uma luta! Estamos desprotegidos pelo nosso Governo e pela Secretária da Cultura. As oportunidades não são muitas e muitas vezes dá-se prioridade ao artista que vem de fora. Mesmo em termos dos apoios existentes, a realidade é que apoiam poucos artistas e instituições, e mesmo quando as candidaturas são aprovadas os tempos de pagamentos dos valores são tão demorados que põem em causa a execução dos projectos. É uma realidade que afecta todos os artistas e agentes culturais.
É fácil para um artista açoriano ser reconhecido internacionalmente? Porquê?
Esta é uma questão difícil de responder. Por um lado, com o mundo globalizado através das redes sociais temos mais facilidade do que alguma vez tivemos no passado. Ainda assim, não é de todo um processo fácil. Temos que trabalhar as redes sociais intensamente e ter um certo perfil e disponibilidade para nos expormos online, algo que eu não tenho!
A minha experiência pessoal, até à data, diz-me que é difícil sair dos Açores e levar o nosso nome para Portugal continental, quanto mais para o mundo. Mas não é impossível.
Que artistas, açorianos e não só, mais a inspiram?
Eu adoro arte nas suas múltiplas expressões. Sigo muitos artistas locais e internacionais e adoro diferentes estilos de arte.
Os artistas que me inspiram na actualidade são o que chamo “pacote completo”, artistas que eu admiro e sigo, não só pela arte que executam, mas pelas mensagens anexas à sua arte, a forma como tornam a sua arte num negócio rentável, comercializável, etc. Entre estes, eu diria que se encontram actualmente o Vhils, a Joana Vasconcelos e o Bordalo II, em termos nacionais.
No que toca à pintura, exclusivamente, adoro os trabalhos das artistas internacionais Dimitra Milan, Tahlia Stanton, Danielle Weber e o duo de artistas “Pichiavo”.
Regionalmente, na pintura, destaco o Martim Cymbron e o Xavier Ramos e na escultura/instalação a Susana Aleixo Lopes.
E, como “pacote completo” açoriano, o artista e o agente cultural Terry Costa, um verdadeiro dinamizador da arte nos Açores e uma das pessoas que mais me inspira em termos de criação.
Podemos considerá-la uma artista do mundo?
Ser considerada artista é apenas uma consequência do trabalho todo que tenho feito até aqui. Durante anos consideraram-me apenas pintora, quando trabalhava em múltiplas técnicas e materiais. O ser artista veio depois.
Se trabalho nos Açores maioritariamente, muitos vão me considerar uma artista dos Açores. Eu acho que os rótulos são limitadores e perigosos.
Eu sou uma criativa por natureza, sou uma artista de profissão e tenho por base de inspiração o mundo todo à minha volta, se isso me faz uma artista do mundo deixo à consideração dos outros.
Que projectos tem entre mãos actualmente?
Neste momento, no estúdio, estou a realizar duas esculturas de grandes dimensões para a associação Miratecarts, a serem exibidas na ilha do Pico, brevemente.
Qual é o próximo projecto?
Para já, estou focada em finalizar os projectos que tenho entre mãos agora para poder fazer uma pausa das encomendas em geral e realizar projectos que estão 100% conectados com o futuro que quero criar para mim.
Depois de seis anos a trabalhar em múltiplas áreas em simultâneo, acho que o mais importante, neste momento, é parar por completo, para poder começar a estruturar o próximo grande projecto, que ainda não sei qual será, embora ideias não me faltem. Veremos onde a inspiração me leva a seguir.
Que mensagem quer deixar neste dia?
A arte é um caminho possível, por maiores que sejam os entraves e dificuldades associados à profissão. Gostaria que as pessoas que têm paixão pela criação não desistissem dos seus sonhos. Não existe um caminho certo ou errado, não existe um trajecto pré-definido para seguir. Mas onde existe paixão, persistência, determinação e trabalho, existe sem dúvida uma vida que merece ser vivida. Arriscar nos nossos sonhos é arriscarmos em nós próprios e não existe maior prova de amor próprio do que esta.
Carlota Pimentel