O Tribunal de Contas realizou, a pedido da Assembleia Legislativa Regional, uma auditoria para identificar as principais causas do “significativo agravamento do desequilíbrio económico e financeiro do Grupo SATA observado entre 2013 e 2019, período em que os prejuízos acumulados totalizaram 260 milhões de euros, o passivo passou de 198,6 milhões de euros para 464,8 milhões de euros e o capital próprio – que à partida já era negativo (-19,4 milhões de euros) – foi sujeito a uma acentuada erosão, essencialmente devido aos sucessivos prejuízos registados, acabando por se fixar em -230,3 milhões de euros no final de 2019.
No período em análise 2013-2019, no âmbito dos contratos de concessão de serviços aéreos entre as ilhas dos Açores, a frota da SATA Air Açores efectuou, segundo o parecer do Tribunal de Contas, 8 765 frequências para além dos serviços mínimos contratualizados.
Na execução destes contratos registaram-se desvios entre os défices de exploração reais e os correspondentes valores contratualizados, que nem sempre deram lugar à reposição do equilíbrio financeiro da concessão. Nestas circunstâncias, a Sata Air Açores, S.A., assumiu a componente dos défices não compensados, que totalizou 9,2 milhões de euros.
Além disso, registaram-se “atrasos significativos” no pagamento das compensações financeiras devidas pela Região no âmbito da concessão, que no final de 2019 ascendiam a 51,7 milhões de euros.
“Impulsionada pelos atrasos no pagamento daquelas compensações financeiras, assim como pelas crescentes necessidades de liquidez da subsidiária Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., a dívida financeira da Sata Air Açores, S.A.,”expandiu-se 123,7 milhões de euros (+100,7%), atingindo 246,4 milhões de euros no final de 2019”.
Nestas circunstâncias, conclui o Tribunal de Contas, a Sata Air Açores, S.A., “confronta-se com uma situação de falência técnica, desde 2013, que se agravou em resultado dos sucessivos prejuízos acumulados (o capital próprio passou de -18,9 milhões de euros naquele ano, para -30,7 milhões de euros em 2019)”.
Airbus A330-200 ‘Cachalote’
uma opção “errada”
A decisão da SATA Internacional – Azores Airlines de renovar a frota, substituindo os quatro Airbus A310 por dois Airbus A330-200 (o designado ‘Cachalote’), segundo o Tribunal de Contas, “contrariou em toda a linha” os estudos elaborados pelas consultoras Aviado Partners e Lufthansa Consulting.
O facto é que, em Julho de 2016, decorridos apenas quatro meses desde a entrada em operação do Airbus A330-200, a Assembleia-geral da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., deliberou aprovar a proposta de revisão do Plano de Negócios 2015/2020 apresentada pelo novo Conselho de Administração, “revertendo a estratégia anteriormente delineada para a renovação da frota”.
Apesar de a decisão de substituir o Airbus A330-200 ter sido tomada em Julho de 2016, a aeronave manteve-se em linha até 09-11-2018 e esteve “ociosa” até Junho de 2020, quando se concluiu o respectivo processo, na sequência do acordo estabelecido para a cessação antecipada do respectivo contrato de locação, mediante o pagamento ao locador de uma indemnização na ordem dos 20,4 milhões de euros.
Segundo o Tribunal de Contas, “todas as evidências recolhidas apontam no sentido de que a opção inicial pelo Airbus A330-200 foi uma decisão estratégica errada, tecnicamente não sustentada e sem racionalidade gestionária, suscitando-se dúvidas sobre as razões subjacentes a esta opção, em consequência da qual a SATA Internacional – Azores Airlines, S.A., registou perdas na ordem dos 42,2 milhões de euros, dos quais 21,6 milhões de euros entre 2016 e 2019”
“Entre 2013 e 2019, foi manifesta a incapacidade da SATA Internacional – Azores Airlines, S.A., gerar recursos através das suas operações, facto evidenciado pela expressão recorrentemente negativa do EBITDA (resultado antes de juros, impostos, provisões e amortizações), que se agravou a partir de 2017” conclui o Tribunal de Contas.
“O agravamento do desequilíbrio operacional da empresa determinou o crescimento do endividamento, com o passivo a aumentar 243,6 milhões de euros (+449%) entre 2013 e 2019, fixando-se em 297,8 milhões de euros neste último ano. Deste montante, 125,7 milhões de euros (42%) reportavam-se a empréstimos concedidos por outras empresas do Grupo SATA, por conta dos quais a Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., suportou 4,8 milhões de euros de juros em 2019”.
Assim, entre 2013 e 2019, a empresa confrontou-se com uma situação de falência técnica, com o capital próprio negativo a ascender a -203,3 milhões de euros no final de 2019 (-3,7 milhões em 2013).
Em relação à Sata Gestão de Aeródromos, S.A., o Tribunal de Contas refere que “a performance operacional da empresa degradou-se no período em apreciação, facto que poderá indiciar uma situação de subfinanciamento do serviço público prestado pela empresa no âmbito do contrato de concessão celebrado com a Região”.
Entre 2013 e 2019, a Região cometeu à empresa a execução de um conjunto de investimentos nas diversas infra-estruturas aeroportuárias concessionadas, com um montante de despesa prevista de 23,3 milhões de euros, assumindo o compromisso de suportar a componente não comparticipada por fundos comunitários.
90% dos prejuízos da Azores Arlines
Considera o Tribunal de Contas que “a dificuldade na obtenção de evidências formais de suporte a determinadas decisões estratégicas e operacionais tomadas no período abrangido pela acção é reveladora do elevado grau de informalidade que continuou a caracterizar o funcionamento dos órgãos sociais das empresas do Grupo SATA, circunstância que consubstancia a violação de disposições legais e estatutárias”.
Realça que, “invertendo o comportamento até então evidenciado, a partir de 2016 o volume de negócios do Grupo SATA encetou uma trajectória tendencialmente ascendente, atingindo em 2019 a expressão mais elevada no período em análise – 189,4 milhões de euros, mais 11,6 milhões de euros (+6,5%) do que em 2013W.
Constata o Tribunal de Contas que, entre 2013 e 2019, o Grupo SATA “não conseguiu gerar recursos através das suas operações, facto evidenciado pela expressão recorrentemente negativa assumida pelo EBITDA, com excepção dos exercícios de 2016 e de 2019, embora neste último ano exclusivamente por efeito da alteração de critérios contabilísticos associada à aplicação da norma internacional de relato financeiro IFRS 16 – Locações”.
Esclarece que “este desequilíbrio operacional, com cariz estrutural, foi determinado pela operação deficitária da Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., que se agravou substancialmente a partir de 2017, num contexto em que a Sata Air Açores, S.A., até evidenciou uma assinalável melhoria da sua performance operacional, insuficiente, porém, para acomodar as rentabilidades historicamente negativas das operações daquela subsidiária”.
Consequentemente, entre 2013 e 2019 o Grupo SATA acumulou prejuízos na ordem dos 260 milhões de euros, dos quais 233,4 milhões de euros (90%) foram gerados pela Sata Internacional – Azores Airlines, S.A.
A acumulação destes prejuízos, segundo o Tribunal de Contas, “provocou uma deterioração substancial da respectiva situação financeira e patrimonial, com o capital próprio negativo a fixar-se, naquele último ano, em -230,3 milhões de euros (-19,4 milhões de euros em 2013), circunstância reveladora de uma situação de falência técnica que se foi agravando ao longo dos anos”.
O Grupo SATA “supriu as respectivas necessidades de financiamento recorrendo ao endividamento”. Deste modo, entre 2013 e 2019, o passivo total aumentou 266,2 milhões de euros (+134%), atingindo 464,8 milhões de euros neste último ano, dos quais 245,2 milhões de euros eram exigíveis a curto prazo”.
A 31 de Dezembro de 2019, o passivo corrente superava em cerca de 132 milhões de euros o activo com idêntica maturidade, circunstância reveladora da dimensão do desequilíbrio financeiro do Grupo SATA, que colocava em risco a continuidade das suas operações, aspecto que foi devidamente enfatizado pelo auditor externo”.