Numa vila muitas vezes associada a problemas de vária ordem, a Escola Básica e Integrada de Rabo de Peixe é uma das instituições que tenta remar contra a maré e quebrar barreiras na conhecida freguesia da costa norte da ilha de São Miguel. O estabelecimento de ensino ‘puxou para si’ um grupo de alunos que anteriormente eram um foco de problemas (os próprios jovens admitem-no) e criaram, há cerca de 4 anos, a Brigada da Cidadania. Allison, Luana, Neuza, José, Toni, Rúben e Samuel são os nomes dos sete alunos, entre os 16 e os 19 anos de idade, que integram orgulhosamente esta Brigada que conta com a valiosa liderança do agente Marco Pereira, da Esquadra da PSP em Rabo de Peixe.
O Correio dos Açores foi à escola para perceber como se desenrola este projecto e ouvir, de viva voz, as vantagens e os frutos colhidos por esta inovadora Brigada de jovens.
A Brigada vista pelos alunos
Começando pelos principais intervenientes, os alunos, e depois de algumas reticências iniciais, é Neuza quem se lança na conversa.
“Estou na Brigada há 2 anos”, começa por dizer, antes de explicar quais são exactamente as suas competências.
“Se há alguma briga vamos lá, tentamos separar e falamos com calma. Alguns dos alunos respeitam, outros não. Dizem que nos fazemos de espertos, que temos a mania, mas não dou ouvidos (…) Ligamos sempre ao agente Marco Pereira, que é a primeira pessoa que tem de saber o que se está a passar juntamente com o professor Artur Tavares”, garante.
Tânia Sousa, assistente operacional e um dos membros escolhidos pelos próprios alunos para integrar este projecto abrangente, confessa que os jovens à sua frente “eram umas pestes” quando começou a trabalhar na Escola há 5 anos.
“Agora eles são os ‘polícias’ da Escola. Há falta de profissionais e eles muitas vezes rondam durante a hora do recreio e chegam a zonas onde não conseguimos (…) Esta Brigada ajudou-vos muito a crescerem como pessoas”, afirma dirigindo-se aos alunos.
José concorda e garante que a Brigada o “ajudou muito”. Já Toni admite sentir que “agora temos mais responsabilidade. Se não estivesse na Brigada não tinha acabado o 9º ano e já estava em casa”, acrescenta, para reforçar a importância que este projecto teve na mudança do seu comportamento.
“Antes não os provocava, não deixava era ninguém levantar a voz para mim (risos). Se me fizessem isso, agredia-os. Agora controlo-me”, realça.
Neuza salienta que a mãe está “orgulhosa” por a filha integrar o projecto. “Ela diz que mudei muito”, confessa. Também o colega José reforça que a sua também está satisfeita por ele integrar a Brigada da Cidadania.
“Ela vinha todos os dias assinar participações aqui à escola. Agora as coisas estão melhores”, afirma o jovem.
Para motivar os alunos é necessário criar incentivos e a Brigada conta com o apoio de várias instituições.
“Para além de terem livre trânsito pela escola, fazemos, por exemplo, visitas de estudo. Ainda recentemente fomos ao Ginásio HL que nos abriu a porta para que pudéssemos ir lá treinar gratuitamente. Já fomos a vários treinos e jogos do Santa Clara ou tivemos bilhetes oferecidos pela Câmara Municipal da Ribeira Grande para os festivais. Foi também o senhor Alexandre Gaudêncio (Presidente da autarquia da Ribeira Grande) quem nos ofereceu as roupas da Brigada. Temos saído como equipa para alguns churrascos e estes são privilégios que outros alunos não têm”, explica o agente Marco Pereira.
“Vamos começar a fazer castings porque agora há muitos alunos a quererem fazer parte da Brigada de Cidadania”, acrescenta ainda em jeito de brincadeira.
O nascimento e o papel da Brigada
O professor Artur Tavares, do Conselho Executivo da Escola Básica Integrada de Rabo de Peixe, realça que estes alunos “são uma referência”, mas que, também por isso, isso “é muito desafiante” para eles.
“Eles têm todos os olhos da comunidade escolar neles (…) Eles são um exemplo a seguir, mas também têm as suas falhas, não são perfeitos como nós todos e, quando falham, é-lhes muito facilmente apontado o dedo. Acho que o mais desafiante para eles é terem de lidar com essas expectativas”, considera.
Artur Tavares explica que este é um trabalho realizado “através da intervenção de pares. Eles intervêm junto dos colegas e por isso tornam-se nessa referência. Isto operacionaliza-se com muitas macro e micro recompensas: A macro é eles poderem concluir o 9º ano e as micro são esses pequenos prémios que vamos dando ao longo do tempo”.
Fundamental em todo este processo é o papel assumido pela Esquadra da PSP de Rabo de Peixe e, muito concretamente, pelo agente Marco Pereira, o mentor desta Brigada. O polícia conta como se iniciou este projecto.
“A Brigada nasceu há 4 ou 5 anos quando me apresentei em Rabo de Peixe. Vim para cá a convite do Chefe Marco Simas para implementar o modelo integrado de proximidade (Escola Segura). Aí surgiu a ideia de criar uma Brigada de Cidadania que nasceu com o Vice-presidente do Conselho Executivo, o professor Artur Tavares; com o professor Carlos Cunha, comigo e com os professores André e Sílvia”, especifica o agente. Dessa primeira Brigada, fizeram parte dois alunos “que concluíram o 9º ano de escolaridade”.
“Um deles até é de uma família muito problemática de Rabo de Peixe”, sublinha.
Marco Pereira confessa terem existido algumas reticências relativamente ao sucesso que esta Brigada poderia alcançar.
“Quando o projecto foi apresentado ao meu Comandante de Esquadra ele ficou um pouco reticente porque ficamos com medo que os alunos usassem isso para proveito próprio, tornando-se líderes para pior ainda”, afirma.
As vantagens do Projecto
A boa relação deste agente da Esquadra da PSP de Rabo de Peixe com os jovens é algo indesmentível durante todo o tempo em que estivemos na Escola. Marco Pereira fala orgulhosamente destes e dá um exemplo de uma situação que comprova a mudança de comportamento dos alunos.
“Tive uma situação triste há pouco tempo de pancadaria entre dois miúdos. Eles foram separados e um deles deu uma dentada no José”, conta antes de o próprio José garantir que se tal tivesse acontecido “há uns anos atrás, ele tinha ido parar ao hospital”.
“Ele separou, respirou e telefonou-me. Contou o que se tinha passado e explicou como estava a segurar o miúdo”, reforça orgulhosamente o agente.
Para José não restam dúvidas de que “as coisas melhoraram a olhos vistos. A Escola está diferente”.
O professor Artur Tavares lembra a este propósito o regresso complicado à normalidade depois da pandemia.
“Não só tínhamos estado confinados e a vila de Rabo de Peixe foi das mais fustigadas a esse nível, como também regressamos para condições que não eram as melhores (contentores provisórios). Imaginem 1.100 alunos a passarem por um corredor estreitíssimo”, refere para valorizar o papel da Brigada nesse período e para garantir que a Escola “apoia a 100% este projecto”.
“Notamos muita diferença. Em cerca de 6 meses as situações de violência quase desapareceram da Escola quando, em Setembro, eram duas ou três por dia, principalmente durante o intervalo das 10h”, recorda.
Ligação da PSP à comunidade
Artur Tavares realça igualmente que a proximidade criada com a PSP, “na figura do agente Marco Pereira, traz muitas vantagens”, para a Escola. Também em relação a este ponto, o polícia concorda com a existência destes ganhos em ambiente escolar, mas também para permitir “uma aproximação à comunidade. Há um maior à vontade dos civis e há alguns que vão à Esquadra pedir para falar comigo devido à proximidade que já tenho com os seus filhos”.
“Se tivéssemos confiança com os outros policias como temos com o agente Marco…”, acrescenta o jovem Toni.
Para reforçar esta linha de pensamento do agente, o professor Artur lembra que a Escola é a única de Rabo de Peixe “e todas as crianças e jovens da vila passam por aqui. Estando cá o Agente Marco ele fica a ter um conhecimento da vila muito grande”.
Ainda para exemplificar a ligação já existente entre os jovens da Brigada da Cidadania e o agente de ligação da Esquadra de Rabo de Peixe, Marco Pereira salienta que eles “são os primeiros a comunicar, caso presenciem algo ilegal fora da escola”.
“Ainda há pouco tempo, estavam dois toxicodependentes a saltar um muro para o interior de uma casa e o Rúben assistiu e mandou-me logo um vídeo. Isso permite-nos intervir na hora”, salienta.
Nem de propósito e enquanto se desenrola a nossa conversa, escutam-se gritos no acesso principal da escola. Cerca de 5 minutos depois, os elementos da Brigada regressam à sala e Marco Pereira revela o sucedido.
“Há uma miúda que alega ser vítima de bullying. O caso foi sinalizado, as miúdas são amigas, já conversaram, mas a mãe acha por bem ir a Tribunal”, conta.
“Se não tivéssemos um polícia elas (as mães) entravam pelas salas”, destaca a assistente operacional Tânia Sousa. Sobre este ponto em concreto, Toni recorda que o Director da Escola chegou mesmo “a levar porrada de um pai que entrou por aí a dentro. A escola antiga não tinha comparação com esta”.
Marco Pereira explica ainda que, na EBI de Rabo de Peixe, o “portão está fechado”.
“Sabemos que há outras onde os alunos e as alunas estão autorizados a sair, mas aqui só podem sair à hora de almoço e no final das aulas. Isto porque muitos deles iam lá para fora meter-se em maus caminhos e já não voltavam”, justifica.
Regressando ao tema Brigada da Cidadania, Marco Pereira lembra o sucesso da primeira experiência em que os seus dois primeiros integrantes, são exemplos de sucesso.
“O Pedro foi para uma escola profissional e já está a trabalhar. O Leandro tirou o seu curso e hoje tem a sua barbearia bastante conhecida. Com o donativo de 1.000 euros da Santa Casa Misericórdia da Ribeira Grande compramos-lhe a primeira a cadeira de barbeiro”, salienta.
O professor admite que este é um tipo de projecto com “alguns riscos”.
“O dia é dia é cansativo e desafiante. Todos os anos realizamos um processo de reflexão e tentamos melhorar algumas coisas. Inicialmente, ainda pensamos ter mais elementos na Brigada, mas depois torna-se difícil dar-lhes aqueles prémios de que já falamos. A nossa capacidade de os influenciar também é diminuta. Tem de haver aqui um laço de amizade, uma relação de confiança”, afirma antes de garantir que a Brigada é “para continuar”.
A outro propósito, o agente Marco Pereira faz ainda questão de contar que o logótipo da Brigada foi criado por um aluno no âmbito de um concurso lançado nesta Escola.
Uma coisa é certa, este projecto inovador que junta os jovens alunos, a Escola Básica Integrada de Rabo de Peixe e a PSP desta vila da costa norte da ilha de São Miguel veio para ficar, para alterar mentalidades e tem tudo para se constituir como um exemplo positivo à restante comunidade.
Luís Lobão