Assinala-se hoje o Dia Mundial do Médico de Família

“O principal desafio é a burocratização do trabalho médico, em particular do médico de família”, afirma Tatiana Nunes

Tatiana Nunes tem 33 anos, é natural de Ponta Delgada e é especialista em Medicina Geral e Familiar.  É médica de família desde 2020, exercendo actualmente a sua actividade no Centro de Saúde de Ponta Delgada, na Unidade de Saúde do Livramento, sendo um dos sete membros da Delegação Regional dos Açores para a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF). Nesta entrevista fala sobre as dificuldades que enfrentam os médicos de família nos Açores, bem como no impacto negativo que a pandemia teve na saúde mental dos açorianos.

Correio dos Açores - Qual é a importância do Dia Mundial do Médico de Família?
Tatiana Nunes (Médica e delegada da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar nos Açores) - O médico de família é a base e o primeiro contacto da população com os cuidados de saúde. É o médico que promove e zela pela saúde da sua população, com intuito de evitar o aparecimento ou a progressão de doenças. É ainda o único médico especialista (em Medicina Geral e Familiar) que acompanha e segue a população, desde o nascimento até à morte. Penso que são motivos muito importantes e que justificam a sua comemoração, a nível mundial.

A Medicina Geral e Familiar é uma área muito abrangente. Em que medida é possível atender o doente na sua amplitude?
Nem sempre é fácil numa só consulta avaliar o utente em todas as áreas que mencionou e acrescento, ainda, a esfera social. Mas esse trabalho é de extrema importância, pois um problema que é trazido à consulta pode ter diferentes impactos consoante o valor que o próprio dá a cada uma delas. É o nosso trabalho diário e que fazemos sempre por fazer o melhor.

Qual é a percentagem de utentes que não tem médico de família nos Açores?
A percentagem de utentes nos Açores que não têm médico de família varia de ilha para ilha. Segundo o relatório do ACESSAUDE realizado em 2020, com base em números de 2018, cerca de 13% da população não teria médico de família, à excepção dos utentes da ilha do Corvo. Com as recentes admissões de mais médicos nos últimos dois anos, esse valor poderá já não corresponder à realidade e ser inferior.

Que impacto tem a carência de médicos de família nos médicos que estão a exercer?
Os utentes que não têm médico de família, em geral, não são observados e orientados por médicos com listas atribuídas. Assim não há um impacto directo com sobrecarga de trabalho por esse motivo. Existem consultas em tempo extraordinário em alguns locais para colmatar essa situação, mas será sempre facultativo. Agora posso dizer, e penso que em nome de todos, que temos sobrecarga de trabalho em geral, pelo número elevado de utentes que compõem cada lista da cada médico de família e, isso sim, é gerador de stress, sobrecarga e exaustão no próprio médico.

De modo geral, as pessoas procuram o médico de família quando têm algum problema ou fazem-no numa atitude de prevenção também?
Considero que a população cada vez mais está preocupada com a sua saúde e, portanto, há uma crescente procura do médico de família para a prevenção de doenças.

Nota que depois da Covid-19 há mais pessoas a recorrer ao médico de família por questões de saúde do foro mental?  
Sim, com toda a certeza. A pandemia teve um impacto negativo na saúde mental da população açoriana, sobretudo no que concerne a distúrbios angodepressivos, bem como a perturbações do sono. Agora é que estamos a “colher os frutos” de mudanças de rotinas: mudança do paradigma de contacto humano com o isolamento forçado; stress emocional pela incerteza do futuro e as dificuldades financeiras, trazidas também pela guerra que decorre entre a Rússia e a Ucrânia.

O que é necessário para que os cuidados primários de saúde possam funcionar melhor na Região?
Em primeiro lugar tem de ser feito um reforço nos recursos humanos, com técnicos (médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas, nutricionistas, etc.) e não técnicos de saúde (assistentes operacionais e técnicos). Depois temos vários outros problemas a resolver como a redução de listas dos médicos de família; a melhoria das condições de trabalho (a todos); o incentivo e promoção da formação individual e colectiva, entre outros.

Considera que a Medicina Geral e Familiar devia trabalhar lado a lado com outras especialidades médicas? Isso é possível nos Açores num futuro próximo?  
Sem dúvida. Nós precisamos uns dos outros para melhorar a nossa saúde e, acima disso, a qualidade de vida, principalmente quando existe doença. Como se diz comummente “a união faz a força” e acredito que estamos todos com vontade de caminhar lado a lado e, com isso, melhorar a saúde dos açorianos.

Que desafios e dificuldades enfrentam os médicos de família nos Açores?
O principal desafio é a burocratização do trabalho médico, em particular do médico de família. Temos cada vez mais tarefas a desempenhar e menos tempo útil para, efectivamente, vermos pessoas e investir na promoção da saúde e na prevenção da doença da nossa população.

Que mensagem quer deixar neste dia?
O médico de família é o advogado do utente, mas também o seu gestor e juiz nas decisões no âmbito do sistema de saúde. Todas as decisões são partilhadas entre o médico e o utente, mas não podemos esquecer que atrás da secretária também está um ser humano, com limites e sentimentos. Damos, todos os dias, o nosso melhor por cada utente e por isso, não podemos esquecer de valorizar o seu trabalho, pela sua abrangência e pela sua responsabilidade que é inerente à nossa profissão. Somos o seu médico de (e da) família!             
                                

Carlota Pimentel

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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