“Nos últimos 10 anos a gastronomia subiu um patamar em São Miguel”, diz Pedro Oliveira

Correio dos Açores – Quando é que o gosto pela cozinha surge na sua vida?
Pedro Oliveira (Chefe de cozinha) – O gosto pela cozinha já vem de família. O meu pai e a minha mãe sempre gostaram de cozinhar e de receber bem as pessoas. Além disso, a Matemática do 12º ano estava a atrapalhar-me no secundário e eu tive que fazer uma escolha. O meu pai, Mário Oliveira, foi Director do hotel Terra Nostra durante muitos anos e incentivou-me a seguir esta área porque estava a ver-me com dificuldade em concluir o 12º ano. Então, fui fazer uma experiência de seis meses no Reino Unido e decidi que era mesmo cozinha que queria seguir.

Onde fez a sua formação?
Na altura, ponderei fazer a minha formação em diversos sítios, nomeadamente em Inglaterra, nos Estados Unidos, entre outros. Todavia, eram cursos com preços astronómicos e impossíveis de suportar. Quando regressei de Inglaterra, fui estudar para a Escola de Hotelaria e Turismo de Setúbal e quando conclui o curso trabalhei em Lisboa durante 10 anos.

Em que sítios trabalhou ao longo dos 10 anos em que esteve na capital?
Após terminar o curso, trabalhei em hotéis de 5 estrelas, em Lisboa, nomeadamente o Cascais Miragem e o outrora Hotel Méridien Lisboa, que agora é o Intercontinental, entre outros. Ao longo destes 10 anos, trabalhei com diversos chefes que me abriram os horizontes. Considero que é importante para os açorianos que saem das ilhas para estudar trabalharem algum tempo fora, em vez de regressar aos Açores mal terminem o curso. É sempre um ganho de experiência e de conhecimentos.   

Quem foram os seus mentores?
Os mais significativos foram o chefe Eddy Melo, de descendência açoriana, que viveu muitos anos no Canadá e que, mais tarde, foi para o continente, e o chefe italiano Marco Alban. Curiosamente, o chefe Eddy Melo esteve há pouco tempo no Grand Hotel a fazer um jantar. Entretanto, tive outros mentores que fui conhecendo ao longo do tempo.

Porque decidiu regressar aos Açores?
Senti que estava na altura. Estava um pouco cansado de Lisboa, do trânsito frenético, daquela vida agitada e da rotina. Hoje em dia, gosto de ir a Lisboa, mas já não conseguia viver lá.
Após 13 anos fora, em 2010, regressei a casa e abracei o projecto da Escola de Formação Turística e Hoteleira como chefe formador. O restaurante Anfiteatro está aberto ao público e é a unidade de aplicação da escola.
Em Janeiro desse ano, coloquei o meu trabalho na Escola de Formação Turística e Hoteleira em stand by para abraçar outro projecto na empresa de organização de eventos Silvia Vasconcelos, da qual a minha mulher é sócia. Para já, estou a abraçar este projecto e depois logo se vê.

Qual o maior desafio com que se deparou ao longo da sua carreira?
Todos os sítios onde trabalhei foram sempre um desafio. O facto de progredir na carreira e alcançar cargos de chefia é um desafio constante. A ter que eleger um, diria que chefiar a cozinha de um hotel com 200 e tal quartos, o Tivoli Oriente, foi dos maiores desafios.  
A minha chefe engravidou e durante o período em que esteve de licença de maternidade eu fiquei a tomar conta do hotel. Não tive um braço direito durante aquele tempo. Recordo-me que foi um grande desafio que me fez ficar muitas noites sem dormir, mas correu bem.

Como é que funciona a evolução na carreira de um chefe de cozinha? Quando se começa a trabalhar numa cozinha, começa-se por ajudante?
Depende dos sítios. Hoje em dia, a hotelaria expandiu-se muito. Isto é, de um momento para o outro, abriram muitos hotéis e restaurantes, e a formação não estava preparada para esse boom em Portugal, o que fez com que muitos jovens acabados de formar começassem a ocupar cargos para os quais ainda não estavam preparados.  Tenho amigos que seis meses depois de acabarem o curso já estavam a chefiar a cozinha de um restaurante. A meu ver, isso é um erro para as suas carreiras, na medida em que é importante aprender com bons profissionais primeiro antes de chefiar. Aliás, acho que isso é importante em todas as áreas e faz parte do processo de crescimento.
No meu caso, fui sendo reconhecido aos poucos pelos chefes com quem trabalhei e fui subindo, até que cheguei a chefia.

Pensa em abrir o seu próprio restaurante?
Não sei se um dia abrirei um negócio, mas julgo que não. A idade vai avançando e quando se chega a uma certa altura da vida começa-se a reflectir sobre muitas coisas. A vida é muito curta e considero que está na altura de pensar mais na minha vida pessoal do que no trabalho. O trabalho é importante, mas não é tudo. Ao longo de 25 anos de carreira já sacrifiquei e perdi muito, por isso agora é tempo de recuperar certas coisas que perdi.

Como avalia o panorama actual da gastronomia açoriana?
Nos últimos 10 anos, a gastronomia subiu um patamar em São Miguel. Temos restaurantes muito bons cá, designadamente o Otaka, a Tasquinha Vieira e outros. Há bons hotéis que têm igualmente bons chefes, sendo que alguns são do continente, não desfazendo os locais.
A cultura gastronómica de Portugal continental é mais rica do que a açoriana. A açoriana está ligada a duas ou três receitas e pouco mais. Por isso, acredito que a interligação de várias “culturas”- e a escola hoteleira fez um bom trabalho nesse aspecto, proporcionando a vinda de vários chefes de fora -  é muito importante para os jovens serem bem sucedidos.
A nível dos Açores em geral, o Pico já tem bons restaurantes e o Faial também está a começar a ter pessoal novo com outra dinâmica dos conhecimentos. Contudo, ainda há muitas ilhas do nosso arquipélago com falta de restaurantes. Considero que devia haver mais apoios para as ilhas que enfrentam maiores dificuldades, tais como a elevada falta de mão-de-obra. Por outro lado, o crescimento do turismo faz com que haja uma mudança de mentalidades e servirá de mola impulsionadora para o desenvolvimento da Região.

A aposta em ingredientes e produtos dos Açores na criação dos pratos seria uma forma de impulsionar a nossa gastronomia?
De facto, poderíamos dar mais importância aos nossos produtos, mas importa realçar que na restauração temos que pensar no lucro e os nossos produtos, por vezes, são muito mais caros do que os produtos de fora. Penso que toda a gente gostava de utilizar a carne dos Açores mas sabe-se que tal não é possível. O bom peixe dos Açores também está todo a ir para fora.
Na escola hoteleira privilegiávamos sempre os produtos dos Açores. Fizemos muitos trabalhos com os produtos da Região, com o objectivo de valorizá-los.

Qual é a receita para o sucesso na sua profissão?
Gosto do que faço e dou o meu melhor. Creio que isso é importante. Gosto de aperfeiçoar o sabor da comida e de receber as pessoas. Apraz-me que fiquem satisfeitas com o sabor da comida, com as texturas… O feedback das pessoas é o que me motiva a continuar.  

Os ingredientes principais para se ser um grande cozinheiro são…
Dedicação e humildade.

Qual é a cozinha que mais o inspira?
Francesa. Tenho muitas referências de alguns chefes franceses que também foram importantes no meu crescimento enquanto cozinheiro.

O que não pode faltar na sua cozinha?
Sal, pimenta preta (fresca e moída no momento), coentros, tomate fresco, molho de soja e limão, galego preferencialmente.
   
Que perspectivas tem de futuro?
Gosto muito de dar formação, pelo que penso que o meu futuro poderá passar pela cozinha e pela formação como complemento. E talvez por outros projectos…
                                         

Carlota Pimentel  

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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