António Ventura a propósito do Dia Mundial da Terra

“Temos alimentos que fazem bem à saúde, prevenindo e curando doenças”

Correio dos Açores - Hoje assinala-se o Dia Mundial da Terra. Como se deve comemorar essa data para valorizar a importância que a Terra tem na alimentação e na economia?
António Ventura (Secretártio Regional da Agricultura e do Desenvolvimento Rural) - A comemoração do Dia da Terra representa um simbolismo de alerta muito realista no calendário civil, na consciencialização de onde vivemos e da urgência de garantirmos que a espécie humana continue a viver neste planeta.
A Terra é um espaço que tem de manter um equilíbrio de todos os seus ciclos naturais. Neste sentido, a forma como se utiliza o solo, se aproveita a água e se aplicam processos de transformação de matérias-primas em produtos finais influenciam decisivamente estes ciclos.
Desde logo, sem alimentos a espécie humana não sobrevive, precisa de se alimentar e é a agricultura que em maioria fornece esses bens existenciais. Por isso, defendo que a agricultura deveria ser considerada um “bem público” de responsabilidade de todos.
Por vezes, verificamos alguma incompreensão dos apoios financeiros na agricultura. Interessa dizer que nenhum agricultor quer receber estas ajudas financeiras, queriam antes um preço justo pelos seus produtos. Uma dependência do seu trabalho e não de apoios públicos, porém estes apoios, que só compensam uma parte das perdas de rendimento dos agricultores, devem ser compreendidos e revistos. São cada vez mais as exigências legislativas para o mesmo quantitativo de ajudas.
A participação dos agricultores é decisiva no futuro da Terra e os apoios dados à agricultura são fundamentais para que os alimentos possam ser fornecidos a preços acessíveis, permitindo a universalidade do acesso da população aos mesmos.
Os agricultores proporcionam benefícios para todos nós, enquanto cidadãos deste mundo e, são pouco reconhecidos pelas suas multifunções.

Que reflexão se deve fazer sobre o uso da Terra nos Açores?   
 Os Açores disponibilizam uma alimentação que favorece a durabilidade dos elementos necessários à produção de agroalimentos. São produções com processos que obedecem a critérios de naturalidade, o que significa afirmar que temos alimentos que fazem bem à saúde, prevenindo e curando doenças.
Devemos ser conhecidos por estas posturas e como um exemplo a seguir. Estamos a trabalhar politicamente para alcançar um maior nível de visibilidade e notoriedade.

Quais são os parâmetros que devem ser usados para garantir o bom uso dos solos e obter o rendimento que o sector primário gera nas várias ilhas da nossa Região?  
Queremos um solo que possa ser um bem endógeno intergeracional. Isto é, temos de transmitir o solo às próximas gerações com a mesma capacidade de produzir como o recebemos. Este é o princípio, este é o compromisso.
O solo nos Açores deverá passar a ser um elemento considerado no processo produtivo dos agroalimentos, pelos consumidores, dando garantias de confiança. Confiança e credibilidade pela nossa atitude de conservação da fertilidade solo, como elemento vivo e dinâmico.
Queremos que através desta realidade possamos, nos próximos anos, participar no mercado do carbono, pela venda de créditos de carbono produzidos numa exploração agropecuária. Este mercado está a ser e será um negócio em desenvolvimento a ter em perspectiva nas políticas agrícolas, dado que a agricultura detém um potencial elevado e crucial na retenção de carbono.
A floresta é para nós um sector fundamental onde pretendemos continuar a investir, certificando e desenvolvendo este bem nas suas diferentes vertentes de produção, protecção e uso-múltiplo.
Teremos neste novo quadro de apoio comunitário (PEPAC-Açores) acções com vista a atingir estes objectivos, como é o caso do incentivo à plantação de cortinas de abrigo. Uma vertente agromultifuncional, porque tem influência directa na regulação hídrica, na produção de água, no combate à erosão dos solos, no contributo para o bem-estar animal e na produção de erva.
São medidas e acções que foram articuladas com a Federação Agrícola dos Açores, que contribuíram e foram proponentes. Aliás, a Federação Agrícola dos Açores tem sido um parceiro de muita responsabilidade, com presença reivindicativa e de iniciativa.

O que deve ser feito para que o uso da Terra seja consciente, evitando as intempéries que se vão sucedendo pelo uso indevido?    
O combate às alterações climáticas assume uma prioridade da humanidade, tendo em conta a crescente imprevisibilidade do clima. Está a ser cada vez mais difícil planear em agricultura, saber quando semear ou quando colher, porque as estações do ano estão praticamente reduzidas a duas.
Para minimizar esta imprevisibilidade climática, importa ter praticas de âmbito transversal na economia que sejam ambientalmente respeitadoras dos ciclos naturais da Terra.
A informação atempada meteorológica assume aqui uma segurança para as populações e suas actividades económicas.  

No seu entender, quais são as acções na Região que podem pôr em causa a Terra?  
A consciência mundial da importância da interação do Homem com o Ambiente e a Terra onde vive tem vindo a evoluir no sentido de reprimir comportamentos que se sabe podem comprometer o bem-estar das gerações actuais, mas sobretudo das gerações vindouras.
Penso que, na Região, estamos também cada vez mais cientes dos problemas e da importância de os trabalhar com vista a minimizar os impactes que a agricultura pode ter no ecossistema local e mundial.
As acções que contribuem negativamente estão identificadas e sabemos que temos a obrigação de operar a vários níveis, destacando: redução, reutilização e reciclagem dos resíduos, diminuição das emissões de gases, uso indevido de fertilizantes e fitofármacos, controlo apertado da utilização de antibióticos, racionalização do consumo de água e energia, redução da dependência de matérias-primas e factores de produção provenientes do exterior e conservação do solo e preservação da biodiversidade.

Como se consegue um equilíbrio entre um meio ambiente mais sustentável e o uso da terra que temos?
Antes de actuar é preciso conhecer e divulgar conhecimento para que todos possamos tomar decisões conscientes com vista a esse desígnio que queremos diariamente alcançar.
Em 2021 desenvolvemos Planos Estratégicos Sectoriais para os sectores da horticultura, floricultura, vitivinicultura, carne e leite. Esses Planos, juntamente com os já existentes do modo de produção biológico, da apicultura e da fruticultura, permitiram-nos aprofundar o conhecimento da realidade, diagnosticar e conceber estratégias, sob o desígnio da sustentabilidade, que estamos agora a operacionalizar.
Em conjunto com a Fundação Gaspar Frutuoso, temos vindo a conhecer melhor os nossos solos. Criámos a plataforma digital de gestão do uso sustentável dos solos dos Açores, GUSSA, que permite a partilha de informação entre o agricultor, as associações agrícolas, os serviços agrícolas e a universidade, baseada na recolha de amostras, análise de solos e recomendação racional de fertilização.
Neste momento, temos em fase de elaboração, financiado por verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o Programa de Inovação e Digitalização da Agricultura dos Açores que compreende três componentes: “Plano de Desenvolvimento de uma Rede de Monitorização e Avisos Agrícolas ao nível de Ilha”; “Plano de Desenvolvimento de um Sistema Integrado de Monitorização dos Solos Agrícolas” e “Plano de Transição da Agricultura Açoriana para a Realidade Digital e a Agricultura de Precisão”.
A implementação destes planos permitirá actuar ao nível da utilização de fitofármacos, conhecer o estado dos nossos solos, racionalizar as recomendações de fertilização e preparar a agricultura Açoriana para o desafio da digitalização, contribuindo para a difusão de informação de uma forma mais universal.
Procuramos actuar na problemática do fornecimento da água e da energia às explorações agrícolas, conscientes da necessidade de optimizar o fornecimento, reduzir as perdas na rede e encontrar energias limpas.
Em 2021/2022 estudámos a problemática dos plásticos na agricultura e conseguimos um diagnóstico e linhas de actuação que iremos implementar.
Igualmente, em fase de concepção, está o Roteiro para a Economia Circular do Sector Agrícola, financiado pelo Programa LIFE, que pretendemos lançar no segundo semestre deste ano. O Roteiro para a Economia Circular no Setor Agrícola nos Açores é um instrumento que, complementando e densificando a Estratégia Regional para a Economia Circular, também em desenvolvimento pelo Governo Regional, procurará assegurar a implementação de medidas que dão resposta aos compromissos Europeus, nacionais e regionais estabelecidos pelo Plano de Acção da Europa para Economia Circular, bem como o Plano de Ação Nacional com idênticos objectivos (que tem por período de execução 2021-2030).
Ao nível do bem-estar animal, temos em curso um programa de certificação das explorações pecuárias e dos matadouros para todo o arquipélago.
Criámos um grupo de trabalho com técnicos designados em todos os Serviços de Desenvolvimento Agrário, com vista à difusão de conhecimento e acompanhamento do modo de produção biológico e temos já, em diversos serviços, campos de demonstração certificados ou em transição para o Modo de Produção Biológico (MPB).
Paralelamente mantemos campos de variedades tradicionais e bancos de sementes.
Promovemos e controlamos os produtos já certificados como de qualidade e queremos novas certificações de produtos regionais com vista a garantir a sua existência e aumentar a sua competitividade.
Nesta legislatura reactivámos os apoios ao MPB e às Medidas Agro-Ambientais. O PEPAC-Açores, programa de fundos comunitários recentemente aprovado e em implementação, contempla a continuidade dessa filosofia de actuação. Ao nível do POSEI, temos majorações para os modos de produção extensivos e MPB.
Concebemos e implementámos uma portaria que procede à regulamentação do regime dos apoios a conceder à aquisição de sementes de leguminosas destinadas ao melhoramento das pastagens para alimentação animal.
Com esta atitude estamos a promover a existência de pastagens biodiversas, o que permite ganhos económicos, sociais e ambientais.
Esta portaria contribui para sustentar a bovinicultura nos Açores baseada na pastagem, permitindo uma melhor promoção da excelência dos nossos produtos básicos, designadamente o leite e a carne.
Posicionamo-nos na dianteira da sustentabilidade dos recursos naturais e dos agroalimentos nos Açores.
Asseguramos aos consumidores produtos naturais e de perspectiva geracional, ou seja, asseguramos o futuro agroprodutivo.
Estes são apenas exemplos, que me permito destacar, de ferramentas com que nos estamos a munir e estratégias que estamos a implementar, actuando nas diferentes vertentes com vista a um equilíbrio entre um ambiente mais sustentável e o uso da terra que temos.

O que precisa de ser feito para que a nossa sociedade se torne mais informada acerca de sustentabilidade da terra, preservação do meio ambiente e consumo consciente?    
Continuar a investir em acções de sensibilização, em particular com carácter de proximidade junto da população.
Esta tem sido uma estratégia que adoptámos desde o início desta legislatura, num conceito a que chamamos Naturalidade da Terra. Dessa estratégia é exemplo o Fórum de Agro-Pecuária Biológica, realizado em todas as ilhas dos Açores, nos anos de 2021 e 2022, no qual contámos com mais de dois milhares de participantes activos em sessões de formato diversificado, sempre focadas na interação entre a produção e o consumo e onde se abordaram diversas temáticas, que, muitas vezes, foram além do modo de produção biológico, abordando práticas e conceitos da agricultura tradicional, regenerativa, ecológica mas, identicamente, da sua integração com a agricultura de precisão e outra tecnologia de ponta que pode ser um aliado desta estratégia de desenvolvimento que queremos que seja sustentável.
No ano passado, uma comitiva da Rede INNER – Bioregiões, deslocou-se aos Açores promovendo colóquios, encontros e visitando a nossa realidade e, já este ano, uma comitiva dos Açores visitou a primeira Bio-Região de Portugal – Idanha a Nova, com vista à troca e disseminação de informação.
Com o projeto Abelha Amiga estamos a fomentar a vertente dos polinizadores, trabalhando em conjunto com autarquias e particulares, com diversas acções como a disponibilização de plantas melíferas, manutenção de áreas de alimentação, protecção da abelha autóctone, entre outras acções.
Neste momento, temos em fase final de preparação o Programa de Capacitação dos Agricultores e de Promoção da Literacia em Produção e Consumo Sustentáveis, que será lançado no decorrer deste semestre, tendo como eixos centrais de actuação capacitar e informar os mais diversos públicos alvo, desde as escolas, os consumidores comuns, os produtores tradicionais, mas também os produtores mais avançados do ponto de vista tecnológico. Este programa é uma das medidas do PRR para o sector agrícola da Região.
Desenvolvemos também um protocolo de cooperação com a Secretaria Regional da Educação de forma a divulgar a agricultura nas escolas da Região, procurando atingir uma faixa da população que consideramos fundamental para preparar o futuro do planeta.
A nossa agricultura tem uma forte presença no mercado externo, em particular nos sectores do leite e da carne que têm que continuar a ser incentivados, mas queremos promover a auto-suficiência alimentar, nos diversos domínios, para segurança da população, incentivando os mercados de proximidade e as cadeias curtas de comercialização e promovendo esse consumo consciente.

 Que mensagem pode deixar neste dia?   
Uma mensagem de consciencialização de base comum e diária na certeza de que os nossos recursos naturais são finitos e que a nossa atitude diária se torna fundamental para manter o planeta Terra habitável.

                                       
Carlota Pimentel

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Autor: CA

Categorias: Regional

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