Assinalou-se ontem o 112º aniversário da GNR, no Dia da Guarda Nacional Republicana. Nos Açores, o comando territorial da GNR realizou uma cerimónia militar como forma de comemorar a data. A nível nacional, a data será celebrada a 10 de Maio na Praça do Império com uma solenidade militar aberta a toda a população. Após a efeméride, o Correio dos Açores esteve à conversa com o Coronel José Vieira, Comandante do Comando Territorial dos Açores.
Correio dos Açores - Quais são as principais diferenças entre a Guarda Nacional Republicana no continente e nos Açores?
Coronel José Vieira (Comandante do Comando Territorial dos Açores) - No continente, existem 18 distritos e cada distrito tem um comando territorial. Além destes, existem outros dois comandos territoriais na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira. Ao todo, a Guarda Nacional Republicana tem 20 comandos territoriais.
No território continental, a Guarda Nacional Republicana, que divide a sua área de actuação com a PSP, assume todas as tarefas policiais de polícia geral, nomeadamente furto de carteiras, violência doméstica, entre outros. Já nos Açores e na Madeira, a PSP é que tem a responsabilidade de fazer este policiamento geral.
No território continental existem duas unidades: a Unidade de Acção Fiscal (UAF) e a Unidade de Controlo Costeiro e Fronteiras (UCCF), as quais apoiam os comandantes territoriais, quando é necessário, nas vertentes tributárias, fiscais, aduaneiras ou nas vertentes da vigilância de costa e do mar territorial.
Na Região, o Comando Territorial dos Açores da GNR é herdeiro do serviço da Guarda Fiscal. Desde 1885 até 1993, o que existia e estava implementado nos Açores era a Guarda Fiscal. A GNR tem passagem histórica ao longo dos tempos, mas a sua actividade não foi muito enraizada. Em 1993, a Guarda Fiscal foi extinta e integrada na Guarda Nacional Republicana e as atribuições que pertenciam à Guarda Fiscal passaram para a GNR. Neste ano, criou-se a Brigada Fiscal e a GNR era um comando dessa brigada. Em 2009, houve outra reestruturação na Guarda Nacional Republicana e este comando deixou de estar agregado à Brigada Fiscal, passando a constituir-se como um comando territorial com missões ligadas ao que era a Brigada Fiscal.
Herdámos, ainda, da Guarda Fiscal o controlo de fronteiras. As atribuições do comando territorial da GNR dos Açores são tributárias, fiscais e aduaneiras, compreendendo também vigilâncias da costa e do mar territorial até às 12 milhas ou 24 milhas.
O comandante territorial no continente não tem a atribuição normal de tributário, fiscal e aduaneiro, uma vez que outra unidade da GNR é que presta esse apoio. Nos Açores esta é a nossa missão.
Além disso, outra das atribuições da GNR, a nível nacional e regional, é o serviço de protecção de natureza e ambiente. A GNR é a polícia ambiental.
Muitas vezes, as pessoas confundem as competências da GNR com as da PSP. Pode clarificar?
Por vezes, as pessoas pensam que a GNR vai autuar por ter o carro mal-estacionado, mas essa não é a nossa prioridade. Essa é uma tarefa normal da PSP ou da Polícia Municipal, no caso de Ponta Delgada. Porém, isto não invalida também que possamos fazer esse tipo de intervenção. Em flagrante delito podemos fazer tudo que diz respeito às medidas cautelares para assegurar os meios de prova.
Por exemplo, no caso de uma viatura de transporte de pão, além das questões de higiene, há um conjunto de actividade tributária que tem de ser verificada, tais como se tem guias de transporte ou se está a pagar o que deve em termos de impostos. Quando a GNR manda parar uma viatura, está a fazer as suas vertentes especiais porque, em termos de entidades policiais, mais ninguém as faz.
No fundo, quando mandamos parar a viatura, fiscalizamos a vertente tributária e, de seguida, verificamos se a pessoa tem carta de condução, seguro, inspecção, entre outros. Ou seja, fazemos a fiscalização integral.
Outro exemplo: uma pessoa está a conduzir e a falar ao telemóvel. Nós podemos fazer uma sensibilização ou podemos autuar, porque somos órgãos de polícia criminal tal como no continente, independentemente de a área de jurisdição geral ser da Polícia de Segurança Pública.
Quando a GNR faz operações conjuntas com a PSP, a Guarda Nacional Republicana faz a vertente tributária e a PSP faz a vertente rodoviária. Quando estamos sozinhos, fazemos as duas e a PSP quando está sozinha faz rodoviária, mas não pode fazer tributária. A PSP não tem competências tributárias como a GNR tem.
Que relevância atribui à comemoração do Dia da Guarda Nacional Republicana?
O Dia da Guarda Nacional Republicana é um dia muito importante para a GNR. Comemorar este dia nos Açores tem um sabor diferente do que fazê-lo no continente. A 3 de Maio de 1911 foi assinado um decreto do governo que criou a Guarda Nacional Republicana, por Teófilo Braga, que é açoriano. No fundo, este é um dia festivo e de felicidade, porque significa que sobrevivemos mais um ano às agruras do serviço.
Qual é a relevância da GNR numa região insular como os Açores?
Procuramos fazer o cumprimento das nossas atribuições com os recursos humanos e materiais que temos, aliados com a formação. Focamo-nos sempre numa perspectiva de sensibilização às populações. A semana passada estivemos num projecto conjunto com a Secretaria do Ambiente e Alterações Climáticas, em contacto com os agricultores com o intuito de transmitir a informação antes de eles serem fiscalizados. A GNR mostrou-se disponível para esclarecer dúvidas e prestar apoio. Considero importante estabelecer pontes entre a entidade administrativa e o agricultor. Estamos disponíveis para fazer esse papel de transição e aconselhar as pessoas. Esta é uma das estratégias que, enquanto comandante, tenho tentado incutir nos meus militares. Não gostaria que vissem a GNR só pelo aspecto punitivo. O aspecto sancionatório é a última coisa que queremos fazer.
Resumindo, temos o nosso espaço e trabalhamos em conjunto com as outras entidades administrativas, policiais. Trabalhar em parceria é a resposta do sucesso para não desperdiçar recursos.
Que actividades desenvolvem na Região actualmente e que vão desenvolver proximamente?
Temos uma vertente cinotécnica assente nas três ilhas administrativas principais, nomeadamente São Miguel, Terceira e Faial. Trabalhamos em duas vertentes: na detecção de três produtos, designadamente estupefacientes, papel moeda e armas de fogo; e na vertente de cinocatástrofe. Isto é, se desaparecerem pessoas ou se ocorrer alguma catástrofe em que seja necessário os cães iniciarem buscas a pessoas, temos essa vertente.
De momento, temos em desenvolvimento uma vertente de emergência, protecção e socorro, o que é uma competência da Guarda Nacional Republicana a nível nacional e que vamos implementar nos Açores também. A actividade sismo-vulcânica em São Jorge permitiu-nos ver que não se pode esperar mais. Estamos a dar os primeiros passos para implementar essa unidade na Terceira, uma vez que é aí que está o Serviço Regional de Protecção Civil e Bombeiros dos Açores. O objectivo é uma resposta mais rápida e trabalharmos em conjunto. Se um dia for necessário trabalhar em situações de emergência e protecção civil, todos somos poucos. Veja-se o exemplo da Turquia.
Outra vertente que está a ser desenvolvida prende-se com a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Como resultado disso, a GNR vai ficar encarregue da vertente marítima e dos terminais de cruzeiros. A nossa estrutura vai ficar designada por Posto de Guarda Fronteiras. A PSP fica encarregada da vertente aérea, os aeroportos. Na vertente de controlo de fronteiras, a nossa estrutura vai implicar três postos de fronteiras, em São Miguel, na Terceira e no Faial, que já existiam com o SEF que vão passar para a nossa alçada quando o processo estiver concluído.
Neste momento, o SEF e a GNR estão a trabalhar em conjunto. A integração tem sido feita sem resistências. Desde o ano passado, estamos a fazer formação com vários elementos e estamos a criar o quadro para o Posto de Guarda Fronteiras. Tem sido uma experiência muito positiva, uma aprendizagem mútua. O desafio do presente e do futuro é guarnecer e equilibrar os postos de Guarda Fronteiras com efectivos da GNR e do SEF.
A implementação do SIVICC - Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo é um desafio para a Região. Este sistema já está implementado no território continental, onde existem 20 postos de observação. Na Madeira, o SIVICC foi implementado há dois anos e existem quatro postos de observação. Nos Açores ainda não está e temos de olhar para os Açores estrategicamente. Ao falarmos em espaço Schengan, no fundo, falamos da livre circulação de pessoas e bens. Ou seja, a implementação do SIVICC não abrange apenas a questão da pesca a nível local, existindo também o controlo de fronteira. Os Açores são um limite de fronteira do espaço Schengen. Este não é apenas um projecto do comando dos Açores, da GNR ou de Portugal. É um projecto da Europa. Por isso, está-se a tentar colocar uma maior capacidade de vigilância, comando e controlo na linha de costa. Nos Açores estão previstos até 14 postos de observação. Numa primeira fase, vão ser implementados até seis postos de observação. Além das torres, o sistema é composto por uma sala de situação, que vai ter até seis operadores, para poder visualizar o que é transmitido dos postos de observação. Para o efeito, estamos a renovar o edifício do Comando Territorial da GNR dos Açores.
Além da instalação dos equipamentos, temos de ter capacidade para interceptar em terra e no mar. De momento, temos quatro embarcações, em São Miguel, Terceira, Pico e Faial, mas os Açores são nove ilhas. No entanto, já está acautelada uma embarcação mais robusta, que virá para os Açores para garantir uma melhor qualidade de serviço, com uma capacidade diferente do que temos actualmente. O objectivo é colocar, em zonas estratégicas, embarcações para fazer ligação entre as ilhas, de forma a providenciar capacidade de resposta operacional. O sistema SIVICC é vigilância e capacidade de intercepção. Este é outro grande desafio que os Açores, Portugal e a Europa têm. Não há dúvida que as embarcações entram no espaço europeu através dos Açores e este sistema vai permitir uma melhor vigilância e controlo da costa.
Antes de vir para o Comando Territorial da GNR dos Açores, em que outras localidades prestou serviço?
Entrei para a Guarda Fiscal em 1992 e, como referi acima, no ano seguinte, a Guarda Fiscal foi integrada na GNR. A meio caminho tive de mudar de farda. Fiquei colocado na escola prática da GNR em Queluz. Em 1995, fui promovido a Tenente e mantive-me na escola até 1999, ajudando a desenvolver a área de armamento e tiro táctico. Estive na base da mudança do paradigma do tiro na GNR. Em 1999, fiz o curso de promoção a capitão e de 1999 a 2003 comandei o destacamento territorial de Ponte de Sor. Entretanto, regressei à escola da GNR. Depois, estive em Portalegre a comandar uma companhia de instrução entre 2003 e 2004, ano em que regressei a Queluz, onde fiquei até 2006.
Neste ano, parti para Timor-Leste para integrar uma missão das Nações Unidas, onde fui assessor do ministro do interior daquele país que estava, na altura, todo a arder. Nesta missão fui promovido a Major. Regressei a Portugal em 2008 e fiquei colocado, por escolha superior, na escola prática da GNR até 2012, altura em que regresso a Timor-Leste onde permaneci até 2014, a liderar um projecto de cooperação técnico-policial, dando formação aos novos polícias daquele país. Na segunda missão a Timor-Leste fui promovido a Tenente-Coronel. Quando regressei a Portugal, fui colocado no Comando Territorial de Setúbal, a exercer as funções de chefe da secção SEPNA e oficial de ligação do comando aos Serviços Distritais de Protecção Civil. Estive em Setúbal ao longo de cinco anos. Entretanto, fui levado para a Direcção Nacional do Serviço de Protecção de Natureza e Ambiente, onde fiquei quase três anos.
Em 2021, fui promovido a Coronel. Na altura, o comando da GNR questionou-me se queria ficar no SEPNA, a nível nacional. Eu, sabendo de antemão que o Comando dos Açores ia ter uma vaga, disse-lhe que um Coronel se fez para comandar e que comandaria qualquer comando em qualquer parte do mundo. Passado duas semanas, o Comandante-Geral disse-me que tinha o comando dos Açores para mim. E foi assim que vim cá parar.
Já conhecia os Açores?
O meu pai é da ilha Terceira, pelo que sou 50% açoriano. O meu pai foi para o continente com 21 anos, casou e ficou por lá. Creio que viemos cerca de três vezes aos Açores, quando eu era criança. Actualmente, ainda tenho família cá. Além disso, já tinha vindo a Ponta Delgada em serviço.
A oportunidade de comandar os Açores, em termos da GNR, permite-me não conhecer os Açores do ponto de vista turístico, mas da realidade de serviço. Mas hei-de arranjar tempo para conhecer os Açores de outro ponto de vista. Em suma, é um privilégio estar cá a fazer aquilo que gosto e que sempre esperei fazer. Como oficiais, comandamos duas vezes na vida: um destacamento como capitães e um comando territorial como coronéis. Considero-me um privilegiado por poder estar a comandar.
Considera que existe uma maior proximidade por ser um meio pequeno? Isso é positivo ou negativo?
Um ponto forte que a Região tem é que, independentemente de serem nove ilhas, de estarem fisicamente distantes umas das outras e de estarem separadas por intempéries, as pessoas pegam no telefone e falam umas com as outras. Este é um aspecto muito positivo. Esta proximidade permite resolver problemas que, às vezes, com um ofício ou um e-mail demoraria mais tempo. Aqui, estamos todos à distância de um telefonema. Todas as entidades pegam no telefone e falam, e por vezes isso é suficiente para desbloquear situações que se encontram num impasse. Encontramo-nos em várias reuniões conjuntas de coordenação, o que permite termos essa proximidade uns com os outros e resolver coisas que demorariam mais tempo.
Passados quase dois anos da tomada de posse, que balanço faz da experiência?
É, de facto, um balanço bastante positivo, porque me tem permitido demonstrar a realidade dos Açores perante o comando da GNR, bem como de outras pessoas. Os Açores são diferentes do território continental. Têm as suas vicissitudes, mas a forma como ultrapassamos os desafios tem permitido dinamizar e trazer mais recursos, sejam eles humanos ou materiais.
Posso afirmar que temos mais efectivo, mais recursos e trabalho não nos falta.
Sinto-me feliz e um beneficiado por estar nesta Região, com esta população, com os meus militares e restantes colaboradores directos.
Que perspectivas tem de futuro?
Conseguir prestar mais e melhor serviço à população.
Que mensagem quer deixar neste dia?
Confiança na GNR, no Comando dos Açores, no efectivo militar e funcionários civis que aqui prestam serviço. Tudo faremos para conseguir dar o nosso melhor em prol da Região Autónoma dos Açores e das suas populações. Estamos e temos estado presentes ao longo dos tempos. O nosso desígnio é que podem continuar a ter confiança em nós!
Carlota Pimentel